sexta-feira, março 11, 2016

LEMBRAR UM HERÓI DE GUERRA NACIONAL NA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

Agradecimentos a quem aqui trouxe estes artigos: http://ensina.rtp.pt/artigo/batalha-la-lys-soldado-milhoes/#sthash.1kqA2v1o.dpuf
http://www.tsf.pt/sociedade/interior/soldado-milhoes100-anos-da-declaracao-de-guerra-da-alemanha-a-portugal-5069950.html
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O aliado de sempre, a Inglaterra, havia pedido aos portugueses que aprisionassem todos os navios alemães e austro-húngaros que estavam ancorados na costa portuguesa. Um ano depois o corpo expedicionário português partia para a Flandres, onde em 1918 se deu a mais conhecida e sangrenta disputa dos portugueses. A batalha de la Lys. Foi lá que grande parte do contingente nacional perdeu a vida ou foi feito prisioneiro. No meio do caos, um nome ficou para sempre marcado na história da guerra e de Portugal, O soldado Milhões.
Aníbal Augusto Milhais nasceu na aldeia de Valongo no concelho de Murça em 1895. Em La Lys fazia parte da 2ª divisão portuguesa que foi completamente dizimada pelos tanques e soldados alemães. À ordem de retirada, Milhais preferiu ficar na trincheira e enfrentar as colunas alemães a ser morto pelas costas, como o próprio contou à sua filha mais nova, que em 1968 o gravou. "Foi então que abri fogo, essa invasão caiu toda. Passado uma hora, ou isso, veio-me outra igual. Fiz-lhe fogo quando chegaram ao mesmo sítio dos outros, com a metralhadora fazia muito fogo. Mais tarde veio outra, outra invasão, já não era tamanha, cortei-a também".
Sozinho, na sua trincheira, durante quatro dias, enfrentou os alemães, o que permitiu a retirada de muitos soldados portugueses e escoceses para as posições defensivas da retaguarda. Milhais foi, meses mais tarde condecorado. Foi nessa noite que o comandante lhe mudou o nome de Milhais para Milhões. " Nessa noite num jantar disse-me o meu comandante, o meu comandante Ferreira do Amaral, eu disse-lhe que era Aníbal Augusto Milhais e ele disse: és Milhais mas vales milhões".
De volta a Portugal e depois de conhecidos os seus feitos, o governo português mandou alterar o nome da sua aldeia natal de Valongo para Valongo de Milhais como diz Eduardo Milhões, o neto mais novo do soldado herói. "Que era na realidade o apelido dele, Milhões era uma alcunha que depois passou a ser nome, tanto que o meu apelido é também Milhões. No registo a pessoa que fazia o nome pôs Milhões, a minha mãe era Milhões, cinco tios meus são Milhões e é com muito orgulho tenho no meu nome e fiz questão que os meus filhos tivessem no seu nome".
Fica perpetuada a memória do único soldado raso, que em 100 anos recebeu a mais alta condecoração nacional, a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito. Na primeira guerra mundial perderam a vida quase 10 mil portugueses. Milhões, o herói, morreu em 1970, como nasceu e sempre viveu. Agricultor e pobre. Está sepultado no cemitério da sua aldeia. Valongo de Milhais.

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Leonida Milhões, filha de Aníbal Augusto Milhais, o Soldado Milhões, preservou durante mais de cinco décadas uma bobina com uma gravação em que o pai conta a sua versão dos acontecimentos ocorridos durante a Batalha da La Lys. Uma equipa da RTP realizou uma reportagem utilizando essa gravação. O Portal Ensina, para além do trabalho de reportagem, deixa-lhe também algumas passagens mais extensas desta história. 
Na madrugada de 9 de Abril de 1918, dezenas de divisões alemãs irromperam pelo sector português da frente, defendida pela segunda divisão do Corpo Expedicionário Português (CEP). Em poucas horas, os portugueses perdem 7500 homens entre desaparecidos, mortos, feridos e prisioneiros, naquela que ficaria conhecida pela batalha La Lys. Entre o caos, um soldado português, vai transformar-se num herói. Augusto Milhais pertencia a uma secção de metralhadoras do Batalhão de Infantaria 15 (BI15), que no dia antes da batalha tinha saído da linha da frente, pernoitando em Croix Marmouse. É aqui que começa a história contada pelo próprio, gravada em 1967, e preservada pela família. 
Segundo foi possível apurar, os primeiros combates do BI 15, terão acontecido na zona de Haute Maison. Perante a pressão alemã, um misto de forças portuguesas e escocesas, retira para La Fosse. Augusto Milhais e o soldado “Malha Vacas”, ficaram para trás para dar apoio a esta retirada. Após a morte do camarada, Milhais terá ocupado posições na zona de Lacouture. Após Lacouture, Augusto Milhais continuou a sua retirada em direção a Saint Venant. Pelo caminho foi encontrando bolsas de soldados portugueses e escoceses, que tentavam escapar ao cerco alemão. 
Junto a um canal, tem um encontro com um oficial escocês, que se mostra surpreendido pelo facto de apenas um homem estar a fazer há tantos dias fogo contra os alemães. Depois de deixar o oficial escocês com tropas da sua nacionalidade, faz-se a caminho para procurar os camaradas do CEP. Ao passar por um aldeia destruída salva uma criança que se encontrava entre as ruínas. De regresso às suas linhas fica a saber que existe um relatório pormenorizado sobre as suas acções na batalha de La Lys. O oficial escocês, por exemplo, escreveu uma longa carta elogiando as acções do soldado Milhais. Pelos seus actos receberá a Ordem Militar de Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito. É depois de receber a condecoração que o seu nome se transforma de Milhais em Milhões.

Podem ouvir-se os vários registos do testemunho do soldado Milhões nos seguintes vídeos:
https://www.youtube.com/watch?time_continue=5&v=OB7S5aiJGlE
https://www.youtube.com/watch?v=O061y_KpfSc
https://www.youtube.com/watch?v=b80QpvEVtuY
https://www.youtube.com/watch?v=jG-Wk0xB_qw
https://www.youtube.com/watch?v=v9XOCE77F-Q
https://www.youtube.com/watch?v=xWBdK7fs-9g

Disseram-lhe que se retirasse, manteve-se. Devem-lhe ter dito que a batalha estava perdida mas ele ficou. A batalha estava mesmo perdida mas o seu heroísmo, que se diria inútil, serviu para salvar vidas - e, já agora, para deixar um exemplo inspirador aos vindouros.
Honra seja feita ao soldado Milhões.