Estoirou em Lisboa uma polémica de origem e carácter um pouco idiotas, mesmo ao estilo americano.
Um dos patrocinadores do Euro2004, a MacDonalds, teve a ideia de pagar uma iniciativa que permitiria a cinco crianças pobres - isto é, cujos pais não lhes possam pagar uma entrada num estádio de futebol - entrarem no relvado pela mão de alguns jogadores portugueses.
Só que uma das especificações da MacDonalds era a de que nenhuma dessas crianças poderia ter qualquer deficiência física ou mental, uma vez que isso exigiria a intervenção de um profissional especialmente habilitado para tratar de crianças deficientes.
A Câmara de Lisboa aceitou a proposta.
Acto contínuo, a oposição aproveitou para se atirar ao ar, indignada, e rádios como a tsf lançam lenha para a fogueira, não parando de falar no assunto.
Entretanto, também apareceu alguém a dizer que, se isto continuar assim, qualquer dia «também só querem crianças loiras e de olhos azuis, e isso é um apuramento da raça muito perigoso!». Pois, há sempre o anti-racismo histérico e cretino.
Ora, este caso foi tão somente uma situação de colisão entre o modo americano de fazer as coisas e o modo português de ser.
Os americanos têm essa mania por vezes ridícula de especificar tudo até ao pormenor, mesmo que tal não seja necessário ou que dependa do mais elementar bom senso, como se estivessem a falar para atrasados mentais - é evidente que nenhum professor português se lembrava de pôr lá uma criança deficiente, nem é por uma questão de discriminação, mas sim porque isso daria mais trabalho, ou, melhor dizendo, pura e simplesmente não lhe passava pela cabeça, pronto. Talvez na América, onde o radicalismo militante se sobrepõe muitas vezes ao bom senso, houvesse um professor politicamente correcto que tivesse a ideia de escolher uma ou mais crianças com deficiências, custasse o que custasse, mas não em Portugal.
Só que o MacDonalds pô-lo por escrito, o que faz as coisas mudarem de figura e de sabor.
E porquê?
Porque há verdades que não precisam de ser ditas e que não devem mesmo ser proferidas: todos as sabem e aceitam tacitamente. Se, por exemplo, determinado indivíduo, no seio de uma empresa, não revela ter grande jeito para ser o líder, ninguém se indignará se ele nunca for escolhido - se calhar, nem ele próprio expresserá o seu descontentamento. Agora, se alguém resolver escrever na parede, ou colocar um memorando em todas as áreas da fábrica, a dizer «indivíduo x não pode vir a liderar a empresa», então aí a situação torna-se humilhante para o referido sujeito, o qual, muito naturalmente, reagirá com desagrado.
Faz lembrar a diferença entre os E.U.A. e o Brasil no que respeita à questão racial...
Os norte-americanos, tinham leis raciais bem determinadas, e discriminação frontalmente legislada, com os negros a terem de viajar sempre nos bancos de trás dos autocarros, etc.. Resultado: Os brancos de Esquerda liberal, e não só, revoltaram-se, levaram os próprios negros à revolta, e, hoje, até já se chegou ao ponto de impôr a chamada «discriminação positiva», que consiste em favorecer negros na admissão em empregos do Estado.
Os brasileiros, por seu lado, nunca tiveram leis discriminatórias dos negros, e houve até uma grande mistura racial... no entanto, um número significativo de brancos manteve-se à margem da miscigenação, voluntariamente, naturalmente, sem necessidade de leis e de proclamações. Resultado: os negros continuam no fundo da sociedade brasileira, e, mesmo nas telenovelas, é raro ver-se um actor negro a desempenhar um papel importante - normalmente, quando aparecem, são sempre criados ou assim.
Recordo-me de ter lido que, segundo Hitler, o Protestantismo era um produto da mentalidade germânica, enquanto o Catolicismo era mais típico dos latinos - para os Latinos, tudo é assim mais ou menos, é o que é, mas, se for preciso, também é o seu contrário, as coisas ajeitam-se em acordo tácito e, por isso, foi possível conciliar o intolerante Cristianismo com as práticas pagãs, e é por isso que o culto dos santos mais não é do que uma adaptação do politeísmo pré-cristão; mas, para os Germânicos, as coisas ou são ou não são, não há meios termos, e, se são, são frontalmente assumidas sem deixar margem para dúvidas ou quaisquer espécie de névoas, e foi por isso que os protestantes, homens do norte, romperam com o Catolicismo e seus imensos laivos de paganismo, e é por isso que no Protestantismo não há culto a santos e se procura, desde Lutero, estar o mais próximo possível dos primitivos cristãos, isto é, dos mais puros seguidores de Jesus.
Também é curioso evocar uma opinião de certo historiador celtólogo que, num documentário exibido pelo canal de História, fez notar que, para os Celtas, havia sempre o positivo, o negativo e o neutro (bem como o «talvez»), enquanto que, para os Saxões (isto é, Germânicos) só havia ou positivo ou negativo, sem meios termos. E, coincidência ou não, o que é facto é que os Celtas são do mesmo ramo que os Latinos, enquanto os Germanos pertencem, desde há muito, a outro ramo da família indo-europeia.