«UM MÉTODO PERIGOSO»

Um olhar talvez demasiado breve às relações e diferenças entre o suíço Carl Jung e do seu professor judeu «austríaco» Sigmund Freud, usualmente considerado como o pai da Psicanálise, ou Psicoanálise, como pelos vistos preferia dizer, segundo afirma a sua personagem, no filme. De um lado, o dito mestre, que centrava na sexualidade a explicação de toda a natureza humana; do outro, um aluno que a pouco e pouco acabou por romper com o professor, rejeitando esta visão monotemática da Psique, procurando em vez disso nas profundezas da alma colectiva os fundamentos da vivência psíquica. Freud, materialista confesso, diz descrever «as coisas como elas são», enquanto Jung propõe um tratamento quase espiritual que permite ao paciente tornar-se naquilo que quer ser. Freud alega que isto é «armar-se em Deus», enquanto Jung deplora a arrogância do seu mestre em querer assumir-se como autoridade incontestada, tirânica até. Pelo meio há uma jovem, Sabina Spielrein, judia «russa», que de histérica quase psicótica chega a psicóloga, passando antes disso por um romance sexual com Jung, o qual, em nome da decência para com o seu casamento, acabou por rejeitá-la, com grande sofrimento para Sabina. Sabina que, entretanto, desenvolvera, baseada na sua experiência sexual de cunho masoquista, uma teoria de relacionamento do amor com a morte, relativamente mais próxima do panorama mental de Freud do que de Jung. Particularmente interessante para a malta cá da nossa área ideológica é a frontalidade com que no filme se aborda a diferença étnica que os dividia - de um lado, judeus, do outro, um ariano...

Sabina, apreciadora entusiasta de Wagner, nutrira um fascínio intenso pelo loiro herói Siegfried, personagem central do «Das Rheingold» («O Ouro do Reno»), talvez a principal obra do referido compositor. Declara este seu apreço pelo herói nórdico a Jung, que por seu turno diz ser precisamente «O Ouro do Reno» a sua ópera favorita de Wagner. Siegfried, como alguns saberão, sacrifica o desejo sexual ao dever, à lealdade; nas altas esferas culturais do século XIX, era visto como o arquétipo do herói ariano.

Jung, tal como Siegfried, resolve, embora com uma ou outra recaída pelo meio (um homem não é de ferro...), rejeitar a pulsão sexual em nome da lealdade, o que leva Sabina a distanciar-se dele e, para grande infelicidade de Jung, acaba por conduzi-la à órbita de Freud, que, depois de expressar o seu desprezo pelo «misticismo de segunda» junguiano, lhe diz qualquer coisa como isto: «Nós somos judeus, ele é ariano. Desiste dessa ideia, não podes ter o teu loiro Siegfried, as coisas são como são, nós somos diferentes deles.»

Não é a primeira vez que vejo este tipo de discurso a ser atribuído ao famoso psiquiatra judeu. A propósito desta cisão com Jung, Freud escreveu ao psiquiatra Ludwig Biswanger o seguinte: «Nisto tudo há um facto muito sério: os semitas e os arianos ou os anti-semitas, cuja fusão eu pretendia ao serviço da psicanálise, recomeçam a separar-se como a água do azeite.» (in «Nova Direita Nova Cultura», Alain de Benoist, edições Afrodite, página 190).

Como disse no princípio, o filme passa demasiado depressa, precisava de pelo menos mais meia hora de desenvolvimento; o conteúdo do texto é muito rico e merece bem um segundo visionamento.

Isto independentemente da maneira algo subtil com que parece querer dar razão a Freud... enfim, já não foi mau não ter demonizado Jung, o qual viria mais tarde a ser acusado de simpatia para com o Nacional-Socialismo, quando declarou este movimento como uma espécie de atavismo germânico profundo, o retorno do espírito de Wotan, o frenético e sequioso de conhecimentos Deus da Sabedoria, da Guerra e da Morte...