«A LENDA DO CAVALEIRO SEM CABEÇA»

Não sei como é que em Novembro de 1999 me escapou o filme «A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça», que no original foi intitulado «Sleepy Hollow», magnífica produção teuto-americana. Talvez porque as descrições e críticas tenham posto a tónica no aspecto romântico-sentimental, e algo policial, quando na verdade o filme se centra, antes de mais nada, no sobrenatural de tipo genuinamente europeu, mais concretamente norte-europeu, muito em voga na época em que a história se passa, literariamente dominada pelo Romantismo, com o seu culto do Nórdico e do fantástico nocturno, mágico e lendário. Daí que até a capa do filme engane, pelo menos a do dvd.
A lenda em que Tim Burton se baseou para fazer o filme faz parte do folclore alemão, mas curiosamente o tema lembra muito mais o ambiente céltico, com a sua conjugação de cabeças cortadas, bruxas na floresta, névoa constante e uma imensa árvore morta que guarda cabeças e é portal do inferno para o fantasmagórico cavaleiro... talvez porque na Alemanha haja por baixo do elemento dominante, germânico, um forte substrato céltico, sobretudo no sudoeste.

A história passa-se na América, mas que não haja dúvidas, aquilo é ainda Europa, por assim dizer. Não é por acaso que alguns dos actores que desempenham os principais papéis são britânicos, nomeadamente a neste filme belíssima Miranda Richardson. A cidade onde decorre a acção, Sleepy Hollow, é uma colónia holandesa, como de resto o foi Nova Iorque, quando ainda se chamava Nova Amsterdão. «Sleepy Hollow» significa algo como «Vazio Sonolento», em referência à perca constante de cabeças, ou a evocar talvez o ambiente de névoa eterna que o cerca, como que num limbo... Nas suas redondezas, o fantasma de um cavaleiro alemão decapitado corre a galope pela noite dentro, por entre as árvores, decapitando uns e outros e guardando consigo as cabeças, até que lhe devolvam a cabeça que lhe tiraram da sepultura.
A fotografia é magistral ao longo de toda a película, sobretudo no modo como tira partido da arquitectura norte-europeia, com os seus telhados de forte inclinação, a indicar a semelhança entre a construção típica da Europa setentrional e o estilo arquitectónico gótico, que é o mais propício a tudo quanto seja temas do sobrenatural... Os efeitos especiais nada deixam a desejar, nem tampouco o trabalho dos actores, e não o digo apenas por saber que tanto uma coisa como outra receberam prémios no ano seguinte. De ver e guardar.