«OS IMORTAIS»

Como saberá quem estiver atento às novidades cinematográficas mais populares, o título em epígrafe é o de mais um filme épico-mitológico, de contornos fantasistas, centrado no património cultural da raiz da civilização ocidental tal como se conhece actualmente, o mundo clássico, usualmente denominado greco-romano. E por dizer «mais um» não estou de modo algum, ao contrário do que porventura faria a maioria dos críticos de cinema, a querer dizer que se trata de mais um produto sem importância, antes pelo contrário - filmes desta temática, quantos mais melhor. O que não significa, por outro lado, que o filme em si seja bom (mas também não é mau...).

De facto, em certos aspectos, talvez demasiados, é mais do mesmo, como de resto o próprio trailer oficial deixa antever - herói grego entre o homem antigo e o «marine» ianque a berrar incitações aos «ménes», lutas espectaculares em câmara lenta demasiadamente parecidas com as do filme «300» (de resto, o realizador é o mesmo...) e salvações in extremis, com o bom a dar cabo do mau mesmo quando parece que vai morrer e tal, enfim. A representação dos Deuses, entretanto, deixa francamente a desejar - quem ali faz de Zeus, por exemplo, parece muito mais um modelo de alguma passerele trajado de fantasiosas peças douradas do que um verdadeiro Senhor Supremo do Olimpo; os outros Deuses estão ainda mais mal representados, pois que se intensifica exponencialmente a citada impressão de não passarem de gajos que andam ali a mostrar roupagens estranhas em plataformas elevadas, e por vezes com umas coisas estranhas na cabeça que por cima daquelas caras de jovenzinhos imberbes e com cabelinho à foda-se compõem semblantes que se aproximam perigosamente do ridículo. Ainda por cima um dos Deuses morre, liquidado por Zeus, o que na verdade contradiz tudo o que se conhece de mitologia helénica, pois que nunca nenhum dos Deuses clássicos, filhos de Deus e Deusa, corre realmente risco de vida (e nisto discordo de outros pagãos). A jovem que faz de Atena parece muito mais uma suave e doce Afrodite do que a Senhora da Guerra que deu o nome à capital helénica. 

O «Olimpo» da película só se safa pela altitude, porque de resto o minimalismo com que é composto torna-se particularmente empobrecedor, sobretudo pelo edifício propriamente dito, que parece mais a sumamente deprimente, porque propositadamente miserabilista, casa amarela do filme de João César Monteiro do que uma moradia de Divindades. Que diferença entre estes figurantes e os da nova versão do «Choque de Titãs», esses sim, verdadeira e adequadamente majestosos e de aspecto divino, verdadeiras homenagens artísticas aos Deuses, como a seu tempo foi aqui comentado...

E todavia, no meio de uma certa quantidade de pirosismo, tal como uma foleira lutazita de classes todo estranha à personagem principal - Teseu era filho de um rei, não um pobre camponês - e de americanices diversas, e de meter negros um pouco por toda a parte (vá lá que não calhou a nenhum dos Deuses, já foi uma sorte...) e todavia, dizia eu, há ali qualquer coisa que brilha, surpreendentemente.

O filme, ao contrário de praticamente todos os precedentes, nada tem de ateu, ou de irreligioso, antes pelo contrário. «300» pinga de anti-religiosidade modernaça e barata, chega a meter nojo pelo modo como distorce a história com o fito de denegrir os sacerdotes, fazendo eco do anti-clericalismo da época contemporânea; «Choque de Titãs» é «subtilmente» anti-religioso na versão do dealbar dos anos oitenta e relativamente «fifty-fifty» na de há poucos anos, talvez com um vantagenzita para o lado da simpatia para com os Deuses; «Tróia», então, é um autêntico vómito ateu (além de esquerdista); e agora de repente não me vêm à memória mais exemplos, mas o que sei é que não me lembro de ver filmes de grande orçamento a representarem os Deuses pagãos e/ou a religião pagã clássica com algum detalhe sem o fazerem de modo algo jocoso ou anti-religioso. Em «Os Imortais», de facto, a postura ateia é frontal e quase primariamente abatida, mesmo a dar a impressão de querer passar mensagem às massas. O grande mau da fita é violentamente ateísta e o seu plano é precisamente a destruição dos Deuses, ou da religião, neste caso o simbolismo é o mesmo. O jovem herói, com o qual o telespectador do público alvo é suposto identificar-se, passa do ateísmo ferrenho à crença nos Deuses. Um governante culto, típico representante da elite, mantêm-se elitista e arrogantemente ateu até à sua inesperada morte, porque não quis entender a presença de forças divinas...

E, no fim, glorifica-se a película com a sublimação do heroísmo: a elite reinante, que julgava poder sempre dialogar com qualquer inimigo, é brutalmente atropelada pela guerra, cenário para que se imponham os que a enfrentam de armas na mão, ora vencendo ora constituindo, ao morrer, exemplos de grandiosidade para a posteridade - até para a eternidade. É aliás isso que se ensina à criança, numa espécie de pósfácio... fechando com chave de ouro, os Céus abrem-Se, permitindo o esmagador vislumbre de um eterno combate nas Alturas, bem no campo das representações indo-europeias, nomeadamente as germânicas mas não só...



É pois de ver, apesar de tudo, é de ver no grande ecrã.