SOBRE O RELATIVO INSUCESSO DOS PARTIDOS PEQUENOS NA «DEMOCRACIA» EM PORTUGAL
Nos últimos quatro anos foram inscritos seis novos partidos no Tribunal Constitucional, perfazendo uma média de 1,5 por cada ano, mas nenhum deles conseguiu eleger deputados à Assembleia da República (AR). O Juntos Pelo Povo (JPP) elegeu cinco deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira em 2015 e conquistou a presidência da Câmara Municipal de Santa Cruz em 2017, ao passo que o Nós, Cidadãos! (NC) assegurou a presidência da Câmara Municipal de Oliveira de Frades também em 2017. Mas ao nível de eleições legislativas, o último caso de sucesso data de 2015, quando o Pessoas-Animais-Natureza (PAN) conseguiu eleger um deputado pela primeira vez de sempre (cerca de quatro anos depois de ter sido fundado). Antes disso é preciso recuar até 1999, quando o recém-formado Bloco de Esquerda (BE) entrou na AR com dois deputados: Francisco Louçã e Luís Fazenda.
Desde 1999 já foram criados 12 novos partidos, ao que acrescem vários entretanto extintos, mais as tentativas falhadas de movimentos, iniciativas, plataformas. Muitos esbarram no crivo do Tribunal Constitucional (TC), ao qual têm que requerer a inscrição como partido político, com as assinaturas de “pelo menos, 7500 cidadãos eleitores”. De acordo com a Lei dos Partidos Políticos, “o requerimento de inscrição de um partido político é feito por escrito, acompanhado do projecto de estatutos, da declaração de princípios ou programa político e da denominação, sigla e símbolo do partido e inclui, em relação a todos os signatários, o nome completo, o número do bilhete de identidade e o número do cartão de eleitor”.
Em sentido oposto, também cabe ao TC, a requerimento do Ministério Público (MP), decretar a extinção de partidos políticos nos seguintes casos: qualificação como partido armado ou de tipo militar, militarizado ou paramilitar, ou como organização racista ou que perfilha a ideologia fascista; não apresentação de candidaturas durante um período de seis anos consecutivos a quaisquer eleições para a AR, Parlamento Europeu e autarquias locais; não comunicação de lista actualizada dos titulares dos órgãos nacionais por um período superior a seis anos; não apresentação de contas em três anos consecutivos ou cinco interpolados num período de 10 anos; impossibilidade de citar ou notificar, de forma reiterada, na pessoa de qualquer dos titulares dos seus órgãos nacionais, conforme a anotação constante do registo existente no TC”. Mais, “a decisão de extinção fixa, a requerimento do MP ou de qualquer membro, o destino dos bens que serão atribuídos ao Estado”. Só em 2015, por exemplo, o TC decretou a extinção de três partidos: Partido da Nova Democracia (PND), Partido Democrático do Atlântico (PDA) e Partido Humanista (PH).
Como é que se explica a elevada taxa de insucesso dos novos partidos? “O sistema político e partidário português caracteriza-se por uma estabilidade assinalável e por esse insucesso de novas formações políticas assumirem um papel de relevo na política nacional, nomeadamente o acesso a cargos electivos, seja ao nível nacional, seja ao nível local. Para isso muito contribui o papel anti-sistémico que o BE – desde a sua fundação – e o PCP desempenharam ao longo da história da democracia portuguesa, ou seja, o aparecimento de novas forças políticas esbarra no facto de estes partidos funcionarem como catalisadores do descontentamento dos eleitores face aos partidos do ‘arco da governação’. Por outro lado, este insucesso resulta da própria configuração do sistema eleitoral e da falta de espaço mediático que estes partidos encontram. Ou seja, embora proporcional, o sistema eleitoral é composto por círculos eleitorais que promovem ou beneficiam os maiores partidos na conversão de votos em mandatos. Além de que a comunicação social bloqueia de forma sistemática o acesso destes novos actores políticos à agenda mediática”, responde Bruno Ferreira Costa, professor de Ciência Política e Relações Internacionais na Universidade da Beira Interior.
“Um quarto factor para o insucesso destes novos partidos reside na própria estrutura dos mesmos e na ausência de temas cirúrgicos que possam granjear o apoio de parte do eleitorado. O relativo sucesso do PAN, com a eleição de um deputado nas eleições legislativas de 2015, reflecte essa necessidade de centrar a acção dos partidos recentes em áreas-chave, em detrimento de uma apresentação imediata de um programa de governo global”, acrescenta Ferreira Costa.
Por sua vez, António Costa Pinto, politólogo e investigador coordenador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, salienta que “em muitas democracias, as leis eleitorais foram desenhadas para evitar muitos partidos, ou seja, um sistema partidário fragmentado, mas não foi o caso português. No nosso caso, com 3% ou 4% e voto concentrado chega-se ao Parlamento. Temos cinco partidos médios e grandes. À Esquerda, a diversidade impera. À Direita, menos, mas o facto de existirem já dois tem bloqueado o aparecimento de outros. Repare-se que várias iniciativas ao centro também falharam. Até agora, crises de confiança e outras não deram origem a novos partidos. Aparentemente, os Portugueses preferem a abstenção ao voto de protesto”.
Lista de partidos políticos registados e respectivas datas de inscrição:
1. Partido Comunista Português (PCP), 26 de Dezembro de 1974
2. CDS – Partido Popular (CDS-PP), 13 de Janeiro de 1975
3. Partido Social Democrata (PPD/PSD), 17 de Janeiro de 1975
4. Partido Socialista (PS), 1 de Fevereiro de 1975
5. Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses (PCTP/MRPP), 18 de Fevereiro de 1975
6. Partido Popular Monárquico (PPM), 17 de Fevereiro de 1975
7. Partido Operário de Unidade Socialista (POUS), 23 de Agosto de 1979 (ex-MUT)
8. Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV), 15 de Dezembro de 1982 (ex-MEP-PV)
9. Partido Nacional Renovador (PNR), 10 de Julho de 1985 (ex-PRD)
10. Partido da Terra (MPT), 12 de Agosto de 1993
11. Bloco de Esquerda (BE), 24 de Março de 1999
12. Partido Liberal Democrata (PLD), 29 de Maio de 2008 (ex-MMS)
13. Partido Trabalhista Português (PTP), 1 de Julho de 2009
14. Partido Cidadania e Democracia Cristã (PPV/CDC), 1 de Julho de 2009 (ex-Partido Portugal pró-Vida)
15. Pessoas-Animais-Natureza (PAN), 13 de Janeiro de 2011 (ex-Partido pelos Animais e pela Natureza)
16. Movimento Alternativa Socialista (MAS), 29 de Julho de 2013
17. Livre (L), 22 de Junho de 2017 (ex-Livre e ex-Livre/Tempo de Avançar)
18. Juntos Pelo Povo (JPP), 27 de Janeiro de 2015
19. Partido Democrático Republicano (PDR), 11 de Fevereiro de 2015
20. Nós, Cidadãos! (NC), 23 de Junho de 2015
21. Partido Unido dos Reformados e Pensionistas (PURP), 13 de Julho de 2015
22. Iniciativa Liberal (IL), 13 de Dezembro de 2017
Da mais recente fornada de novos partidos, como a Iniciativa Liberal (IL) ou o Nós, Cidadãos! (NC), algum terá capacidade para singrar no futuro próximo? “Nos últimos anos tem havido um esforço significativo de vários movimentos liberais para oficializarem a sua existência sob a forma de partido, tanto na senda do sucesso e do crescimento destes movimentos ao nível europeu (sob o chapéu do ALDE), bem como pela margem existente no sistema político e partidário português para o surgimento e afirmação de um novo partido à direita do PS. No entanto, esta divisão inicial demonstra a dificuldade destes grupos se apresentarem em conjunto e com um projecto mais sólido. O seu sucesso vai depender, numa fase inicial, da capacidade de integrarem candidatos com alguma visibilidade mediática, como por exemplo ex-militantes de outros partidos. A proliferação de novos partidos conduz igualmente ao seu apagamento, uma vez que existem diversos novos concorrentes na arena pública e uma incapacidade para marcar a diferença”, antevê Ferreira Costa.
“Nesta fase e considerando a estrutura dos partidos, a sua frágil implementação ao nível nacional, bem como os estudos de opinião mais recentes, torna-se difícil que possam singrar num futuro próximo. No entanto, importa referir que já em 2017 o NC alcançou a conquista da Câmara Municipal de Oliveira de Frades na sua primeira participação em eleições autárquicas. O possível sucesso está mais dependente da existência de figuras mediáticas que possam alinhar politicamente com estes partidos ou de factores conjunturais de curto prazo, do que propriamente da capacidade de implementação destes partidos no jogo político nacional”, reforça.
“À Direita, talvez”, sugere Costa Pinto. “São 40 anos com uma representação partidária congelada. A Direita mediática não está contente com o PSD e pode eventualmente patrocinar. Também temos protagonistas veteranos descontentes, como Pedro Santana Lopes”. Em contraponto, “à Esquerda, é duvidoso. Repare-se que muitas vezes erupções eleitorais não conduzem a partidos consolidados, como a situação de António Marinho e Pinto, por exemplo. Outros casos, como a IL, por exemplo, podem significar pequenos grupos transitórios destinados a ser deglutidos pelos partidos já existentes ou novos. Veja o convite do PSD para presidente da AR a Fernando Nobre, outro que poderia ter tentado passar o seu movimento a partido, neste caso mais ‘nem Direita nem Esquerda’”.
A barreira do financiamento e o sistema eleitoral
Considera que há uma espécie de “cartelização” por parte dos partidos com representação parlamentar, no sentido de dificultar o surgimento de desafiadores, a entrada de novos partidos no sistema? Essa eventual “cartelização” verifica-se mais no financiamento, nos obstáculos burocráticos, no sistema eleitoral? “Claro que os partidos existentes gozam de vantagens, desde o acesso aos meios de comunicação social, até vantagens financeiras. Mas também deglutem, esvaziam, integram. Às vezes, uma crise, um escândalo, com um protagonista, podem canalizar e mobilizar, se a sequência eleitoral for propícia. Agora, o sistema eleitoral não é um grande factor de bloqueio”, responde Costa Pinto.
Na perspectiva de Ferreira Costa, “em termos comparativos europeus verifica-se que, em Portugal, a criação de um novo partido implica um processo mais moroso, mais complexo e com mais requisitos para a sua criação. Esta situação configura uma primeira barreira a uma maior diversidade partidária e a uma maior competitividade eleitoral. Outra das dificuldades sentidas prende-se com a lei de financiamento partidário que favorece, de forma clara, os partidos com assento parlamentar e com uma percentagem de votação já sustentável, pelo que os novos partidos entram num círculo vicioso que os impede de obter financiamento estatal e, em consequência disso, alargar a sua área de influência a todo o país”.
“Tendo em conta a actual composição do sistema eleitoral”, prossegue Ferreira Costa, “verifica-se que estes partidos devem incidir a sua actuação nos círculos eleitorais de maior magnitude eleitoral (Lisboa e Porto), onde uma percentagem a rondar os 2% pode ser suficiente para eleger representantes nestes círculos. Embora o sistema eleitoral português seja proporcional, o legislador optou pela fórmula eleitoral (método de Hondt) menos proporcional, pelo que a constante recusa por parte dos actuais partidos com assento parlamentar de avançarem com uma reforma do sistema eleitoral que permita aumentar os níveis de proporcionalidade prende-se, precisamente, com este objectivo de dificultar o acesso de novos actores políticos à arena política nacional. A conjugação destes factores tem permitido uma estabilidade do sistema partidário português, mas ao mesmo tempo um desfasamento entre a sociedade civil e a acção dos partidos políticos, tornando Portugal um caso paradigmático da dificuldade de novos partidos acederem à representação política no contexto europeu”.
A caminho de três eleições no próximo ano
Poderá surgir uma surpresa eleitoral em 2019? “Não pretendendo fazer futurologia, o que não se coaduna com a cientificidade associada ao estudo da política, refiro que uma surpresa eleitoral é mais comum acontecer nas eleições para o Parlamento Europeu, uma vez que os eleitores se sentem mais ‘livres’ e menos pressionados a votar de acordo com os tradicionais jogos associados ao voto útil, ou de acordo com a dicotomia associada ao debate eleitoral entre os dois principais partidos. Tal deriva igualmente do facto de o círculo eleitoral ser de base nacional, permitindo ‘aproveitar’ todos os votos em cada força política de modo a tentar a eleição de pelo menos um representante. Este círculo eleitoral único permite uma magnitude eleitoral e um grau de proporcionalidade mais elevado do que na maioria dos círculos eleitorais existentes nas eleições legislativas”, responde Ferreira Costa.
“Tal facto sucedeu nas eleições para o Parlamento Europeu em 2014, com a eleição de dois eurodeputados pelo MPT, numa lista encabeçada por Marinho e Pinto. Por outro lado, a política nacional tem sofrido diversos sobressaltos nos últimos meses, pelo que a possível emergência de novos partidos, ou partidos com a capacidade de integrar candidatos com passado político relevante, pode conduzir a algumas surpresas nas noites eleitorais de 2019. A este facto não é alheia a dificuldade de afirmação da liderança de Rui Rio no PSD, bem como a incapacidade do PS para atingir patamares seguros de previsão de uma maioria absoluta. A estabilidade e a configuração do sistema eleitoral português condiciona a emergência de surpresas. Atente-se, por exemplo, na longevidade de alguns dos líderes partidários nacionais, que resistem inabaláveis na liderança dos respectivos partidos, independentemente dos resultados eleitorais”, argumenta.
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Fonte: http://www.jornaleconomico.sapo.pt/noticias/as-possiveis-causas-da-elevada-taxa-de-insucesso-dos-novos-partidos-burocracia-financiamento-e-sistema-eleitoral-335763
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Falta dizer que o PNR propriamente dito só surgiu a 12 de Abril de 2000, porque antes era o PRD, partido criado em 1985 em torno da figura do ex-presidente da República Ramalho Eanes...
Quanto ao resto, finalmente refer-se na comunicação social a obscena injustiça que é o sistema eleitoral baseado no método de Hondt e como esse estado de coisas é propositadamente mantido pelos donos do sistema, mais do que nos outros países da Europa, o que não admira, combina bem com o facto de a democracia tuga ser das mais deficitárias da Europa, como se sabe e até na Wikipédia se pode ler...
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