SOBRE O DESINTERESSE OCIDENTAL PELOS CURDOS
Os Curdos têm o seguinte provérbio: "não temos amigos, excepto as montanhas". Em Afrin, no entanto, nem as montanhas conseguiram protegê-los dos caças turcos e das milícias islâmicas aliadas de Ancara. Embora os vídeos de horripilantes execuções não sejam de maneira alguma algo novo na trágica guerra da Síria, neste caso em particular, o vídeo foi gravado por um grupo terrorista operando sob o comando de um país pertencente à OTAN, a Turquia.
O vídeo mostra integrantes das milícias sírias abusando do corpo de Amina Omar, combatente curda também conhecida como "Barin Kobani". Ela foi morta defendendo Afrin, cidade cantão na Síria atacada pelo exército turco de Recep Tayyip Erdogan.
No vídeo, Omar, que pertencia à unidade feminina das Unidades de Protecção Popular (YPG), é insultada como "porca" enquanto um soldado pisa os seus seios. A profanação do seu cadáver acabou simbolizando não apenas a ferocidade dos inimigos dos Curdos, mas também a sensação de uma enorme e insuportável traição moral e política sofrida pelos curdos nas mãos dos seus aliados ocidentais.
"Vergonha: o Ocidente está fazendo vista grossa no tocante ao destino dos Curdos", salientou Ivan Rioufol do jornal Le Figaro da França. "Eles lutaram ao nosso lado na guerra contra o Estado Islâmico. Erdogan rotula como 'terrorista' este pequeno Povo que arma as mulheres, que têm os seus cabelos ao vento e que deixam a religião na esfera privada".
Os média ocidentais ignoraram o destino dos Curdos, Povo que derrotou o Estado Islâmico por nós.
"A minha irmã Barin lutou ao lado da coligação em Racá contra o Estado Islâmico e noutros lugares", salientou o irmão de Omar no jornal The Times directamente da cidade de Kobane. "Como pode haver justiça ou confiança entre aliados se a coligação coloca os seus interesses acima da moralidade e permite que a Turquia nos ataque e ainda por cima com armas da OTAN?"
Houve um "silêncio ensurdecedor" da maioria dos líderes ocidentais sobre o sofrimento dos Curdos diante da invasão ilegal turca, realçou Sandeep Gopalan, professor de Direito da Universidade Deakin em Melbourne. Todas as chancelarias europeias abandonaram os Curdos à sua própria sorte.
Basta pensar no seguinte: o Ministro das Relações Exteriores do Reino Unido Boris Johnson tuitou "a Turquia está certa em querer proteger as suas fronteiras". O Ocidente deu aos turcos sinal verde para massacrarem os Curdos.
Pior do que isso, um apelo publicado pelo New York Review of Books lembra: "o ataque turco contra Afrin não teve a mínima provocação. Na realidade Afrin era tão pacífica durante a maior parte da guerra síria que se tornou num porto seguro para dezenas de milhares de refugiados, alguns dos quais são agora refugiados pela segunda vez. Nos cantões sob seu controle, as forças lideradas pelos Curdos tinham estabelecido um oásis, único na Síria, de um auto-governo local: direitos das mulheres e leis seculares".
A batalha de Afrin foi uma terrível derrota para os Curdos na Síria, derrota esta com consequências estarrecedoras. Pelo menos 820 combatentes curdos foram mortos em acção. Muitas outras mortes ainda estão por ser confirmadas. A título de comparação, 660 curdos foram mortos lutando sob a bandeira das Forças Democráticas da Síria, apoiadas pelos Estados Unidos na batalha para libertar Racá, a capital síria de facto, do Califado do ISIL.
Robert Ellis comparou Afrin aos Sudetos da década de 1930: "Dois dias antes de ceder os Sudetos à Alemanha nazi em Munique em Setembro de 1938, o primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain descartou a questão como 'uma rixa num país distante entre Povos sobre os quais nada sabemos'. É bem isso que pode ser dito sobre a atitude do Ocidente em relação aos ataques da Turquia contra o enclave curdo em Afrin no noroeste da Síria".
Na madrugada de 30 de Setembro de 1938, a Grã-Bretanha, França e Itália permitiram que os nazis anexassem o território dos Sudetos, região da Checoslováquia. O governo checo opôs-se e resistiu, mas os seus aliados ocidentais, determinados a evitar a guerra "a qualquer custo", estavam dispostos a negociar com Adolf Hitler. O Acordo de Munique, no entanto, não trouxe paz à Europa, trouxe a guerra.
Assim como os Checos foram sacrificados em vão, o Ocidente traiu os Curdos três vezes nos últimos três anos. A primeira vez em Kobane, a cidade curda cercada na fronteira com a Turquia onde numa batalha que somente "revelou a impotência do Ocidente em face da jihad radical", os habitantes lutaram para evitar a morte certa sob o domínio do ISIL. Depois de Kobane os Curdos foram abandonados durante o referendo pela independência do Iraque em Setembro passado. Agora foram traídos em Afrin, cantão sírio onde inúmeras minorias da guerra síria se refugiaram.
Quando no final de 2014 o Ocidente decidiu intervir directamente para se livrar do Califado do ISIL, deparou-se com um flagrante problema. Como iria o Ocidente derrotar os islamistas, já que não mais estamos dispostos a arriscar as nossas tropas no palco dos acontecimentos? Através dos Curdos. Foram as forças curdas que prestaram os primeiros socorros aos yazidis que fugiam do genocídio do ISIL. Milhares de yazidis acabaram em valas comuns ou foram capturados e escravizados sexualmente. Foi quando a Alemanha começou a enviar armas para os Curdos. Agora os yazidis em Afrin estão a sofrer uma nova onda de perseguições dos aliados turcos.
Bernard-Henri Lévy, filósofo francês, salientou recentemente no Le Figaro: "A tragédia pela qual os Curdos estão a passar é sinal de um enfraquecimento sem precedentes do Ocidente. Será o equivalente à batalha de Adrianópolis que precedeu a queda de Roma? Espero que não. Mas a atitude de jogar a toalha tem sido uma enorme desgraça. Um desses micro-eventos aparentemente anormais que sinalizam uma mudança no mundo. Esta não é a primeira vez que o Ocidente deixa ficar mal os seus aliados e nações irmãs. Foi o caso durante a ascensão do Nazismo. E na sequência o abandono da metade da Europa para o Comunismo".
Os Curdos foram os nossos aliados ideais. Abriram as suas cidades, como Erbil, para dezenas de milhares de cristãos iraquianos expulsos de Mossul pelo ISIL. O Curdistão iraquiano é hoje o único lugar no Médio Oriente, juntamente com o Estado de Israel, que abriga e protege todas as religiões e minorias. Segundo o ex-parlamentar europeu Paulo Casaca, o governo regional curdo mostrou o maior respeito por todas as minorias que foram perseguidas sem trégua, em outras regiões do Iraque.
Um apelo assinado pelos intelectuais franceses Pascal Bruckner, Bernard Kouchner e Stephane Breton assinala: "Abandoná-los seria um erro moral imperdoável. Os Curdos da Síria derrotaram os islamistas que causaram os piores ataques da nossa história. As atrocidades turco-islamistas em Afrin não prometem nada de bom. Quando jovens combatentes curdos, de admirável coragem, são capturados pelos jihadistas, são torturados, estripados e retalhados. Esta barbárie é insustentável. Os Curdos são, além de tudo, os nossos únicos aliados na região e demonstraram a sua eficiência no campo de batalha. Se os abandonarmos não sobrará ninguém para nos ajudar a conter novas explosões terroristas desfechadas contra nós mesmos. Por último, os Curdos da Síria estão a construir uma sociedade democrática que respeita o pluralismo étnico e confessional e a igualdade entre homens e mulheres. Isto terá uma profunda influência numa região dilacerada pela tirania".
Uma nova "Síndrome de Munique" já está a tomar forma no horizonte do Ocidente. Os Curdos, se não mereciam um Estado, eram no mínimo dignos da nossa protecção, especialmente depois de nos ajudarem a dar um basta naqueles que cortam as nossas gargantas nos bulevares de Paris.
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Giulio Meotti, Editor Cultural do diário Il Foglio, é jornalista e escritor italiano.
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Fonte: https://pt.gatestoneinstitute.org/12445/curdos-turquia-trai
8 Comments:
realmente é ridiculo, 2 pesos 2 medidas. Para uns faziam de tudo e diziam que nao admitiam violencia e que maltratassem um povo, caso da Servia, Montenegro e outros.
Para os Curdos, é violações, é perseguições, matanças, genocidio e no entanto os media e os direitos humanos calados. Nem se ouvem.
Será que é como muitos dizem que o judeu é que manda e quando ele quer algo passa nos media e as ovelhas mexem-se todas? Agora o judeu não quer e nao se passa nada e os curdos são massacrados sem que haja indignação e se mexa uma palha na politica e sociedade europeia.
A regiao de Sudetos era habitada, na epoca, majoritariamente por alemaes, a sua anexacao a Alemanha, nao foi um erro.
O território pertencia aos Checos, não aos Sudetas. De resto, a Alemanha não se limitou a invadir a zona sudeta, em vez disso tomou toda a terra dos Checos.
«Será que é como muitos dizem que o judeu é que manda e quando ele quer algo passa nos media e as ovelhas mexem-se todas? Agora o judeu não quer»
O Judeu não quer? Israel é em todo o planeta o Estado que mais apoia os Curdos e o Curdistão.
Bom,a história mostra que os europeus sempre estiveram do lado dos seus algozes muçulmanos sunitas,tanto na revolta e posterior independência da Bulgária,quando o exército russo,em auxílio aos búlgaros foi bombardeado pela marinha inglesa quando estava prestes a invadir e tomar Constantinopla,quanto as guerras da iugoslávia e do Kosovo,o autor do artigo está certo ao afirmar que os europeus não São confiáveis,pois se deram as costas para os eslavos para proteger os turcos no passado,por que iriam ajudar os curdos no presente?
Então como explicas que no caso da Jugoslávia se esforçaram tanto, deram independência a bósnia musla e até ao pequeníssimo Montenegro que comparado com o que sofre os curdos, é mínimo.
E quem isse que isso foi por causa dos Judeus? O enfraquecimento da Sérvia foi um plano da estratégia americana, anti-russa, não de qualquer agenda judaica.
«pois se deram as costas para os eslavos para proteger os turcos no passado,»
Não foi para proteger os Turcos, foi para atacar os Russos. Foi parte da agenda anglo-saxónica, de potência marítima, talassocrática, contra a Rússia. Nesses tempos, tudo no mundo se decidia entre Europeus - as potências não europeias eram mais coadjuvantes de uns ou de outros do que actores principais.
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