quarta-feira, maio 25, 2016

SOBRE O ESPIÃO TUGA E A SEGURANÇA NACIONAL

Portugal tem uma experiência dolorosa de relação com espiões russos, pois é bom não esquecer que, no PREC, o KGB conseguiu desviar, com o apoio do PCP, parte dos arquivos da nossa inteligência militar.
Surpreende-me a forma como as pessoas brincam com coisas sérias não só nas redes sociais como em programas televisivos.
Na segunda-feira à noite, no programa de comentário desportivo Prolongamento da TVI 24, o comentador Manuel Serrão decidiu falar do caso do agente do SIS que alegadamente trabalhava para o SVR (serviços secretos russos no exterior) e desvalorizar a gravidade do caso, sublinhando que em Portugal o único segredo é o dos pastéis de nata, tendo sido apoiado nesta ideia por José de Pina, outro comentador.
Como se estava num programa desportivo, penso que eles se podiam ter cingido ao futebol, mas cai-se muito na tentação de que um comentador serve para comentar tudo, mesmo que nada tenha a ver com o tema programa. Por vezes, parecem querer sublinhar que são pessoas muito inteligentes e que estão a par dos grandes acontecimentos, nacionais e internacionais.
Nas redes sociais, repete-se a mesma coisa. Os “comentadores de bancada” repetem os segredos dos pastéis de natas, dos pastéis de bacalhau, como se tivéssemos perante um caso insignificante da nossa vida nacional, o que não é o caso.
É preciso ter consciência de que, não obstante Portugal ser um país pequeno, faz parte de organizações importantes como a NATO e a União Europeia.
Deve-se também ter em conta o facto de o Kremlin estar a realizar uma política externa agressiva e ofensiva, onde, além da componente militar, recorre também à diplomacia e a espionagem ofensivas. Como as relações entre a Rússia, por um lado, e a União Europeia e a NATO, por outro lado, estão longe de serem as melhores, os serviços secretos russos fazem tudo para saber o que se passa nessas organizações e, quando o “ladrão” não consegue entrar pela porta, tenta entrar pela claraboia, janelas ou até “pela porta do cavalo”.
Por isso, a captura deste alegado espião “com a mão na massa” e do agente secreto russo em Itália deve ser considerada não só um êxito das nossas polícias, mas também um excelente exemplo de cooperação europeia na luta contra as ameaças externas.
Por outro lado, convém analisar, serena e seriamente, os prejuízos causados por Frederico Carvalhão Gil, assim se chama o alegado espião, à segurança portuguesa e europeia durante as suas actividades a favor da Rússia. Pelos cargos que ocupou, tudo indica que seria um valioso agente para os serviços de espionagem russos.
A julgar pelas fotos e materiais publicados na sua página da Internet, trata-se de um homem de ideais monárquicos e membro da maçonaria. Além disso, é também evidente a sua ligação à Geórgia e à georgiana com quem o português teria um caso amoroso, caso esse que despertou a atenção dos serviços de informação portugueses. Se assim for, pode-se concluir que a sua ligação aos serviços secretos russos poderá ter sido longa.
Dos comentários que acompanham as fotos pode-se depreender que FCG saberia falar, ou pelo menos compreender, a língua russa, possibilidade que vem reforçar a tese da cooperação de longa data com o SVR.
Esta detenção vem mostrar uma vez mais que a guerra fria não acabou e que, sendo assim, não se pode “brincar aos espiões”. Tanto mais que Portugal tem uma experiência dolorosa neste campo. No chamado período revolucionário (PREC), os serviços secretos soviéticos (KGB) tinham dezenas de agentes em Portugal e realizaram uma das suas melhores operações após a Segunda Guerra Mundial: o desvio, com o apoio e colaboração do Partido Comunista Português, de parte dos arquivos da PIDE e da inteligência militar portuguesa.
Quando, recentemente, o semanário Expresso publicou novos dados sobre o Arquivo Mitrokhin e sobre a citada operação, a reacção dos políticos foi “assobiar para o ar” e desvalorizar um acontecimento dessa envergadura. Ninguém se lembrou, por exemplo, de criar uma comissão parlamentar para estudar o caso. Merecem mais atenção temas como o “sexo” do cartão de cidadão, “barrigas de aluguer”, etc.
Para que tal não se repita, é preciso levar a sério as questões de segurança nacional, investir a sério neste sector e não transformar o tema em piadas sobre pastéis de bacalhau ou de natas.
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Agradecimentos a quem aqui trouxe esta notícia: http://observador.pt/opiniao/com-espioes-nao-se-brinca/

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Vê-se que o jornalista José Milhazes esteve muito tempo fora, ainda estranha o abandalhamento da atitute tuga relativamente a tudo o que diga respeito à situação político-militar da Nação. Depois do fim do império, generalizou-se a ideia de que somos incapazes e até indignos de manter qualquer seriedade militar, e isto a todos os níveis... até me lembro de ler, aqui há anos, que em Portugal qualquer simples banda desenhada que queira ser épica descamba na palhaçada. Ficou como que estabelecido que em matéria de prestígio político-militar não estamos moralmente autorizados a levar-nos a sério. Só no futebol é lícito falar seriamente, arvorar-nos em muit'a bons quando batemos o Quirgulhanistão com um golo do Cristiano Ronaldo ou fazer choramingadas muito comovidas se perdermos. Por outro lado há um bocado de mentalidade de «Hobbit», de estarmos aqui sossegadinhos no nosso jardim à beira mal plantado, onde nenhum mal grave acontece e onde se houver alguma ameaça, rapidamente se afastam as preocupações com um «não há-de ser nada». Como diz um certo faduncho, «é tão bom ser pequenino». Interessa só lembrar a toda esta gente que nos dias que correm as espécies ameaçadas ou em vias de extinção precisam de ser protegidas pelas autoridades... o facto de certos animais serem «fofinhos» não os protege dos tiros dos caçadores se não houver gente com mais armas e força que os caçadores para os pôr na ordem. E não é preciso investir agora no rearmamento do Estado a ponto de Portugal ficar para aí como a Grécia, cujas forças armadas são notoriamente poderosas, mas que haja pelo menos - pelo menos - uma consciência colectiva da prioridade que a segurança nacional deve sempre ter, porque, em última análise, o maior poder do mundo não é, nunca foi o dinheiro, mas sim, sempre, dormente ou não, o das armas.