OS JOGOS PAGÃOS DO NAVASARD, OU UM SINAL DO RESSURGIMENTO DA RELIGIÃO NACIONAL ARMÉNIA

Anahit

Na Arménia, país normalmente associado a uma forte identidade cristã (tal como todos os outros países europeus, bruxo... em toda a parte o Cristianismo acaba por ser agente do internacionalismo, mas os seus servidores fazem questão de o darem como «religião nacional», coisa que só puderam começar a fazer depois de destruírem as antigas religiões verdadeiramente nacionais) muitos são os que optam pelos antigos Deuses...

De pé no Monte Aragats, o alto sacerdote aguardou que o Sol acendesse a sua tocha para que esta pudesse ser levada ao templo pagão de Garni. Assim começou a Navasard, um dos mais antigos e importantes dias sagrados da Arménia, celebrado todos os anos a 11 de Agosto.

De acordo com a lenda, neste dia o patriarca Hayk matou o tirano Bel e libertou a sua família, futura raiz dos Arménios.

De qualquer modo, a Navasard é realizada em honra de Anahit ou Anahid, Deusa arménia da fertilidade e do nascimento, da beleza e da água, bem como da guerra, constituindo a versão nacional da Anahita iraniana. O símbolo da medicina pagã arménia é a cabeça da Deusa.

A combinação de jogos atléticos e de rituais antigos faz da Navasard uma espécie de reminescência, ou talvez equivalência, às Olimpíadas. E digo equivalência porque o elemento cultural dos jogos periódicos não será necessariamente um exclusivo helénico, visto que, outro povo indo-europeu arcaico como os Lusitanos, por exemplo, também celebravam «os seus jogos gímnicos, hoplíticos e hípicos, nos quais se exercem no pugilato e na carreira, e simulam escaramuças e batalhas campais», isto segundo Estrabão («Geografia III, Capítulo III, 7»).

Depois de o alto sacerdote, trajado com túnica vermelha, encarar o Sol e cantar um hino a Vahagn, as festividades começam com os jovens a cantar e a dançar, e exercitando-se com o arco.

Quem quiser juntar-se à comunidade pagã é iniciado num ritual de «fogo e espada» e planta seguidamente um damasqueiro. De notar que o damasco é um fruto nativo da Arménia, tanto que em Latim o seu nome é «prunus armeniaca».

Embora isto pareça uma cerimónia antiga - o calendário arménio tem como baliza o nascimento de Vahagn há 9588 anos - trata-se na realidade de uma reconstrução moderna.

«Recomeçámos a celebrar os antigos dias sagrados arménios em 1990. Antes disso, tudo estava banido. Mandaram-me para campos prisionais durante dois anos sob acusação de "Nacionalismo" em 1961, e forçaram-me a emigrar para os EUA em 1965. Só retornei na época de Gorbachev.» Quem assim fala é Slak Kakosian, o sumo sacerdote da Arménia.

Politicamente, a comunidade pagã está ligada ao Partido Republicano Arménio, cuja filosofia é baseada nos ensinamentos da Tsegakron, que é a religião nacional arménia (o seu paganismo, por assim dizer).

Todavia, os mais recentes pagãos tendem a distanciar-se da Política. O historiador Ara Stepanian, que todos os anos viaja de S. Petersburgo na Rússia até à Arménia, afirma que «Já há demasiada política nas vidas das pessoas e isso não é bom. Quanto mais as pessoas pensarem a respeito do renascimento espiritual, melhores são as suas hipóteses de sobrevivência.»

Stepanian recomenda a substituição da Bíblia pelo Ukhtagir, escritura pagã, como manual para todo o arménio. «Mil cópias deste livro estão prestes a ser impressas e os membros da comunidade irão dá-las às pessoas. Não é nossa intenção substituir completamente a Bíblia com o Ukhtagir, mas os Arménios devem saber que não descendem de Noé, mas que viveram aqui nas montanhas da Arménia antes do dilúvio.»

A Arménia é comumente considerada como o primeiro Estado cristão do mundo como resultado da conversão do rei Tiridates em 301, e a sua identidade religiosa tem-nos distinguido no meio dos seus vizinhos maioritariamente muçulmanos.

Mas o culto solar pré-cristão ainda vive na consciência nacional. Além do templo de Garni, a Arménia também tem o seu próprio Stonehenge, conhecido como Karaundj, ou «Pedras Cantantes», na região sul do país, que é uma estrutura com centenas de monolitos verticais e foi edificada há seis mil anos como templo ao Sol, funcionando também como observatório astronómico.

Numa sondagem realizada recentemente pelo Centro de Estudos Nacionais Estratégicos de Yerevan, 34% dos Arménios dizem-se cristãos, 24% consideram-se ateus e 32% afirmam-se pagãos. «A pequena diferença nas percentagens de crentes prova que mil e setecentos anos de Cristianismo não tiveram êxito em erradicar a antiga fé da Arménia», diz o comentador político Eduard Enfiajian, também membro da comunidade pagã. E continua: «Na Arménia, muita gente identifica religião com a instituição da igreja. Nós não. Não temos nada contra o Cristianismo, mas, como instituição social, não é para nós aceitável. A Religião está constitucionalmente separada do Estado, nas na realidade eles ensinam o Cristianismo em todos os jardins-escola, sem falar nas escolas, universidades e forças armadas. Para mim, isto é errado; uma pessoa deve poder escolher a que Deus obedece.»

A Igreja Apostólica Arménia mostra-se invulgarmente serena para com os seus concorrentes pagãos, se se levar em conta a sua, da Igreja, hostilidade relativamente aos grupos evangélicos mais recentes. O reverendo Vagram Melikian explica assim esta despreocupação: «Ao contrário das novas seitas, eles (pagãos) nada têm a ver com o Cristianismo. A Igreja Arménia tem uma postura inequívoca para com os sectários, mas não interferimos nos assuntos pagãos.»

Alguns arménios conseguem combinar simpatias para com ambas as religiões, cristã e pagã.

Alexander Amarian, líder do Centro de Auxílio para as Vítimas dos Cultos Destrutivos, que faz campanha contra vários grupos religiosos ou seitas, afirma que «os pagãos são guardiões dos antigos costumes. A Nação Arménia tem de recordar o seu passado pré-cristão e as Crianças de Ara (um grupo pagão) ajudam-nas a lembrarem-se. Também apoiam a Igreja Apostólica Arménia na luta contra as seitas destrutivas. Foi recentemente realizado um protesto contra as seitas. A liberdade de culto é importante, mas não podemos dar livre campo às seitas que vão contra a nossa identidade nacional.»

Muitos jovens estão a aderir aos rituais pré-cristãos.

Anait, de 20 anos, juntou-se à comunidade pagã há doze meses. E diz: «Gosto de estar aqui. Ninguém me diz o que fazer. Contam-nos a História da Arménia antes do Cristianismo e dão-nos livros para ler. Parece que o nosso povo está a retornar às suas antigas raízes. Garni é um centro espiritual de significado cósmico. O Paganismo não tem nem regras rígidas nem mandamentos.»

Anait, estudante de Medicina, usa uma suástica ao pescoço. Os seus colegas opôem-se fortemente a isso. Diz um deles que «para um arménio é apropriado usar um crucifixo, não um símbolo nazi. Se eu mandasse, proibiria todas essas seitas e religiões esquisitas. A nossa igreja é demasiadamente tolerante para com eles.»

Um sacerdote gentio, Gagik Hairapetian, argumenta que «para a maioria das pessoas, a suástica é um símbolo nazi, mas isso não é assim. A Suástica é um símbolo pagão. Os jovens arménios que usam suásticas não são nazis. Só uma pessoa ignorante é que identifica as suásticas com os nazis.»

Um jovem tenente do exército, que pediu anonimato, concorda veementemente - para ele, as cerimónias pagãs são todas uma questão de patriotismo arménio: «Vim conscientemente para o Paganismo. Estou convencido de que esta é a verdadeira fé arménia, que nos ajudou a ganhar a guerra (guerra de Nagorno-Karabakh em que o Azerbaijão, país com 96% de população muçulmana, foi derrotado militarmente), sinto-o até aos ossos.»

Vale a pena deixar registado um hino dedicado por um poeta arménio a Anahid, uma Deusa nacional. O dito autor é Daniel Varoujan (1884-1915), que nasceu em Istambul, estudou em Veneza e na universidade belga de Ghent, notabilizando-se pelas suas narrativas poéticas à base de lendas e História pagã. Foi assassinado pelos Turcos (provavelmente durante o genocídio dos Arménios que a Turquia ainda hoje recusa admitir ter cometido).

Eis então o poema:

«Deusa, eu purgo a minha consciência de toda a religião indolente

E caminho orgulhosamente com sandálias sagradas em direcção a Ti
Abre os portões de mármore do Teu templo.
Deixa-me introduzir a minha fronte pela porta.
Abre o altar e devolve-me a ardente força
Dos meus antepassados Artaxianos
Ouve-me, Mãe Dourada, fértil irmã da
Dadora da abundância, Padroeira da Arménia
Ouve-me nesta manhã da festa de Navasart
Quando a Tua gente se alegra.

Permite-me ajoelhar e rezar perante o Teu ídolo
Ouve, rosa miraculosa, Deusa da festa dourada
Noiva branca da luz nocturna, Amante do Sol
Que o Sol arda novamente no Teu altar.
Vim em roupagem de peregrino, trazendo verdes
Ramos de bálsamo e água rosada com ouro
Numa bilha de prata para ungir os Teus seios.
Que as fontes de Vartavar voltem à vida

E que as raparigas de dezasseis anos se ergam para dançar.»

E assim ecoa uma imorredoura voz que se ergue em direcção aos Imortais, no seio duma Estirpe cujo lema nacional é «Uma Nação, Uma Cultura» (Մեկ Ազգ, Մեկ Մշակույթ (Arménio; em alfabeto latino dá qualquer coisa como "Mek Azg, Mek Mshakowyt").

Mais informação a respeito da religião arménia.

Moeda recente cunhada pelo Estado Arménio na qual se pode ver Anahit

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E agora, cambada, este blogue vai de férias, talvez até 21 do corrente.