terça-feira, abril 10, 2007

OS TREZENTOS DE ESPARTA


O filme «300» é magnífico - e, no que diz respeito à sua historicidade, tem relativamente poucos erros. E esses erros não foram apontados por nenhuma das críticas destrutivas. Antes de mais nada, é preciso dizer que a obra apresenta-se em primeiro lugar como «fantasia heróica» - a intenção de quem a elaborou foi a de recriar o episódio histórico das Termópilas à luz duma visão semi-lendária com contornos oníricos, da qual um dos indicadores parece ser o ambiente de névoa ou semi-névoa permanente ao longo de toda a acção.

Já agora, faço notar que «300», apesar de toda a sua fantasia, mostra-se menos desviado da História do que por exemplo «Tróia», que, esse sim, constitui uma distorção visceral do passado, nomeadamente da Ilíada e do seu espírito, embora este aspecto de tal filme tenha sido muito pouco ou nada comentado por aí (coincidentemente ou não, a mensagem de «Tróia» é esquerdista...).

É verdade que, provavelmente, o rei persa não teria o aspecto que em «300» se exibe, mas sim um cabelo abundante e uma barba comprida; é também verdade que os Espartanos tinham em geral cabelo longo (que pentearam na véspera da batalha, a fazer fé nos registos históricos coevos) e usavam couraças, não lutavam de peito ao léu; mas, por outro lado, não é menos verdade que o Império Persa englobava vários povos, míriades de nações, e que, por acaso, até teve uma parte em África, pelo que a existência de negros nos seus efectivos não seria de todo impossível. De qualquer modo, estes negros que aparecem estão isolados, não fazem parte de nenhum contingente africano (repare-se que, em «300», todos os esquadrões das tropas imperiais de Xerxes I são feitos de gente branca morena), e isto seria possível se de mercenários se tratasse.

A película é entretanto fortemente enriquecida pela quantidade e relativa fidelidade das frases históricas atribuídas aos Espartanos em textos antigos, tais como:
- «Hoje jantamos com os fantasmas» (ou «in hell», mais ao estilo ianque);
- «Só as mulheres espartanas dão à luz homens a sério»;
- «Querem as armas? Venham buscá-las»;
- «Se o Sol for coberto pela chuva de flechas, tanto melhor, combateremos à sombra»;
etc..


Admita-se que «300» exibe um maniqueísmo especialmente notório, o que não contribui para o seu enriquecimento - mas enfim, nada é perfeito; e, além disso, convém ter em mente que a obra reproduz com razoável fidelidade o ponto de vista helénico na guerra travada contra o Império Persa: os poucos-mas-bons Gregos ergueram-se em nome da sua liberdade contra os oriental, titânica e orientalmente tirânicos lacaios do «Rei dos Reis», caracterizados pelo luxo, pela arrogância imperialista e pela vil submissão ao líder. A este respeito merece particular louvor o destaque dado na película ao facto de que um dos argumentos helénicos para justificar a sua superioridade civilizacional sobre a Pérsia foi o contraste entre a obediência apenas à Lei por parte dos Helenos (nem o rei a podia desrespeitar) e o servilismo a um só homem por parte dos invasores irânicos.
Através dum contraste similar, exalta-se a dignidade grega pelo simbolismo invertido do corcunda Efialtes - a recusa de Leónidas em deixá-lo lutar afigura-se talvez um pouco cruel e desnecessária (podiam tê-lo a combater à parte do corpo de tropas lacedemónico, por exemplo...) , ao mesmo tempo que serve para mostrar que, em Esparta, o bom funcionamento militar, essencial à salvaguarda do Povo, está acima da sensibilidade para com um capricho pessoal - mas, num nível superior, o defeito físico de Efialtes representa, quanto a mim, uma mácula espiritual, revelada naquilo que Xerxes lhe diz no momento em que o corcunda se lhe submete: «O rei espartano disse-te para te ergueres, eu só peço que te ajoelhes», o que indica a baixeza de quem, pela própria vileza da sua natureza, não foi feito para outra coisa que não a subserviência, e, assim, não poderia ter lugar entre os orgulhosos descendentes de Hércules.

Admita-se igualmente que «300» se deixa marcar, talvez intencionalmente, pela mentalidade contemporânea, nomeadamente no que ao sacerdócio diz respeito - os éforos são aqui representados como funcionários dos Deuses, magistrados religiosos integralmente corruptos e maximamente degenerados (até fisicamente), o que tem muito a ver, creio, com a actual tendência para desprezar as «religiões instituídas».
Ora o que a História diz opõe-se, neste particular detalhe, ao que o filme conta.
De facto, o oráculo consultado pelos Espartanos foi o mais famoso da Grécia, o de Delfos, no qual uma sacerdotisa, a Sibila, inalava vapores saídos duma fenda abissal e dizia palavras aparentemente desconexas mas que transmitiam mensagens crípticas do Deus Apolo, as quais tinham de ser decifradas pelos sacerdotes locais. O filme mostra uma cena assaz semelhante a este quadro, é certo; mas, ao contrário do que o filme diz, aquilo que o Oráculo realmente revelou foi isto:

Ó vós homens que moram nas ruas da larga Lacedemónia!
Ou a vossa gloriosa cidade será saqueada pelos filhos de Perseus,
Ou, em troca, devem todos, em todo o país lacónico
Lamentar a perda de um rei, descendente do grande Héracles.
Ele não pode ser travado nem pela coragem de touros nem de leões,
Lutem como possam; ele é forte como Zeus; não há nada que o possa deter,
Até que ele tenha por presa o vosso rei, ou a vossa gloriosa cidade.


Filhos de Perseus - os Persas.
Descendente de Héracles ou Hércules - um dos reis de Esparta.

Ou seja, as palavras do Oráculo indicam, de modo mais ou menos vago mas incontornável, que um rei espartano teria de morrer para salvar Esparta.

Em assim sendo, Leónidas cumpriu a recomendação de origem religiosa, ao contrário do que o filme faz crer. E tanto assim foi que, de facto, uma das frases espartanas mais conhecidas de sempre é a inscrição que se gravou como epitáfio num monumento posteriormente colocado no local da batalha:


«Ō xein', angellein Lakedaimoniois hoti tēide
keimetha tois keinōn rhēmasi peithomenoi.
»


«Estrangeiro, vai dizer a Esparta que morremos aqui em cumprimento das suas leis


Mas pronto, já se sabe que agir de acordo com a religião é actualmente tido por muitos como puro e deplorável fanatismo, ao passo que a atitude mais exaltada pelo pensamento dominante no mundo actual é a da «irreverência contra as instituições»...

Seja como for - tendo em conta o quase monopólio do politicamente correcto no que à indústria de entretenimento diz respeito, há que salientar a feição notoriamente independente de «300», dum modo que nunca se julgaria possível nesta altura:
- a promoção nua, crua, formal, absolutamente límpida e frontal do heroísmo bélico, dos valores guerreiros, da virtude marcial, isto é, daquilo a que os Romanos chamavam «Virtus», da honra, da lealdade à Nação e aos camaradas de armas; e é bela a resposta que Leónidas deu a Xerxes I quando este lhe propôs o governo da Grécia em troca da submissão ao rei persa: «Se soubesses o que é bom na vida, irias abster-te de desejar coisas estrangeiras. Para mim é melhor morrer pela Grécia do que ser monarca dos meus compatriotas.»;
- o pormenor de aparecerem negros do lado do inimigo, mas nem um só negro do lado dos «bons», o que, tendo em conta a época inquisitorialmente anti-racista em que se vive, não deixa de constituir um detalhe quase inacreditável;
- tudo o que é oriental e genericamente não europeu está do lado inimigo, desde os negros (por vezes integrados num difuso oriente refinado) até aos «samurais» (ou afins), passando pelo médio-oriente, como é óbvio.

Por conseguinte, a obra é, no cômputo geral, assaz inspiradora, um monumento cinematográfico sem precedentes, concretização, digo eu, daquilo que há muito espero, que é a passagem ao grande ecrã das glórias da Ancestralidade Europeia sem a mancha do politicamente correcto.

Em suma: mesmo que não tenha sido feito na Europa, «300» é indubitavelmente cinema dos Europeus.

19 Comments:

Blogger Vera said...

Tenho de ver se arranjo tempo ainda esta semana!

10 de abril de 2007 às 21:40:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

Brilhante análise camarada Caturo!

11 de abril de 2007 às 10:56:00 WEST  
Blogger Caturo said...

Força nisso, cara Vera... vale mesmo a pena.

Obrigado, camarada Arqueofuturista.

11 de abril de 2007 às 11:38:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

mas agora também és crítico de cinema? és um tudólogo tu, tens a mania que sabes de tudo.

11 de abril de 2007 às 14:01:00 WEST  
Blogger Vera said...

Filme histórico..não sei, digo eu...é uma pequena hipótese!!

11 de abril de 2007 às 14:48:00 WEST  
Blogger Caturo said...

Como disse a Vera, anónimo, o filme em questão tem a ver com História, e aqui também se fala disso...

De resto, o teor dos tópicos deste blogue está bem expresso logo no topo do mesmo: aqui, escrevo o que me passa pela mona, nem que me apeteça tecer considerações sobre a tinta branca usada para pintar algum casebre dos arredores de Leiria.

11 de abril de 2007 às 18:51:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

"no que diz respeito à sua historicidade, tem relativamente poucos erros.

Antes de mais nada, é preciso dizer que a obra é em primeiro lugar uma «fantasia heróica»"


Fantasia heróica com pouco erros históricos. És mesmo um palhaço, Caturo.

11 de abril de 2007 às 22:56:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

Palhaço és tu criatura execrável cuja pouca inteligência não permite perceber mais além que os seus olhos miopes enxergam. Fantasia heróica com poucos erros históricos sim, porque é possível fazer fantasia baseada em factos reais mas enaltecendo-os, exagerando os mesmos com apurada imaginação.

11 de abril de 2007 às 23:23:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

"Fantasia heróica com poucos erros históricos sim, porque é possível fazer fantasia baseada em factos reais mas enaltecendo-os, exagerando os mesmos com apurada imaginação."

"Baseada em", "exagerando" e "apurada imaginação" não são termos que são associados a obras com poucos erros históricos. Por conseguinte, continuas a ser o palhaço que todos nós conhecemos.

12 de abril de 2007 às 12:46:00 WEST  
Blogger Caturo said...

"Baseada em", "exagerando" e "apurada imaginação" não são termos que são associados a obras com poucos erros históricos.

Pois não, atrasado mental - por isso é que eu disse, nota bem, «antes de mais nada, é preciso dizer»: isto significa que apesar de não pretender apresentar-se como filme histórico e sim como fantasia heróica, o filme não tem muitos erros históricos.

Ou seja, não pretende ser histórico - não obstante, nem sequer tem muitos erros históricos. O primeiro e o segundo parágrafos são inteiramente dedicados a exprimir essa ideia, mas a tua iliteracia não te permitiu entendê-lo.

Portanto, atrofiado, aprende a ler para ver se controlas essa raiva impotente, porque, de facto, com essa pressa de me apanhares em falso só te tens humilhado, visto que não acertas uma.

12 de abril de 2007 às 15:05:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

Não lhe ligues Caturo, é uma desprezada alminha punhetista com falta de atenção que quer pegar em alguma coisa para dizer mal, mas a única coisa que aqui leva é socos intelectuais na sua fuça imunda.

12 de abril de 2007 às 17:22:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

Estimado Senhor,

Há uns dias acabei por deparar com o seu blog. Apesar de alguns posts mais polémicos que a meu ver podem ser mais discutíveis(os relacionados com política actual) gostava de o felicitar pelo excelente contéudo, nomeadamente o que está relacionado com História de Civilizações Antigas.
Sou engenheiro, regra geral com pouco tempo e interesse por explicações sobre estes temas, e conseguiu despertar-me o interesse numa série de assuntos, pela qualidade da sua escrita, a clareza da expressão (sem facilistismos) e pelo tom apaixonado e conhecedor que revela.

A sua opinião sobre este filme é um EXCELENTE exemplo.
Continue o Bom Trabalho

João Carvalho

12 de abril de 2007 às 18:46:00 WEST  
Blogger Caturo said...

Obrigado, caro João Carvalho, e seja bem-vindo.

12 de abril de 2007 às 19:19:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

O filme transmite-nos uma mensagem fortíssima e muito importante: Mais vale morrer de pé, do que viver de joelhos!

Saudações Identitárias.

Leónidas.

12 de abril de 2007 às 20:10:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

"O filme transmite-nos uma mensagem fortíssima e muito importante: Mais vale morrer de pé, do que viver de joelhos!"

Vocês devem conseguir arranjar 300 skinheads, ou até 299 skinheads + o Caturo.... para irem fazer um golpe de estado, pois já parece que têm os joelhos com muito calos. :) :)

13 de abril de 2007 às 18:44:00 WEST  
Blogger António Lugano said...

Quando afirmei ("Mneme" arquivo de Março) que o "300" era uma manipulação da História no sentido de fazer passar, de forma subliminar, uma apologia da democracia, a minha critica não foi bem digirida por alguns "estômagos sensíveis".
Ao tratar-se das Termópilas, acto heróico por excelência, a luz encandeou muita gente.
Disse-o, e permito-me repetir, que o que ficaria na mente dos espectadores ( e isso foi sabiamente procurado) era a "defesa do regime democrático", o que é pura fabulação.
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Adaptado a partir da novela gráfica de Frank Miller ("Sin City"), "300" relata a história da Batalha de Termopilas (…) e o seu heroísmo e sacrifício tornaram-se inspiradores para a Grécia que resolve assim enfrentar a Pérsia E LANÇAR AS PRIMEIRAS PEDRAS DA DEMOCRACIA.
Publico.PT
(cine cartaz - ficha do filme)
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O Rei Leónidas prepara-se por levar por diante um acto verdadeiramente heroico (…) O acto mártir acabou por servir de exemplo levando a Grécia a unir-se contra o inimigo persa NA DEFESA DAS FRONTEIRAS DA DEMOCRACIA.
Expresso
Alexandre Costa
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(…) Isso não impediu que o seu filme (incomodasse) … os críticos politicamente sensíveis… (a quem) Snyder e Miller desapontaram (…) por terem transformado Esparta (…) NUM BALUARTE DA "DEMOCRACIA" …
Diário de Noticias
Eurico de Barros
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(…) preferindo Frank Miller (…) transformar este combate num CONFRONTO ENTRE A DEMOCRACIA (… ESPARTA) e a tirania (…Persia)…
Jornal de Noticias
F. Cleto e Pina
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O sacrifício não foi em vão, já que INSPIROU TODA A GRÉCIA A UNIR-SE CONTRA OS PERSAS, DEFENDENDO A DEMOCRACIA.
Correio da Manhã
Pedro Garcia Neves
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O objectivo do produtor foi conseguido, e quem deveria berrar "o rei vai nu !", deixou-se embalar pelo acto dos bravos espartanos, que não mereciam ser tratados como defensores de um regime que detestavam !
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Cordial Saudação
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Mneme
http://mnemeeuropa.blogspot.com
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14 de abril de 2007 às 20:15:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

O filme transmite-nos uma mensagem fortíssima e muito importante: Mais vale morrer de pé, do que viver de joelhos!

Saudações Identitárias.

Leónidas.


Caro Leónidas
A frase tem um sabor conhecido. Obriguei-me a reler os discursos de Dolores Ibarruri e verifiquei de onde me lembrava desta alegoria.
Nãos estarás a sofrer perigosos desvios à esquerda?
JCAS

15 de abril de 2007 às 05:18:00 WEST  
Blogger Vera said...

Não vejo qual é o desvio para o campo ideológico de esquerda que essa frase apresenta...

15 de abril de 2007 às 10:57:00 WEST  
Blogger Caturo said...

O objectivo do produtor foi conseguido,

Vi o filme duas vezes e em nenhuma delas me apareceu pela frente qualquer apologia da Democracia.

Da Liberdade sim - e correctamente, porque, de facto, os Gregos lutavam pela Liberdade.

De resto, a política em Esparta tinha a sua parte democrática. E há mesmo quem considere Esparta como a primeira Democracia, como se pode ler aqui:
http://www.elysiumgates.com/~helena/Revolution.html

16 de abril de 2007 às 11:20:00 WEST  

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