domingo, junho 20, 2004

BONS MEIOS PARA MAUS FINS

«Van Helsing» é palerma e «Hellboy» é sofrível.

O primeiro, incomoda por ser um bom exercício cinematográfico em termos de cenários, de efeitos especiais, de actores até - e mesmo no que respeita à história em si - ao serviço de um argumento por demais imbecil. O resultado é desastroso.

Ideologicamente falando, tenho a dizer que a segunda película acima citada tem cenários, efeitos especiais, actores, tema, de qualidade comparáveis à primeira, e, apesar do ridículo tipicamente yanke de certas situações - a própria ideia de um demónio, vindo de outra dimensão, a usar como arma um «g'anda» revólver, parece até uma caricatura do típico americano, amante incondicional de armas de fogo - até tem uma história gira (banal, mas gira) e um argumento razoável.
Toda esta qualidade é posta ao serviço de uma ideologia bastarda e bastardizante: o bom da fita, o demónio, é bonzinho e quer parecer humano, apesar da sua origem. Para isso, corta os próprios cornos, o que, sendo encarado no filme de um modo meio humorístico, não deixa contudo de significar uma auto-mutilação em nome de um ideal de mudança de natureza. Há mesmo uma altura no filme, de importância crucial, em que o dito demónio ignora propositadamente o seu próprio nome porque quer renunciar à sua identidade. Saliente-se que o demónio, Hellboy, foi convocado para este mundo pelos ocultistas do Nacional-Socialismo, mas, tendo sido desde cedo adoptado e educado por americanos, tornou-se num bom yanke, ou seja, foi bem domesticado e condicionado.

Renunciar à identidade é pois a mensagem chave: renunciar à identidade, quando esta identidade «é má». E, claro, do lado dos maus, estão os nazis - não será certamente por acaso que os nazis aparecem aqui, como parábola do mal que, segundo o autor do filme, pode ser inerente a determinada raíz.

O que a obra transmite é pois o seguinte: se algum dia os nazis quiserem dizer-te que a tua raiz (raça, estirpe) te impõe um dever de lealdade, faz como o Hellboy que manda os maus à fava e continua a ser um bom yanke adoptivo.

Um dos vilões, é um velho nazi, esoterista, de todo repulsivo (mutila-se a si próprio ao ponto de retirar do seu corpo as pálpebras), que, devido ao poder da sua vontade doentia, continua vivo quando já devia estar morto, e o seu sangue é só pó... numa dada parte do filme, um dos «bons», diz, a respeito dos maus, «Sessenta anos depois de tentarem destruir o mundo, eles voltam...»

Mesmo correndo o risco de parecer paranóico a respeito das intenções americanizantes do produto, tenho de salientar que os bons da fita são todos americanos e que os maus são quase todos alemães, excepto um, o pior de todos, que é russo (Rasputin)...

... pois, o mal é europeu...

Claro como água.