A RESPEITO DA SOBREVIVÊNCIA DOS AFRICÂNERES EM KLEINFONTEIN, ÁFRICA DO SUL
Apartheid, regime de opressão da maioria negra na África do Sul, durou por quase meio século. Após a histórica luta de Nelson Mandela, ele acabou em 1994. Entretanto, na sua viagem ao povoado de africâneres perto de Pretória, Kleinfontein, a Sputnik Brasil evidenciou que os padrões de segregação racial parecem continuar a existir no país.
O povoado, que acolhe cerca de 1.500 bôeres, faz questão de preservar a sua herança cultural e a sua língua que, sendo um dos principais idiomas da África do Sul, está a ficar cada vez mais ausente dos cursos escolares e universitários.
Evidentemente, Kleinfontein é uma comunidade criada por africâneres e para africâneres. A respeito disso, não deixa de suscitar acusações de "racismo" nos veículos de comunicação, especialmente de orientação liberal. Porém, segundo nos conta Dannie de Beer, membro do Conselho de Administração do povoado, os princípios que gerem a admissão de novos membros à comunidade têm a ver meramente com factores culturais e valores compartilhados.
Quem pode viver em Kleinfontein?
Dannie afirma: sim, a Kleinfontein não chega qualquer um, inclusive por questões de segurança. O processo de venda e aluguer das vivendas é controlado pelo Conselho de Administração, e nessa etapa é crucial entender, em primeiro lugar, as ambições do candidato a residente.
"Se a sua primeira resposta for: 'Realmente odiamos os negros', diremos — desculpa, não é uma boa razão. Se a sua segunda resposta for: 'Parece barato…' Sim, ok, e que mais? 'Eu realmente identifico-me com os Africâneres, a língua africâner é importante para mim, a cultura africâner é importante para mim, gostaria de criar os meus filhos num ambiente seguro no meio de africâneres…' — estas são as respostas certas", explica o entrevistado.
Embora o processo de admissão à comunidade seja minucioso, a administração faz questão de a alargar o mais possível, aliás comprando as propriedades que aparecem à venda por perto e mantendo o preço de compra e aluguer em patamares bem baixos. Isto, na opinião dos habitantes de Kleinfontein, ajuda-os a preservar as suas terras e a protegerem-se das tentativas de expropriação e ataques de fora.
"Vendíamos um hectare de terra por 2.000 euros no início, apenas para fazer as pessoas ficarem aqui, especialmente os africâneres. A motivação era para apenas chegarem e ficarem aqui, pois quando se está numa propriedade as chances de alguém vir e invadi-la são menores", narra Dannie.
Contudo, durante a nossa excursão evidenciámos que os boatos assegurando que "um negro não entraria em Kleinfontein" não têm nada a ver com a realidade. Por exemplo, numa das ruas, trabalhadores negros estavam a descarregar um camião com produtos encomendados. Dannie conta: claro que para tais tarefas seria simplesmente "inconveniente" e irracional parar um veículo na entrada e "enchê-lo com africâneres". Por isso, aqui podem-se encontrar pessoas de várias raças e culturas, porém, normalmente estão de passagem.
'Roubo' de terras na África do Sul
Em Fevereiro do ano corrente, o parlamento sul-africano votou um projecto de lei que regulariza a expropriação das terras de fazendeiros brancos, sem concessão de qualquer tipo de compensação, apresentado por um partido de Extrema-Esquerda, EFF, e apoiado pelo partido no poder, o Congresso Nacional Africano.
Actualmente, a resolução final está a ser elaborada pelo Comité Constitucional do parlamento até Agosto e, caso seja aprovada pelo presidente do país, Cyril Ramaphosa, significará a introdução das respectivas emendas na Constituição.
Ao falar sobre a possível preocupação que os habitantes de Kleinfontein possam ter em relação à proposta dos deputados, Dannie assegura que é menor do que fora da sua comunidade.
"Acho que é maior fora de Kleinfontein. Porque estamos juntos. O irmão da minha namorada herdou uma propriedade rural no Estado Livre [província da África do Sul] com centenas de hectares. Se lhe quiserem tirar essas terras sem compensação, ele será um homem sozinho para lhes oferecer resistência por todos os meios, sejam físicos, sejam legais", argumenta.
"Mas nós somos uma comunidade de 1.500 pessoas, será com esse número de pessoas que eles terão de lutar para tirar-nos as nossas terras", continua Dannie com ar entusiasmado.
Assim, adianta um dos administradores da comunidade, a ameaça é "muito real", mas os políticos provavelmente "vão pensar duas vezes" antes de fazer algo parecido com Kleinfontein.
Projecto da 'Nova África do Sul' está falido?
No nosso breve passeio pelas ruas do povoado, Dannie apresenta-nos Dorothea Steenkamp, directora da escola local que está focada, em primeiro lugar, em desenvolver a aprendizagem do idioma africâner e preservar a identidade cultural de bôeres em Kleinfontein.
A escola acolhe mais de 40 crianças entre 4 e 15 anos de idade e desenvolve-se, particularmente, graças a doações dos próprios pais e de pagamentos filantrópicos por parte de pessoas jurídicas e físicas.
Ao reflectir sobre a condição do povo africâner na África do Sul contemporânea, Dannie tira a conclusão de que os seus conterrâneos não têm muitas opções em cima da mesa para poderem escolher.
"Temos sido afastados das escolas, das universidades, dos empregos… Um africâner tem apenas duas opções: imigrar ou concentrar-se [em localidades]", diz.
Uma das razões para isto é, pelos vistos, a escassa representação de africâneres nas instituições de poder na era pós-apartheid, como parte da assim chamada política de acção afirmativa: "Deixámos de ter um governo [que nos represente]. A língua, que é a minha língua materna, deixou de ser falada no parlamento. Não há lá ninguém que me represente. Sim, existe um pequeno partido político que é o chamado Frente da Liberdade que defende, digamos, quem é africânder verdadeiro. Mas eles nem têm 1% dos votos, não têm nenhum poder político, a única coisa que podem fazer é um manifesto e pronto", lamenta Dannie.
Julgando por aqueles obstáculos que os africâneres enfrentam hoje em dia em quase todas as esferas da vida, de repente surge a sensação de que as mesmas políticas da era do apartheid estão a ser aplicadas hoje em dia contra este Povo.
Para os apoiantes dessa atitude, a causa disso é evidente — isto é, compensar pelas feridas do passado — mas a outra questão é se na verdade é justo colocar toda a responsabilidade sobre um Povo inteiro pelas coisas que os seus antepassados cometeram.
"Se a pergunta for: 'Será que um africânder se sente realmente assim tão ameaçado aqui na África do Sul?', a resposta seria 'certamente' — pode-se ser assassinado na sua propriedade, é-se rejeitado em oportunidades de emprego simplesmente por se ser branco, a sua língua está ameaçada nas universidades, nas escolas. O governo não pagaria por uma escola africânder, fechá-la-ia", explica o nosso interlocutor.
Em consequência disso, Dannie tem a certeza: a visão do país promovida pelos combatentes da democracia e da unidade, liderados por Madiba, hoje em dia está completamente transtornada.
"Quando a época do apartheid terminou, a visão que Mandela tinha de uma África do Sul próspera e unida, onde todas as culturas coexistissem de modo pacífico… É um mito. É zero. Não aconteceu", desabafa. "O racismo ao contrário na África do Sul é inédito. Mas o foco em Kleinfontein é tentar alienar-se do assunto racial e ligar-se mais aos assuntos culturais", adianta o nosso interlocutor.
Além disso, falámos com Dannie sobre o porquê da ausência de apoio aos africâneres, que são descendentes de holandeses, por parte dos países europeus, em primeiro lugar da Holanda e da Bélgica, sendo que estas partilham a mesma herança cultural.
"Parcialmente, eles reagem […] Mas o mero facto de nós sermos uma nação homogénea e termos pele da mesma cor torna esse assunto racista", responde Dannie.
"[Contudo], eu acho que […] cada vez mais pessoas na Europa estão a ficar conscientes de que isto é de facto um genocídio cultural. De repente, os cidadãos holandeses começaram a dizer: 'São pessoas que fazem parte do nosso Povo, os africâneres são nossos descendentes…", acrescenta.
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Fonte: https://br.sputniknews.com/oriente_medio_africa/2018073111845479-africaneres-africa-do-sul-apartheid-brancos-fazendeiros-kleinfontein/
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