Entre os menores de 30 anos, em sete dos nove lugares houve um declínio naqueles que se descrevem como não religiosos. A Tunísia viu o maior declínio. Hoje, cerca de um terço dos jovens tunisianos descrevem-se como não religiosos; em 2018/2019 era quase metade da população jovem.»
Pergunto-me porque não há manchetes impressionantes cheias de pontos de exclamação agora? Tal como: “O Islão ressurge mais uma vez no mundo árabe!”
Ou: “O Ocidente está condenado:Os Árabes estão-se a tornar cada vez mais religiosos!”
No entanto, mesmo que não sintam a necessidade de falar sobre a força do Islão, consideram necessário lamentar o declínio de outra religião, ou pseudo-religião: a democracia.
A mesma BBC dedicou um artigo inteiro a este fenómeno intitulado “ Os Árabes acreditam que a economia é fraca sob a democracia”.
Nós lemos: «Michael Robbins, director do Arab Barometer, uma rede de pesquisa sediada na Universidade de Princeton que trabalhou com universidades e organizações de pesquisa no Médio Oriente e Norte de África para realizar a pesquisa entre o final de 2021 e a Primavera de 2022, diz que houve uma mudança regional nas opiniões sobre democracia desde a última pesquisa em 2018/19. “Há uma percepção crescente de que a democracia não é uma forma perfeita de governo e não vai consertar tudo”, diz ele.(…) O futuro é “incerto”, diz o Dr. Robbins do Arab Barometer. Os cidadãos da região podem estar procurando sistemas políticos alternativos, como o modelo chinês – um sistema autoritário de partido único – que, segundo ele, “tirou um grande número de pessoas da pobreza nos últimos 40 anos”. “Este tipo de desenvolvimento económico rápido é o que muitas pessoas estão procurando”, diz ele.
Esta activação do modo de pânico é compreensível vindo da BBC e dos ocidentais como um todo, já que a configuração democrática é uma das formas mais eficazes de difundir o liberalismo cultural. A democracia é baseada no “indivíduo soberano”, uma antropologia liberal que diviniza o homem, onde o ego humano é feito o começo e o fim de toda a configuração política.
O igualitarismo democrático transforma cada homem num Fir'awn em miniatura.
Na verdade, mesmo um pensador liberal como Alexis de Tocqueville observou há mais de um século que o individualismo moderno é um subproduto directo da democracia. No seu clássico Democracy In America, livro 2, capítulo II, ele escreve: «Mostrei como é que em épocas de igualdade todo o homem busca as suas opiniões dentro de si mesmo: agora vou mostrar como é que, nas mesmas épocas, todos os seus sentimentos se voltam apenas para si mesmo. O individualismo é uma nova expressão, à qual uma nova ideia deu origem. Os nossos pais conheciam apenas o egoísmo. O egoísmo é um amor apaixonado e exagerado por si mesmo, que leva o homem a conectar tudo com a sua própria pessoa e a preferir-se a tudo no mundo. O individualismo é um sentimento maduro e calmo, que dispõe cada membro da comunidade a separar-se da massa dos seus semelhantes; e separar-se com a sua família e seus amigos; de modo que, depois de ter assim formado um pequeno círculo próprio, ele voluntariamente deixa a sociedade em geral a si mesma. O egoísmo origina-se no instinto cego: o individualismo procede mais do julgamento erróneo do que de sentimentos depravados; origina-se tanto nas deficiências da mente como na perversidade do coração. O egoísmo arruína o germe de toda a virtude; o individualismo, a princípio, apenas mina as virtudes da vida pública; mas, a longo prazo, ataca e destrói todos os outros, O egoísmo é um vício tão antigo quanto o mundo, que já não pertence mais a uma forma de sociedade do que a outra: o individualismo é de origem democrática e ameaça espalhar-se na mesma proporção que a igualdade de condições.»
Este individualismo, onde o homem se torna num indivíduo atomizado tendo como único valor o consumidor sem cérebro, seria suficiente para desacreditar a democracia. No entanto, também poderíamos apresentar as falhas inatas no próprio processo eleitoral e se os políticos democráticos representam genuinamente as massas quando é sempre a mesma elite liberal que é reeleita enquanto se esconde atrás da fachada da dicotomia “direita” e “esquerda”.
Esta é a razão pela qual o Ocidente está tão obcecado em difundir a democracia; até mesmo travando guerras em seu nome. É apenas uma das maneiras mais subtis de liberalizar uma sociedade. Tudo o que precisa de fazer é injectar uma forte dose de individualismo – a base da visão de mundo liberal.
Também daria poder a uma elite liberal facilmente corruptível que estaria conectada, em nome da democracia, ao sistema-mundo neoliberal ocidental. Por exemplo, através das suas instituições financeiras como o FMI. E desta forma, a elite nativa continuará a agenda liberal por conta própria por razões económicas.
A democracia, portanto, impacta as sociedades não-ocidentais tanto no nível das massas quanto no nível da elite.
Estas são as razões pelas quais a BBC, e o Ocidente como um todo, é accionada quando árabes (ou outros) repreendem a democracia.
Então, em essência, parece que a Primavera Árabe – que supostamente democratizaria o mundo árabe – está sendo substituída por alguma forma de verão islâmico.
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Fonte: https://muslimskeptic.com/2022/07/19/horror-arabs-lose-faith-democracy/
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Muito sintomático - apesar da maciça influência ocidental no mundo inteiro através da expansão mundial dos média europeus e norte-americanos, pois apesar disso, verifica-se que a população do mundo islâmico está, não a laicizar-se (tara ocidental) e a democratizar-se, mas sim a tornar-se mais islâmica e menos democrática... dir-se-ia que é como a água e o azeite - por mais que sejam misturados um com o outro, acabam, tarde ou cedo, por se afastarem um do outro... ecoando o que dizia há décadas o politólogo italiano de Esquerda Norberto Bobbio, nomeadamente que a Democracia era o produto ideológico europeu com menos sucesso fora da Europa e com mais sucesso dentro dela...
Quanto à natureza das críticas contra a Democracia que se lêem no artigo, são o produto da indigência habitual entre os anti-democratas. Confunde miopemente estrutura com conjuntura, presumindo por isso que a Democracia leva ao poder uma elite liberal capitalista, só porque isto aconteceu num determinado contexto histórico europeu pós-guerra, quando os potentados económicos e os intelectuais das universidades encontraram caminho aberto em tempo de paz para constituírem os partidos mais fortes, amplamente apoiados pela plutocracia que por sua vez precisa de apoio nos parlamentos nacionais. Plutocratas e internacionalistas de Esquerda estão de acordo em sufocar as Nações e em desenvolver um sistema que ignora estirpes para valorizar apenas classes sociais. A partir daí, dividiram a Política entre uma Direita capitalista, conservadora-cristã, e uma Esquerda internacionalista, ambas encimadas por diversos ramos da elite reinante, universalista por natureza.
Ainda hoje se constata em solo europeu - mormente em Portugal - que, na prática, quem não agrada aos possuidores do grande capital, tem uma dificuldade monstra em chegar ao povo, não porque o povo não queira ouvir, mas sim porque só chega ao povo quem tem meios mediáticos e partidos bem financiados. É com um esforço desmedido e diversos jogos de cintura, cedências aqui e ali, que algumas forças nacionalistas europeias conseguiram ascender ao ponto de dirigirem partidos bem sucedidos no jogo democrático; estes partidos são, contudo, alguns dos menos apoiados pelo poder económico no espectro político. Esta situação, note-se, não é um produto da Democracia, mas sim um produto da imperfeição ou da sabotagem do processo democrático. Ou seja, isto acontece apesar da Democracia e não por causa dela. Democracia é, como se sabe, a supremacia da opinião popular. Ora se o povo não puder ouvir todas as alternativas possíveis, isto não é democrático, porquanto significa que há um poder estranho à vontade popular que está a interferir no processo democrático. Se X, Y e Z se candidatam ao poder, mas a voz de X ouve-se mal porque Y e Z conseguem abafar grande parte da voz de X, então grande parte da população não ouvirá devidamente o discurso de X, pelo que escolherá apenas entre Y e Z. Significa isto que Y e Z impedem que o povo possa escolher livremente, porque o impedem sequer de ouvir todas as propostas de poder. A saloiada anti-democrática ignora estas subtilezas óbvias porque, devido à sua ideologia autoritária, odeia o princípio de ser o povo, e não uma elite iluminada, a decidir o seu destino.
Quanto à elite reinante no Ocidente, também sabe de tudo isto muito bem, mas gosta que a situação se mantenha assim, porque precisa de abafar X quando X é o Nacionalismo político. Desgraçada e ridiculamente, muito deste X também é anti-democrático, sem perceber que quanto mais democrática for a sociedade, mais gente poderá votar em X... enquanto isto não acontece, os que desprezam ou odeiam a vontade popular continuam a dividir entre si o poder.