O QUE AFECTA DE FACTO A JUVENTUDE - E TODO O POVO, POVINHO, DO OCIDENTE

Forcei-me a deixar-me estar a gramar o programa «Prós e Contras» sobre a juventude diante da crise, na RTP 1 - apenas para ouvir as vulgaridades do costume. Mensagem final - o pessoal jovem tem de se aguentar à bronca, aliás, abrir-se ao mundo, porque isto agora é tudo de portas abertas e cada qual tem de estar pronto a emigrar se for preciso.

Ora é precisamente isso que tem de ser combatido. Está-se mais uma vez diante de uma situação de confusão e tensão sócio-económica em que demasiada gente se sente revoltada contra «isto tudo», e, não sabendo ou não querendo saber pôr o dedo na ferida, opta pela saída mais óbvia, mais fácil, mas também de mais curto alcance, que é a de culpar «os políticos». É por isso que está agendada para este mês uma magna manifestação que tem por objectivo exigir à classe política que faça não sei o quê ou se demita ou assim, e acima de tudo quer deixar lavrado o seu «protesto», leia-se «desabafo», contra a instabilidade laboral.

A elite, nos seus diversos graus hierárquicos, vai dizendo, com mais ou menos falinhas mansas, que isto tem mesmo de ser assim porque os tempos são outros e tal... e, ao fazê-lo, assume não raras vezes um ar entre o doutoral-técnico e o «realista», a dar como adquirido, e inquestionável, que as pessoas pura e simplesmente vão ter de prescindir da sociedade estável que tiveram até agora e prontificar-se a «adaptar-se» e, se for preciso, a ir trabalhar para um país estrangeiro.

Quer isto dizer que a elite impinge - ao povo e aos Povos - como «inevitável» a globalização e, indefectivelmente, as suas consequências e espera que toda a gente a aceite sem discussão ideológica, ou seja, que se sujeite à máquina tal como ela está a ser construída e acabou-se.

O tipo de discurso que promove esta «inevitabilidade» está representado um pouco por toda a parte, e cito, entre incontáveis exemplos, uma crónica de um advogado, José Luís Seixas, hoje publicada no jornal «Destak»: «Fico muito preocupado quando vejo um punhado de jovens reclamar estabilidade e segurança. São dois fenómenos que pertencem a um paradigma cultural que passou. Como a definição do mundo emparedado nas veredas estreitas da nossa "aldeia". Hoje, os horizontes são globais e sem limites.»

Ora isto é fazer a cama para atirar com os jovens - isto é, os mais maleáveis e dispostos a trabalhar... - para a roda viva da imigração em massa. E é exactamente contra isto que urge movimentar a revolta popular. Porque os jovens que protestam querem mesmo, mas mesmo, essa segurança e essa estabilidade que a elite acha que está fora de moda. E a elite acha isso porque lhe dá jeito transformar as populações em agregados de homens-máquina, peças da engrenagem, que podem ser facilmente deslocadas e postas onde fizerem mais falta à « grande máquina». O indivíduo tem pois de estar pronto a deixar para trás a sua vivência, as suas raizes, as suas relações até, porque a malta que manda acha que ele faz mais falta na Finlândia, em Hong Kong ou no Rio de Janeiro.

Ora a elite gosta imenso disto assim porque é feita de gente desenraizada, que gosta desta forma de vida «no limite», a fluir consoante as leis e aventuras dos capitais, que também não têm pátria. E um gajo destes hoje está a trabalhar em Lisboa, amanhã está em Faro ou então em Berlim, ou em Nova Iorque. Que excitante. O pessoal dos números e dos negócios adora isto. Mas o pessoal das letras, por exemplo, não. O pessoal das letras - e o resto do pessoal normal, inclusivamente a maior parte do pessoal dos números... - gosta de poder estar a ler o seu livro à vontade, ou a fazer a sua pesquisa tranquilamente, sem ter permanentemente a pairar-lhe sobre os cornos a eventualidade de amanhã já não ter o seu posto de trabalho ou de daí a um mês ter de ir viver para duzentos quilómetros daí.

Portanto, a resposta é simples, à partida: para começar, pode dizer-se que essa do «prepara-te para teres de ir viver em Viena de Áustria ou em Roma» é mas é o caralho, meus caros, falando mui vernaculamente. Até nem tenho nada contra Viena de Áustria ou contra Roma, muito pelo contrário, mas só estou totalmente em casa se estiver em Portugal, e não gosto de viver num país que não é o meu, ou que é mais doutros do que meu. E, por isso, exijo que no meu País a classe política se preocupe em garantir-me essa situação, lutando, se preciso for, para travar, contrabalançar, os «ventos de mudança», soprados por certos e determinados poderes instituídos.

E isso faz-se por meio do proteccionismo. Exactamente - exijo ter privilégios no meu país. Privilégios. Não, «o tempo dos privilégios» não passou. No meu País, tenho o sagrado direito de estar à frente de qualquer estrangeiro em qualquer fila de emprego. E quem vier comparar este privilégio com os privilégios que a aristocracia exigia no dealbar da Idade Contemporãnea, pois bem, faça-o, mas então tenha em mente o sangue que foi preciso verter nas terras da Europa para que os privilégios da nobreza fossem definitivamente negados. Isto com a agravante de que agora não é uma questão de estatuto social, ocasionalmente questionado desde tempos antigos, mas de posse da terra por Povos inteiros, o que só pode ser posto em cheque por meio da guerra - os indígenas, diante dos alógenos e dos desenraizados doutros países.

Portanto, quem quiser negar o privilégio do indígena depois não se queixe se a coisa der para o torto, nem adopte um ar chocado se as ruas forem lavadas por rubros rios.

Ao contrário do que a elite anda há muito a querer deixar estabelecido, um País não é uma empresa nem deve ser governado como tal. Isto aqui não é «do mais apto», é do indígena, apto ou não. Aliás, apto por apto, a longo prazo o mais apto não é o melhor tecnocrata ou o mais eficiente homem de negócios, mas sim quem tem a maior força das armas, como em tempos dizia Viriato.  

Não adianta pois bater «no Sócrates», no «Coelho» ou no Socrelho - não adianta, quero eu dizer, não chega. Nem adianta estar a bater em toda a classe política, querendo vexá-la enquanto tal. Porque a culpa maior não é da classe política, mas sim de quem controla a situação. E controla-a precisamente em virtude da fragilidade ideológica e social da classe política. Faz falta que mais gente se envolva na Política, precisamente para não permitir que certos poderes façam e aconteçam a seu bel-prazer. A figura do bom cidadão trabalhador que «não quer saber de Política» é de uma ingenuidade verdadeiramente atraso de vida. Porque se um cidadão não avança para actuar e decidir, outro o fará. O Poder tem sempre de existir, a cadeira do poder jamais ficará vazia. E, como diz o Povo, quem parte e reparte fica com a melhor parte.