sexta-feira, janeiro 22, 2016

ESTADO COMPRA FAQUEIRO ALEMÃO QUANDO PODIA TER COMPRADO PORTUGUÊS...

O representante das fábricas de talheres, que exportam para mais de 50 países, critica o polémico negócio e até sugere quatro fornecedores nacionais ao Ministério de Augusto Santos Silva.
O porta-voz das empresas nacionais do sector metalúrgico e metalo-mecânico considera que "a indústria portuguesa foi desconsiderada e o dinheiro público desbaratado" no contrato de compra de um faqueiro fabricado na Alemanha. O negócio feito por ajuste directo, assinado a 11 de Dezembro de 2015, foi publicado no sítio Base de Contratos Públicos Online.
Rafael Campos Pereira sustenta que "não faz sentido que o Estado português compre produto estrangeiro quando a oferta portuguesa tem qualidade comprovada". "Mas faz ainda menos sentido que a opção pelo produto estrangeiro implique pagar um preço entre cinco e vinte vezes superior ao que se pagaria se a compra fosse feita a um fabricante português", acrescenta Rafael Campos Pereira.
Numa publicação feita na sua página na rede social Facebook, o vice-presidente da associação dos industriais do sector (AIMMAP) lembra ainda que a indústria portuguesa de cutelaria exporta os seus produtos para mais de meia centena de mercados externos, dando o exemplo de várias marcas nacionais que estão a triunfar no estrangeiro.
A aquisição parcial deste faqueiro estilo D. João V para o protocolo de Estado por parte da Secretaria-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) custou 74.775 euros semIVA. Somando o valor do imposto, ascende a quase cem mil euros o montante despendido pelo Estado nesta encomenda.
O contrato foi adjudicado à Cutelaria Polycarpo, uma casa histórica fundada em 1822 e localizada na Baixa lisboeta, que já não tem oficina própria e fabrica os seus produtos de em Solingen, na Alemanha. Segundo a SIC, a encomenda inclui três conjuntos de carne, dois de peixe, dois de sobremesa e um de salada, num total de mais de mil peças.
Foi para responder precisamente a casos como este que a AIMMAP traçou um plano para substituir importações, como o Negócios noticiou em Março de 2015. No ano anterior, neste sector, Portugal tinha comprado no estrangeiro quase tanto como o valor recorde que tinha vendido no exterior.
A estratégia da associação industrial visa sobretudo a produção de máquinas e equipamentos industriais, mas prevê também "aumentar a sensibilização das autoridades" para que o Estado português consulte a oferta nacional antes de decidir comprar no estrangeiro algumas peças de menor valor de mercado. Sejam faqueiros, candeeiros ou tampas de saneamento.

As alternativas portuguesas
Apesar do desabafo do responsável do sector sobre esta última decisão da tutela de Augusto Santos Silva, a verdade é que noutros contratos recentes a escolha até tinha recaído sobre peças feitas em solo nacional. Em Julho, ainda na vigência do anterior Executivo, a mesma Secretaria-geral adquiriu 15 faqueiros à Topázio pelo valor de 67.034 euros, acrescidos de IVA, para "a satisfação de necessidades de várias entidades".
Esta empresa, com sede e fábrica em Gondomar, onde trabalham "cerca de 60 artesãos", foi precisamente uma das sugestões deixadas por Rafael Campos Pereira para o fornecimento de faqueiros – e até tem um "com o mesmo nome e bastante semelhante" ao que foi agora comprado, disse ao Negócios a assessora de imprensa da Topázio. No seu sítio na internet, a marca detida pela centenária Ferreira Marques & Irmão orgulha-se de ser "a marca de eleição do MNE, estando presente em todas as embaixadas de Portugal" e de integrar também "o protocolo de Estado em todas as recepções oficiais".
Ambas localizadas em Caldas das Taipas, a Belo Inox e a Cutipol foram também referenciadas pelo porta-voz da AIMMAP, sendo que esta última, por exemplo, já colocou os faqueiros portugueses nas mesas de luxo do Palácio Real da Jordânia ou dos hotéis Ritz, em Seul (Coreia do Sul), e Atlantis de Palm, no Dubai. Um segmento que tem sido premiado internacionalmente também na área do design, como aconteceu com as facas da Ivo Cutelarias, uma empresa exportadora de raiz familiar.
Outra empresa elencada por Campos Pereira foi a Herdmar, instalada na mesma freguesia de Guimarães, que emprega mais de uma centena de trabalhadores, tem uma capacidade produtiva de 140 mil ou 150 mil talheres por dia e factura cinco milhões de euros por ano. Esta empresa centenária, que o Negócios visitou em Agosto de 2014, começou a vender fora do país nos anos 1960, exporta actualmente 90% da produção para cerca de 65 países e tem os seus talheres à venda na cadeia Anthropologie, que só em Nova Iorque tem cinco lojas de decoração.
A indústria metalúrgica e metalo-mecânica é composta por cerca de 15 mil empresas em Portugal, que empregam perto de 200 mil pessoas e exportam mais de 14 mil milhões de euros por ano, ou seja, metade do que produzem. Para responder à heterogeneidade de uma indústria que inclui desde agulhas a gruas, passando por máquinas e cutelaria, em 2015 a AIMMAP criou uma assinatura e uma imagem única – "Metal Portugal" – que já está a ser usada pelas empresas do sector em feiras internacionais.

*

Fonte: http://www.jornaldenegocios.pt/empresas/industria/detalhe/industria_de_cutelaria_sente_se_desconsiderada_por_estado_comprar_faqueiro_alemao.html