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Vive, no noroeste do Paquistão, um povo arcaico que, isolado e cercado de muslos por todos os lados, soube manter firme a memória religiosa da sua Estirpe e salvaguardar assim o seu idioma, a sua liberdade sexual e o culto dos seus antigos Deuses Nacionais, qual ilha árica num oceano semitizado...
Trata-se dos Kalash, antiga nação indo-europeia que, ao longo dos milénios, tem preservado o essencial da sua ancestralidade, não apenas ao nível da língua, do tipo físico, do folclore, dos costumes, mas também da religião.
Efectivamente, os Kalash (
ver vídeo), embora vivam rodeados de monoteístas semitizados, praticam ainda a adoração formal das suas Divindades ancestrais:
- Jestak é a Deusa da vida doméstica, da família e do casamento, afigurando-Se por conseguinte como equivalente à latina
Juno e à grega
Hera;
- Dezalik é padroeira dos nascimentos, que nos panteões clássicos é também um dos atributos de Juno/Hera, e também de Diana;
- Mahandeo é o Deus das Colheitas, mas também da Guerra, apresentando assim um paralelo interessante com o latino Marte;
- Khodai, também chamado Dezau, é o maior de todos, Deus Soberano do Céu, sendo assim não apenas funcional e hierárquica mas também etimologicamente equivalente ao latino Júpiter e ao grego Zeus: a avaliar pelo nome, Dezau é a versão kalash do grande Deus do Céu Luminoso, ou seja, do arquétipo divino mais puramente indo-europeu, raiz dos teónimos Júpiter, Zeus, Daipatures (ilírio), Tiwaz (germânico) e Diaus (ariano).
A sua tradição mítico-religiosa compreende ainda algumas Divindades menores, semi-deuses e espíritos, tal como de resto sucede noutras culturas indo-europeias, incluindo também figuras fantásticas tais como fadas de três seios e cavalos sobrenaturais.
Estas Divindades têm santuários ao longo dos vales, onde recebem frequentemente sacrifícios de bodes (tal como os Lusitanos). Acresce que, para além destes templos consagrados aos grandes Deuses, cada clã tem o seu próprio templo, e, dentro de cada um destes santuários de clã, cada família tem o seu pequeno santuário.
O santuário de
Jestak, em concreto, é, além de lugar de culto, um centro de sacrifício de animais particularmente durante a celebração do solstício de Inverno.
As festividades principais são três: Joshi na Primavera, Prun no Outono e
Chaumos (ver vídeo) no Inverno. Esta última, talvez a mais importante, é celebrada durante duas semanas e conta com vários actos de purificação e propiciação, aguardando a visita de um grande Deus, que tem lugar ao alvorecer posterior à mais longa noite do ano.
Os mortos são inumados sobre o solo em caixões de madeira ornamentados, e nas sepulturas dos abastados e dos honrados são erigidas efígies de madeira, espécie de totems, os gandau.
Também a nível de costumes os Kalash contrastam fortemente com todos os seus vizinhos.
As suas mulheres, célebres pela beleza e brancura, conhecidas também por usar longos robes negros (tanto que os Kalash até são conhecidos como «os Kafires Negros»), gozam de uma liberdade sexual e social muito maior do que as mulheres muçulmanas das redondezas. E em contraste com a cultura paquistanesa, os Kalash não costumam separar os sexos nem evitar o seu mútuo contacto, excepto em certos casos de carácter ritual. Nas festividades de carácter religioso, em particular, a libertinagem sexual é, dizem alguns, extrema, atingindo as raias da obscenidade.
Os Kalash, ao contrário de todas as gentes que os rodeiam, fabricam ainda o seu vinho, que é consumido até a nível ritual (enquanto os muçulmanos paquistaneses se entretêm com o canabis).
OrigensOs Kalash acreditam que são oriundos duma região a ocidente, à qual chamam Tsyam, que está ligada a Balomain, o heróico semi-deus reverenciado na festa de Chaumus.
Paralelamente, certo mito grego conta que um dia o Deus Diónisos passou por esta terra, durante a sua jornada às Índias, acompanhado pela Sua Corte de Bacantes e Silenos, e aí fundou uma povoação, que em breve se tornou conhecida entre os vizinhos e viajantes pelas suas festas e orgias. Conta-se também que pela mesma terra passaram as tropas de Alexandre Magno, daí que haja muitos gregos convencidos do seu parentesco com este povo; todavia, os estudos científicos e linguísticos indicam que a nação Kalash está etnicamente mais próxima dos Hindus e doutros povos da região do que dos Gregos, visto que a sua língua pertence ao ramo indo-irânico, mais concretamente ao grupo dárdico da família indo-europeia.
Historicamente, sabe-se que os muçulmanos sempre lhes chamaram Kafiri («infiéis»), desde que as tropas de Mafoma chegaram a Tsyam na sequência da campanha islâmica de conquista territorial, iniciada no século VII. E, ao longo de mais de um milénio, estes Kafires mostraram-se indómitos, resistindo, no seu altivo bastião, às sucessivas vagas islamistas, incluindo os Turcos do sultão Mahmud, conquistador das Índias, e incluindo também a cavalaria de dez mil homens liderada por Tamerlão, famoso descendente do mongol Gengis Khan.
Todavia, alguns destes Kafires tiveram de abandonar a sua terra, Tsyam (que se localizaria eventualmente no actual Afeganistão) e moveram-se para norte, refugiando-se nos agrestes e montanhosos vales do noroeste paquistanês, o gélido e escarpado Hindu Kush, onde vivem agora.
Quanto aos Kafires que ficaram no Afeganistão, foram massacrados em 1896 por Amir Kabul Adbur Rahmanm, aparentemente com o apoio tácito da coroa britânica. Este compassivo e tolerante muçulmano deu aos sobreviventes a escolha entre converterem-se ao Islão ou morrerem. Até o nome Kafiristan («Terra dos Kafires») foi alterado para Nuristan, ou seja, «A Terra da Luz», evocando a «Nur» («Luz» em Árabe) do Alcorão. No Paquistão, entretanto, mantem-se até hoje o cerco islâmico aos Kalash, daí que muitos destes tenham já sido convertidos ao Islão, por vezes à força, quer dar intimidação armada, quer do rapto de mulheres kalash, lendárias pela sua beleza e alvura de pele.
Até meados do século XX,
os Kalash usufruíram de alguma tranquilidade, talvez devido ao domínio britânico, mas com o domínio islâmico da zona do Paquistão (como se sabe, este país foi criado artificialmente no século XX para servir de pátria aos muçulmanos), a vida dos Kalash começou a piorar. Nos anos cinquenta houve várias conversões forçadas, a pretexto de uma alegada imoralidade kalash e, actualmente, há grupos de muçulmanos que atacam regularmente quem pratica os rituais kalash, chegando ao ponto de destruir os seus ídolos. É verdade que o governo de Pervez Musharraf, de tendência laicista, parece querer preservar as minorias, e recentemente até se criou um grupo cultural de apoio à etnia Kalash; todavia, o cerco islâmico aperta-se e as conversões sucedem-se, a ponto de, actualmente, o povo estar dividido em dois grupos numericamente iguais (três mil para cada lado), um genuinamente kalash, outro já convertido ao Islão. A alta taxa de nascimentos tem compensado bem esta conquista islâmica, além de que a melhoria das condições sanitárias também tem ajudado a que os indivíduos deste povo vivam mais tempo, além de que acontece frequentemente haver conversos ao Islão que, secretamente, retornam à sua religião pagã, ancestral.
Isto porque continua a haver, entre os Kalash, quem tenha uma visão lúcida e integral da sua identidade, composta de raça, língua, folclore e, também, religião.