VITÓRIA POLÍTICA DO NACIONALISMO NA ESCÓCIA
O Partido Nacionalista Escocês (SNP) impôs-se como a maior força política do país, elegendo 56 dos 59 deputados escoceses e erradicando os trabalhistas do mapa político e reconfigurando a paisagem com a mesma discrição e o mesmo impacto de um terramoto – nas palavras da líder do SNP e First Minister da Escócia, Nicola Sturgeon, o ruído que se ouviu noite fora na quinta-feira foi das “placas tectónicas da política escocesa a mexer à frente dos nossos olhos”, num episódio sísmico histórico e sem precedentes.
O resultado, que surpreendeu até os mais optimistas do SNP, foi celebrado como um triunfo dos “escoceses que votaram para fazer ouvir a sua voz em Westminster”, que foi como os nacionalistas se esforçaram por enquadrar o escrutínio. Mas tirando os vivas e os aplausos próprios de quem chega à frente na contagem dos votos, não houve foguetes ou exuberância. “A Escócia parecia exactamente a mesma da véspera, mas [esta sexta-feira] já era um país diferente”, assinalou o veterano repórter do The Guardian, Ewen MacAskill.
A “avalanche” do SNP provou que a derrota no referendo para a independência, há pouco mais de meio ano, não enfraqueceu o partido ou esmoreceu a sua base de apoiantes: pelo contrário, reforçou-o como o legítimo representante do eleitorado escocês (desde o fim de 2014, as inscrições no SNP subiram de 20 mil para mais de 100 mil). A ideia da independência já não causa sobressalto ou alarme no país. A mudança, explica MacAskill, é psicológica: o processo que começou com o referendo, consolidou-se com as legislativas.
Vista de Londres, a vitória dos nacionalistas escoceses, com mais de 50% do total de votos, prenuncia o desastre para o Unionismo. Ao longo da campanha, Nicola Sturgeon (que reuniu o aplauso unânime dos comentadores que a reputaram de “brilhante”) insistiu que a questão independentista estava fora da equação eleitoral. Depois da contagem, repetiu que o resultado não configurava um mandato para um novo plesbicito. Mas atendendo ao volume da votação, e perante a maioria absoluta dos conservadores, e a sua promessa de avançar com um referendo à permanência do Reino Unido na União Europeia, a questão é inevitável – a pressão para uma nova votação será tremenda.
Olhando para os números – ou para o mapa das circunscrições eleitorais escocesas, todo pintado de amarelo excepto três pontos laranja, vermelho e azul –, torna-se ainda mais clara a dimensão da conquista do SNP, mais óbvio o sucesso da sua estratégia. A Escócia tornou-se, aparentemente, um país de partido único. Há cinco anos, os nacionalistas elegeram seis deputados: os novos 50 assentos de 2015 foram conquistados aos trabalhistas, que passaram de 41 para 1, e aos liberais-democratas, que caíram de 11 para 1 (os conservadores mantiveram o seu único deputado).
Na nova bancada do SNP em Westminster estará a mais jovem deputada a entrar na Câmara dos Comuns desde 1667: Mairih Black, de 20 anos, uma estudante de Ciência Política da Universidade de Glasgow que conquistou o assento de um dos pesos pesados do Labour, Douglas Alexander. E ainda Alex Salmond, o histórico dirigente nacionalista que deixou o palco a Nicolas Sturgeon no rescaldo do referendo independentista, e que agora vai conduzir as operações em Londres.
Foi uma derrota verdadeiramente histórica para os trabalhistas, que há mais de três décadas eram a força maioritária na Escócia. As razões para o cataclismo foram apontadas pelo dirigente do partido, Jim Murphy, que numa análise elogiada pela maior parte dos comentadores políticos explicou que o Labour não conseguiu convencer o eleitorado de que ainda era o depositário dos interesses da classe média e dos trabalhadores. “As pessoas perderam a confiança em nós”, admitiu. Mas ao contrário dos outros derrotados da noite (Ed Miliband, Nick Clegg, Nigel Farage), Murphy não se demitiu: determinado, prometeu limpar as feridas e recuperar, para voltar mais forte do que antes.
Mas o peso avassalador da derrota poderá levar a uma cisão dentro do partido, com a autonomização do Labour escocês como um partido independente do inglês. Muitas analistas notavam que a difícil terapia para a reorganização vai ter de ser feita sob a pressão do calendário: a Escócia volta às urnas no próximo ano para eleger um novo parlamento (e governo) regional, onde o domínio do SNP pode crescer ainda mais. O risco para o Labour é o de perder uma geração inteira de eleitores.
O líder dos Liberais-Democratas, Nick Clegg, que se demitiu do cargo por causa da hecatombe eleitoral sofrida pelo seu partido, ofereceu outra explicação para o resultado da votação de quinta-feira, em que, na sua opinião, as políticas de ressentimento e do medo prevaleceram sobre as alternativas – o liberalismo do seu partido ou o socialismo do Labour. A força dessas duas correntes – a primeira representada pelos nacionalistas da Escócia e a segunda, de reacção, do conservadorismo exacerbado – deixa a União “na posição mais frágil e perigosa da sua história”, que ameaça dividir as duas comunidades de forma porventura irreversível.
Alex Massie, jornalista e analista político escocês, equiparou o impacto da vitória do SNP à do Sinn Fein em 1918 (que conduziu à independência da Irlanda) e classificou-a como a mais grave crise constitucional – ou drama – desde a abdicação de Eduardo VIII, em 1936. Num artigo sobre a nova identidade política dos escoceses, escrito antes da votação, Massie especulava sobre o “novo espírito que anima os escoceses: o meu voto, o meu país”. Esta sexta-feira, confirmava a sua previsão de que, na Escócia, as eleições tornaram-se uma matéria intensamente pessoal: “Estes somos nós e este é o nosso partido”.
Para o futuro perspectiva-se um confronto (épico?) entre Nicola Sturgeon e o recém-eleito primeiro-ministro, David Cameron. O conservador prometeu honrar as promessas feitas à Escócia para que esta rejeitasse a independência, em Setembro de 2014: na sua primeira intervenção em Downing Street, Cameron confirmou a intenção de avançar o mais rapidamente possível com o programa de transferência de poderes conhecido como devo-max, que inclui total autonomia fiscal.
Essas são sem dúvida medidas que vão ao encontro das exigências dos nacionalistas que, apesar de tudo, deverão encarar algumas das propostas com cautela e cepticismo, para não alienar a sua base de apoio. Um braço-de-ferro orçamental entre Londres e Edimburgo está praticamente garantido, uma vez que Cameron obteve um mandato para mais cortes na despesa e o governo autónomo escocês recusa as políticas de austeridade.
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Fonte: http://www.publico.pt/mundo/noticia/o-partido-nacionalista-domina-toda-a-escocia-1695008
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Realço o que disse o jornalista MacAskill: A ideia da independência já não causa sobressalto ou alarme no país. A mudança é psicológica: o processo que começou com o referendo, consolidou-se com as legislativas.
É assim que se avança em Democracia - a pouco e pouco. A pouco e pouco a mensagem nacionalista vai-se divulgando e estabelecendo. E acontece assim porque o Nacionalismo é a tendência política com mais potencial de crescimento junto do Povo, porque o Nacionalismo não é outra coisa senão o instinto de Estirpe - o «Nós em primeiro lugar» - trabalhado em forma política e organizada, sistemática, do mesmo modo que um diamante em bruto tem de ser extraído da mina e depois lapidado até se tornar numa jóia, cristalina e luminosa.
Confirma-se, por isso, mais uma vez, que a Democracia é a maior aliada do Nacionalismo.
2 Comments:
BAH, esses tipos são imigracionistas...
Tudo a seu tempo. São imigracionistas até ver, como imigracionista é a generalidade do poder instituído, mas no seu fundamento há potencial no SNP para ser contrário à imigração, numa fase posterior.
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