"O terror é a linguagem do século XXI"
%Paulo Moura
Durante dois dias, corremos os antros mais obscuros do islamismo radical londrino à procura do líder espiritual da jihad britânica. Até que recebemos um telefonema. "Daqui fala Omar Bakri Mohammed. Disseram-me que me quer ver. Pode vir a minha casa esta tarde".
É uma vivenda incaracterística num subúrbio do Norte de Londres, Edmonton. "Sheik Omar" recebe-nos numa salinha ocupada com livros em árabe e um computador.
Dizem que é dirigente da Al-Qaeda. Ele não confirma nem desmente. Diz que pertence à "mesma escola de pensamento" e apoia as acções do grupo de Bin Laden, mas que está impedido pelo "texto divino" de cometer atentados no Reino Unido. "Quando alguém se filia na Al-Qaeda é para morrer", explica.
Um dos principais líderes do chamado "Londonistão", o quartel-general teórico do islamismo radical, Omar Bakri é o fundador do "Al-Moujahiroun", uma espécie de "braço político" da Al-Qaeda no Ocidente.
Nasceu na Síria, tem 44 anos e sete filhos, usa longas barbas e túnica branca, é fanático pela internet e as "chat rooms" e dá frequentemente que falar por causa das suas "fatwas" com condenações à morte e tiradas provocatórias como "ainda hei-de ver a bandeira do Islão sobre o número 10 de Downing Street".
Antes dos atentados de 11 de Setembro, pregava livremente nas principais mesquitas de Londres, como a de Regents Park. Agora está limitado aos "púlpitos" radicais como Finnsbury Park e Tottenham.
É juiz da Sharia, tem o seu próprio tribunal, em Londres, à revelia da lei britânica, que despreza por ser "feita pelo Homem". No entanto, garante que não a viola. Foi preso 16 vezes e outras tantas libertado. Só pede às autoridades que sejam coerentes com as suas próprias "leis imperfeitas: "Deixem Omar Bakri beneficiar da democracia".
PÚBLICA - Tem a casa cheia de livros. São todos sobre o Islão?
Omar Bakri Mohammed - Sim, todos os meus seis mil livros. Excepto aquele ("British Law"), que me foi oferecido.
P. Leu-o?
R. Por alto.
P.Que tal?
R. Pura e simplesmente patético.
P. Porquê?
R. Não tem consistência. Há 100 anos, um homem passear com uma mulher era uma vergonha. A homossexualidade era uma vergonha. Hoje, é uma vergonha não ter namorada, homossexuais tornam-se primeiros-ministros.
P. Não é normal as leis mudarem de acordo com as mudanças na realidade?
R. A realidade não muda. As pessoas costumavam deslocar-se de camelo, agora vão de carro. Mas o condutor do camelo ou do carro são a mesma pessoa. Cultura e civilização não são o mesmo que progresso material. Este, a Humanidade deve partilhá-lo. Aqueles têm a ver com uma perspectiva sobre a vida. A minha é simples. Deus diz: Pensam que vos criei para nada? Eu criei-vos com um propósito. Para se submeterem. Para obedecerem ao meu comando. Se o fizerem têm garantido o paraíso. Se não, espera-vos o fogo do Inferno. É simples.
P. Os valores culturais são imutáveis?
R. Sim. O adultério, a fornicação, a homossexualidade, o jogo, a usura, o roubo, o assassínio, a mentira eram errados no tempo de Abraão e Maomé e continuam a sê-lo. Mas o Ocidente inventou palavras bonitas para se referir a estes crimes. Em vez de fornicação e adultério diz "affair". Em vez de mentira diz "edição", no caso dos jornalistas.
P. Como se pode viver na Grã-bretanha e não aceitar as leis britânicas?
R. Eu não aceito nenhuma lei feita pelo homem. Todos os muçulmanos estão proibidos de obedecer a leis feitas pelo homem. São imperfeitas, têm falhas, ninguém se entende. Votam, seguem a opinião da maioria, mas muitas vezes as várias minorias todas juntas são mais do que a maioria. Fazem referendos, manobras, compromissos, confusão. Quem segue a lei divina nunca tem confusão.
P. Não são os compromissos as formas menos injustas de governar? A democracia é mesmo isso.
R. A democracia, o capitalismo, o socialismo, o comunismo são sistemas criados pelo Homem, e como tal imperfeitos. Só Alá pode criar. Se Tony Blair disser: eu criei a Lua, o que me diz dele? É doente mental. Isso está para além das suas possibilidades. Não podemos reconhecer aos homens os atributos de Deus. Alá é o único legislador. Eu só reconheço a lei divina. Quem reconhece a alguém atributos divinos é apóstata. Deve ser excluído da comunidade islâmica.
P. Até a lei divina é susceptível de interpretações.
R. Não. Nós, os salafitas, não admitimos interpretações. Seguimos o texto divino segundo a compreensão que dele tiveram os melhores homens que pisaram a Terra.
P. Quem são?
R . Maomé e os seus companheiros e família, exclusivamente. Mais ninguém depois deles. Não há lugar para interpretações, nem escolas de pensamento. A única actividade da nossa competência é aplicar essa lei divina a cada situação concreta.
P. E quem o pode fazer?
R. Os estudiosos do texto divino. Não os especialistas de Cambridge em Medicina, Engenharia ou Economia, ou seja o que for, por maior respeito que eu tenha por eles.
P. A separação da política e da religião é mais uma imperfeita invenção humana...
R. Exactamente. Pois se a religião é a vida e a política também... E se nós vivemos nesta vida... Como se pode separar? Nós não somos hipócritas. As leis da democracia e da liberdade são as leis da hipocrisia.
P. Mas são essas leis que lhe permitem viver neste país...
R. Eu não as violo.
P. Como é isso possível? Não há um conflito?
R. Por exemplo, eu não fornico, porque a minha lei o proíbe. Mas a lei britânica não obriga a fornicar. Portanto estou a agir no respeito pelas duas leis.
P. Essa questão está resolvida, não há conflito.
R. Noutras situações não é tão simples. O Islão proíbe o juro e a hipoteca. Logo, eu não posso comprar uma casa. Vivo nesta que é alugada à Câmara. Não permite fazer seguros...
P. Porquê?
R. Porque é um contrato entre três partes. Segundo a lei divina, só pode haver duas. Portanto não tenho seguro no meu carro. A Polícia manda-me parar e multa-me, porque o seguro é obrigatório. Pois bem, não ando mais de carro. Meu Deus, por Ti, sofro, vou de comboio.
P. É possível viver evitando o conflito.
R. O conflito só surge quando a lei feita pelo homem, que é demoníaca, quer disfarçar as suas imperfeições e declara, por exemplo, que vivemos numa sociedade multicultural. Nós respondemos: a ideia é boa, mas é uma mentira. A verdade é que a cultura ocidental é dominante sobre qualquer outra. É obrigatório levar as crianças à escola. E lá, o que ensinam aos meus filhos contradiz as minhas crenças, a minha cultura. O meu bisavô foi morto por Ricardo Coração de Leão, que é apresentado como um herói, que combateu Saladino, que é um herói na minha cultura. O darwinismo: eu acredito que o Homem foi criado por Deus...
P. O multiculturalismo é uma mentira?
R. É, e eu não levo os meus filhos à escola. Disse: "Têm de mudar a lei". Porque as leis imperfeitas feitas pelo Homem podem ser mudadas. Responderam: "Ensino alternativo". É o compromisso. Eles acham que tudo se faz com compromissos. Criámos a nossa própria escola, pagamos a professores. Mas então eles ripostaram: "Mesmo nas escolas islâmicas, têm de adoptar o curriculum nacional". Está a ver? É impossível viver com as leis feitas pelo homem.
P. É por isso que diz querer colocar a bandeira do Islão no número 10 de Downing Street...
R. Sim, é o meu sonho. Acredito que um dia isso vai acontecer. Porque este é o meu país, eu gosto de viver aqui.
P. É um sonho ou um projecto?
R. Deus disse: "Não vivas entre os descrentes, a menos que apeles para que se convertam. Se não o fizeres serás amaldiçoado".
P. Uma conversão por meios pacíficos e legais?
R. O profeta Maomé disse: "Deus mandou-me para lutar contra as pessoas. A menos que digam que não há nenhum Deus além de Alá e que Maomé é o seu profeta. Que rezem, jejuem e obedeçam ao comando. Ou então que estabeleçam um pacto de segurança com os crentes".
P. Maomé mandou fazer conversões à força?
R. Eu explico: o pacto de segurança é muito importante no Islão. Significa que qualquer muçulmano a viver legalmente neste país está proibido de combater seja quem for, indivíduos ou governo. Só o podem fazer de forma legal.
P. Os muçulmanos podem ter actividade política no regime feito pelo Homem?
R. Podem e devem. O Profeta teve actividade política em Meca. Nós não podemos votar. Mas podemos participar em manifestações. Maomé organizou uma manifestação. Todas as nossas acções têm de estar previstas no texto divino. Podemos organizar conferências, petições...
P. Peditórios para os mujahidin...
R. Esse é o problema. Se recolhemos fundos, dizem que é para financiar o terrorismo.
P. E não é?
R. Se damos dinheiro a mulheres e crianças necessitadas, dizem que são as famílias dos terroristas. Mas de onde vêm os terroristas? Do Zimbabué? Não. São gente daqui. E são nossos irmãos também, os terroristas. Os britânicos também são terroristas, no Iraque. Eu não me surpreendi nada quando as pessoas queimaram aqueles carros e arrastaram os corpos... pois se tinham feito o mesmo aos irmãos deles! O terrorismo é a lei do século XXI. É legítimo.
P. Quer dizer que um muçulmano da Grã-Bretanha não pode fazer um atentado terrorista aqui. Mas se for para o estrangeiro...
R. Isso é outra história.
P. Os atentados de 11 de Setembro foram legítimos?
R. Claro que sim. A América atacou o Afeganistão, a Somália, o Sudão, o Iraque, apoia regimes ditatoriais nos países árabes, estacionou tropas em território muçulmano. Há o direito de retaliar. Al-Qaeda atacou a América. É a acção e a reacção. Vocês são terroristas, nós somos terroristas. O terrorismo é a forma de agir do século XXI.
P. Mas o que pode justificar matar deliberadamente milhares de civis inocentes?
R. Nós não fazemos a distinção entre civis e não civis, inocentes e não inocentes. Apenas entre muçulmanos e descrentes. E a vida de um descrente não tem qualquer valor. Não tem santidade.
P. Mas havia muçulmanos entre as vítimas.
R. Isso está previsto. Segundo o Islão, os muçulmanos que morrerem num ataque serão aceites imediatamente no paraíso como mártires. Quanto aos outros, o problema é deles. Deus mandou-lhes mensagens, os muçulmanos levaram-lhes mensagens, eles não acreditaram. Deus disse: "Quando os descrentes estão vivos, guia-os, persuade-os, faz o teu melhor. Mas quando morrem, não tenhas pena deles, nem que seja o teu pai ou mãe, porque o fogo do Inferno é o único lugar para eles".
P. Deus quer que se mate todos os não-muçulmanos?
R. Não. Devemos respeitar aqueles com quem temos pacto de segurança. Sheik Bin Laden não tem nenhum pacto de segurança com os americanos.
P. Para si não há diferença entre atacar um objectivo militar provocando algumas baixas civis ou fazer das populações o próprio alvo.
R. Há uma diferença: nós não somos hipócritas. Não dizemos: "Desculpem, foi engano". Dizemos: "Vocês mereceram". Assumimos que o objectivo é matar o maior número de pessoas, para provocar o terror. Para que no Ocidente pensem: "Olhem o que nos aconteceu!" E saibam que cada vez que os seus governos enviam belos helicópteros Apache e aviões F-16 é também para matar mulheres e crianças. Quantas pessoas morreram no Afeganistão? Fizeram "carpet bombing" dia e noite. Nunca foi dado um número. Mais de 160 mil? Quem eram essas pessoas? Em Madrid foram 196 ou 197? Conta-se um a um.
P. O terror é a única forma de consciencializar as pessoas?
R. O terror é a linguagem do século XXI. Se quero alguma coisa, aterrorizo-te, para o conseguir. Apoiar George Bush é uma forma de terrorismo. Apoiar a Al-Qaeda também. Toda a gente está envolvida, acredite. Todo o muçulmano é terrorista, mas todo o não-muçulmano também. Há épocas em que isto é necessário. É o "tempo dos assassinos", está previsto no texto divino.
P. O Corão diz isso?
R. Sim. As pessoas não percebem, porque a televisão e os jornais só entrevistam os seculares. Não falam com quem sabe. Os seculares dizem que "o Islão é a religião do amor". É verdade. Mas o Islão também é a religião da guerra. Da paz, mas também do terrorismo. Maomé disse: "eu sou o profeta da misericórdia". Mas também disse: "Eu sou o profeta do massacre". A palavra "terrorismo" não é nova entre os muçulmanos. Maomé disse mais: "Eu sou o profeta que ri quando mata o seu inimigo". Não é portanto apenas uma questão de matar. É rir quando se está a matar.
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P. Isso quer dizer que o terrorismo é natural e legítimo?
R. Só é legítimo o terrorismo divino.
P. Como se sabe quando o terrorismo é divino?
R. Deus disse: "Olho por olho. Combate aqueles que te combatem a ti. Contra quem atentar contra a tua vida, a tua família, a tua propriedade, deves usar a violência". Por exemplo, você está em minha casa, mas não viu a minha mulher. O Corão diz: "Se alguém espreitar para o quarto onde estás com a tua mulher, fura-lhe os olhos com uma faca".
P. Mas neste caso quem espreita quem? Os EUA ao Iraque? Quem tem o direito de matar quem?
R. No Islão, não há uma entidade chamada Iraque, ou EUA...
P. Claro, isso são situações criadas pelo Homem...
R. Exacto. Só há dois tipos de pessoas: muçulmanos e infiéis. Se se ataca os muçulmanos em qualquer lugar, é como se se atacasse todos. Há o direito de retaliar, mas não quando se está sob um pacto de segurança. Nesse caso, apenas podemos apoiar as acções verbalmente, mas não fazer nenhuma aqui. É isto que as pessoas não percebem. Um muçulmano nunca pode envolver-se num ataque terrorista no país onde vive legalmente.
P. Mas Mohammed Atta e outros terroristas do 11 de Setembro estavam na Alemanha e nos EUA...
R. Viviam na Alemanha, com quem tinham pacto de segurança. Depois viajaram para os EUA com passaportes falsos. Só posteriormente assumiram as suas identidades verdadeiras, porque iam morrer como mártires e queriam que os seus nomes fossem conhecidos. Mas não estavam nos EUA legalmente, por isso não estavam obrigados ao pacto de segurança.
P. Nessas condições, é permitido a um muçulmano fazer tudo.
R. Claro. Se não estiver sob pacto de segurança, não tem de respeitar a propriedade, nem a vida nem a autoridade no país onde estiver. A propriedade e a vida de um descrente não têm santidade, não valem nada. A menos que ele se converta ao Islão, ou que estabeleça comigo um pacto de segurança. Um homem nasce com dinheiro ou nasce nu? Deus criou-nos nus. Os bens pertencem a Deus, a terra pertence a Deus, nós pertencemos a Deus. Como se atreve alguém a ter a riqueza de Deus nas suas mãos, não obedecendo a Deus nem tendo um pacto com os que obedecem?
P. O senhor está legal na Grã-Bretanha portanto não está nem poderá estar envolvido na preparação de nenhum atentado terrorista aqui.
R. Impossível. Estou sob pacto de segurança.
P. É verdade que dos oito detidos sob suspeita de organizarem um atentado em Londres, sete eram seus alunos?
R. É verdade. Mas lembro-me que eles nunca concordaram com o respeito pelo pacto de segurança. São "free-lancers", não pertencem à Al-Qaeda. Outros dois alunos meus também abandonaram um dia as aulas e foram-se fazer explodir na Palestina, sem me avisarem. Fiquei muito zangado.
P. O que é que o senhor ensina aos seus alunos?
R. Como rezar, como jejuar...
P. Acha que vai ocorrer algum grande atentado em Londres?
R. É inevitável. Porque estão a ser preparados vários, por vários grupos. O que eu de certa forma lamento, porque a primeira coisa que o Governo vai fazer a seguir é deportar-me, a mim e à minha família.
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P. O senhor pertence à Al- Qaeda?
R. A Al-Qaeda é um grupo de eruditos. Eu sou um erudito (na medida em que se pode dizer isto, uma vez que nunca somos eruditos, mas apenas estudiosos) e pertenço à mesma escola de pensamento.
P. Mas diz-se que o senhor pertence mesmo à estrutura da Al-Qaeda.
R. É uma honra. Não me associam a dançarinas do ventre nem a homossexuais, mas às melhores pessoas que jamais existiram na Terra (depois do profeta e seus companheiros): os membros da Al-Qaeda.
P. Admira-os assim tanto?!
R. A Al-Qaeda é uma lenda. Fizeram uma acção tão grandiosa! Nunca ninguém sonhara que se pudesse ousar aquilo, lançar aviões contra dois arranha-céus... Sabe, a Al-Qaeda não é um grupo a que se possa aderir.
P. Mas têm células na Europa...
R. Têm células com uma missão. E são sempre missões suicidas. Por isso, quando se descobre uma célula, ela já não existe. Quando nos filiamos na Al-Qaeda é para morrer, não para viver.
P. Explique-me como funciona isso. Quando alguém quer fazer um atentado contacta com a Al-Qaeda?
R. Não. As pessoas são recrutadas. Ficam em células adormecidas, comportando-se normalmente e não dando nas vistas à espera de uma missão. Que é a primeira e última. É por isso que é impossível a Polícia infiltrar-se na organização.
P. Mas as células têm de contactar a organização, para preparar os atentados, receber dinheiro...
R. Cada célula tem um imam e mais duas ou três pessoas, e um orçamento. A partir daí, na altura própria, agem sozinhas, nunca contactam ninguém.
P. Quantos elementos tem a Al-Qaeda?
R. Uns onze mil. Estão juntos, espalham-se pelo mundo e voltam a juntar-se. Mas estão a recrutar.
P. Onde? Nas mesquitas radicais, como as de Londres?
R. Se não recrutassem, acabariam por desaparecer, porque o seu destino é a morte. O próprio Bin Laden e os seus companheiros, está na altura de morrerem.
P. O Bin Laden vai suicidar-se?
R. Acho que deve. São um grupo que se juntou para lutar e morrer. Têm de ser coerentes. Acho que vão suicidar-se numa operação.
P. Se Bin Laden morrer a Al-Qaeda continua?
R. Claro. Eles eram um grupo mas agora tornaram-se num fenómeno. O 11 de Setembro fez os muçulmanos compreenderem que têm poder, que o renascimento do Islão é irreversível. Começou um novo capítulo da História. Por isso nós, os salafistas-jihadistas, iniciámos desde essa data um novo calendário. Estamos agora no ano três da era da Al-Qaeda.
P. Que espécie de fenómeno se tornou a Al-Qaeda?
R. Há muitos jovens que sonham entrar na Al-Qaeda, mas, pior do que isso, há muitos grupos "free-lancers" dispostos a lançar operações iguais às da Al-Qaeda. O atentado de Madrid foi cometido por um desses grupos.
P. A Al-Qaeda não teve nada a ver com Madrid?
R. Talvez tenha tido, mas a operação saiu do seu controlo. Alguns dos operacionais estavam sob pacto de segurança em Espanha, outros serviram no Exército marroquino, que é apóstata e que os tornaria imediatamenmte apóstatas também.
P. Há muitos desses grupos "free-lance" na Europa?
R. Cada vez mais. O que é perigoso, porque nem todos têm a preparação teórica adequada. Aqui em Londres há um grupo muito bem organizado, que se auto-intitula Al-Qaeda-Europa. Divulgam, pela internet e email, muito material de propaganda e têm um apelo muito grande sobre os jovens muçulmanos. Sei que estão prestes a lançar uma grande operação.
P. Qual é a sua relação com eles?
R. Não aprovo o que fazem. Entregam-se a actividades ilegais, como o tráfico e a falsificação de cartões de crédito e de passaportes, para se financiarem. Isso é proibido pelo Islão, a muçulmanos que vivem sob pacto de segurança. Não podemos viver legalmente num país, beneficiando de segurança social, de protecção policial, etc., e roubar o nosso vizinho. Uma vez, lançaram um comunicado intitulado "Quem é Omar Bakri?" em que insinuavam que eu era agente da CIA.
P.Como sabemos que um atentado é realmente da Al-Qaeda?
R. É fácil. Em primeiro lugar são sempre operações em grande escala. O texto divino é claro quanto à necessidade de provocar "o máximo dano possível". O operacional tem portanto de certificar-se de que mata o maior número de pessoas que pode matar. Se não o fizer, espera-o o fogo do Inferno. Em segundo lugar, a Al-Qaeda deixa sempre uma impressão digital: uma pista, como um carro com um Corão ou uma cassete, para ser encontrado pela Polícia. Terceiro, os ataques são feitos em dois ou três lugares ao mesmo tempo. Finalmente, a linguagem. Nos comunicados, basta ler uma frase para se reconhecer o seu rigor teórico: não há nenhum sinal de nacionalismo, não se dizem árabes, nem palestinianos, apenas muçulmanos. Falam sempre do martírio, da morte.
P. O que pretende a Al-Qaeda?
R. O terror. Estão empenhados numa jihad defensiva, contra os que atacaram o Islão. E a longo prazo querem restabelecer o estado islâmico, o califado. E converter o mundo inteiro.
P. A Al-Qaeda quer conquistar o mundo?
R. Não, eles como grupo não o podem fazer. Os EUA lançaram uma guerra contra os muçulmanos, que é uma entidade que não existe, como estado. De certa forma, lançaram uma guerra contra o futuro califado. A Al-Qaeda está apenas a defender-se.
P. Os EUA podem negociar com a Al-Qaeda?
R. A Al-Qaeda é por natureza uma entidade invisível, não é um Estado, por isso não pode dialogar com um Estado. O seu projecto é derrubar os governos corruptos dos países muçulmanos, substitui-los por governos islâmicos e reconstituir o califado. Nessa altura, como Estado, poderão negociar com os EUA, de igual para igual. Primeiro, tentarão um pacto de segurança com eles. Dirão: nós fornecemos o petróleo e viveremos em paz, mas na condição de podermos divulgar livremente o Islão no Ocidente. Se os americanos não permitirem isto, então o califado terá de lhes declarar guerra.
P. Os muçulmanos em todo o mundo estão motivados para a construção do califado?
R. Em 1924, foi destruído o último califado, com o império Otomano. Desde então, vivemos no vácuo político. Houve tentativas de restabelecer o estado islâmico na Turquia, na Síria, na Tchetchénia, no Afeganistão. O projecto existe. Com o 11 de Setembro, a Al-Qaeda convenceu os muçulmanos de que tem o poder para o pôr em prática.
P. Os muçulmanos que vivem aqui não estão mais interessados em integrar-se nas sociedades ocidentais?
R. A primeira geração veio, nos anos 40, por razões económicas. Aqui, chamavam-lhes "paquis", tratavam-nos mal, mas eles só queriam comida e um tecto para dormir. A segunda geração, entre os anos 60 e 80, integrou-se. Chamavam-se "Bobby" e gostavam de Madonna e Michael Jackson. A terceira geração, que é a minha, veio a partir dos anos 80 por razões políticas. Porque sofremos a discriminação nos países árabes, por causa das leis feitas pelo homem, produto do Ocidente. O profeta disse: vai aos teus próprios senhores, a Roma e a Bizâncio, para os converteres. Começámos por devolver a auto-estima aos muçulmanos que aqui vivem.
P. Eles afinal não se integraram na cultura ocidental?
R. Eles sim. Sentiam-se integrados. Mas o problema é que o Ocidente é por natureza racista. Nunca os aceitou como iguais. São sempre os "paquis", os "coconuts". Eles sentiram-se traídos. Nós viemos dizer-lhes que são membros de uma grande nação, e que a sua cultura não é esta. Há 50 milhões de muçulmanos no Ocidente. O passo seguinte é converter os ocidentais.
P. Não receia que os ataques terroristas façam os ocidentais odiar o Islão?
R. Nunca houve tantas conversões como depois do 11 de Setembro.
P. Se puder divulgar o Islão, não tem dúvidas de que os ocidentais se vão converter.
R. Nenhumas. Porque o Ocidente não tem respostas para o sentido da vida, ou da morte, que é o grande desafio da vida. A cultura ocidental reduziu-se ao entretenimento. Sex, drugs and Rock and Roll. Não se pode falar da morte. Há algum tempo, um programa de televisão chamou-me o Ayatolla de Tottenham e insultou-me. Eu exigi uma série de sete debates no mesmo programa e eles acederam. Estive em directo com Robert Fisk e vários intelectuais ocidentais. Não precisei de citar um único verso do Corão. Falámos sobre a pobreza, os problemas do mundo, o significado da vida. Choveram telefonemas de apoio, de muitas pessoas pedindo para se converterem. Antes do 11 de Setembro, eu corria todas as universidades deste país, fazendo palestras. De todas as vezes havia convertidos ao Islão, loiros de olhos azuis.
P. Antes do 11 de Setembro deixavam-no fazer isso livremente?
R. Não era fácil. Fui preso 16 vezes. E 16 vezes libertado, porque não tinham nada contra mim. São as contradições das leis feitas pelo Homem. Se acreditam na democracia, de quem têm medo? Deixem Omar Bakri beneficiar da democracia!
P. Nunca conseguiram provar nada contra si?
R. Eu nunca violo nenhuma lei. Em 1990, quando John Major foi a Washington declarar que apoiaria os americanos na guerra contra o Iraque, eu lancei uma fatwa contra o primeiro-ministro. Disse, ponto um, que qualquer muçulmano tinha obrigação de o matar; ponto dois... A Polícia não leu o ponto dois e prendeu-me nesse mesmo dia. O ponto dois dizia: ...qualquer muçulmano excepto os que vivem legalmente na Grã-Bretanha e têm pacto de segurança com o país. Ou seja, nenhum muçulmano sob a minha jurisdição neste país poderia cometer o assassínio, de que eu nunca poderia portanto ser acusado de autoria moral. Libertaram-me.