sexta-feira, maio 15, 2015

SOBRE A INDIGNAÇÃO DIANTE DO CASO DA AGRESSÃO FILMADA A UM JOVEM NA FIGUEIRA DA FOZ

O caso do rapaz agredido e filmado na Figueira da Foz deu que falar mediática e popularmente pelas melhores razões - as da evolução do carácter e da consciência de uma população no sentido da dignificação do indivíduo.
Um país inteiro ficou indignado por assistir a uma agressão continuada que de tão cobarde se torna abjecta e dá voltas ao estômago.
O que é que na cena indigna a generalidade das pessoas?
A atitude de quem agride. Nota-se a quase ausência de crítica popular ao jovem que se deixou agredir. Ninguém gostou de assistir a tal passividade, é certo - mas, por pudor, as pessoas em geral abstêm-se de a comentar, tendo já alguma noção de que achincalhar os batidos é em si gesto feio.
A diferença entre o que agora aconteceu e o que há trinta anos se verificava não passa despercebida a quem viveu nessa época. O tipo de sevícias que se viram nas imagens era prática comum nas escolas durante a década de oitenta. Na preparatória então era o chamado pão nosso de cada dia. E também nessa altura havia crianças e adolescentes incapazes de esboçar o menor gesto auto-defensivo. Aliás, a maioria dos jovens não o fazia quando agredida por indivíduos mais fortes - não eram só os chamados «coitadinhos» que se não defendiam quando atacados por outrem; os rufias, aqueles que continuamente provocavam, intimidavam e batiam em quem podiam, por sua vez também se quedavam não raras vezes passivos quando enfrentavam rufias mais bem «qualificados» na hierarquia juvenil construída com base na força e nos «contactos» (leia-se: ter um grupelho de muitos pivetes que fazia e acontecia a quem batesse nos membros do grupo).
Lembro-me bem de num dia qualquer dessa década ter pensado que se calhar viria algures no futuro um tempo em que macacadas «bullyescas» como aquelas a que assistia quotidianamente seriam um dia notícia de telejornal... Nos oitentas tal coisa estava completamente fora de questão. Problemas de putos não apareciam em noticiários. A distância entre adultos e crianças era muito maior do que hoje em todos os sentidos - e quando esta espécie de casos chegava ao conhecimento dos ditos crescidos, as suas reacções oscilavam entre a ingénua indignação, quase tremelicante, de algumas professoras mais velhas, por um lado, e a relativa indiferença dos cidadãos comuns, por outro, que prontamente esqueciam a cena, etiquetando-a como «coisas de miúdos». E não me engano muito se alguns dos que comentassem o sucedido pusessem a tónica da crítica na postura do rapaz agredido. 
Agora, em 2015, a vergonha já é muito mais colocada no campo dos agressores que na das vítimas. Isto é, a meu ver, um sinal do país a ficar mais civilizado, mais concretamente europeu no seu modo de ver e sentir, e é bem provável que continue esta marcha, se entretanto outras influências, contrárias, vindas de culturas alógenas, não sabotarem este desenvolvimento.

Não significa isto, bem entendido, que a capacidade de auto-defesa deva ser completamente esquecida. O Estado precisa de todo o tipo de temperamentos e talentos, incluindo os daqueles que por idiossincrasia estão prontos a responder com fogo ao fogo e que, por isso, devem ser colocados nas forças policiais e nas fronteiras nacionais. Como bem diziam os Antigos, si vis pacem para bellum, ou «se queres paz prepara-te para a guerra». E se é preciso continuar a ensinar aos vindouros que é inaceitável bater nos fracos, não é menos necessário ensinar-lhes também que os que não se defendem estão precisamente entre os que mais vezes são escolhidos pelos que gostam de agredir.

4 Comments:

Blogger Afonso de Portugal said...

Julgo que de facto a nossa sociedade evoluíu bastante desde os anos 80, mas estou convencido que aquilo que realmente fez a diferença neste e noutros casos do género foi o registo de vídeo.

A própria família do rapaz soube do caso há um ano, mas só decidiu apresentar queixa agora, depois de ver o vídeo.

Quanto ao carácter do rapaz, a coisa foi realmente de dar a volta ao estômago. Eu, no lugar dele, tinha ido parar ao hospital. Uma coisa é levar um par de estalos, outra coisa é levar dezenas e continuar a levar sem reagir. Duvido muito que eu me ficasse, provavelmente teria esmurrado a rapariga e os restantes membros do grupo acabariam por me sovar.

Seja como for, a minha opinião é que estas coisas começam geralmente com enfrentamentos pontuais entre duas ou três pessoas e depois, quando um dos opositores mostra fraqueza, a situação escala rapidamente.

É por isso que todos os miúdos deviam aprender artes marciais e serem ensinados a entrar com tudo à primeira situação de confronto. Isso deixa logo os outros "bullies" em sentido.

Nesse aspecto, os recintos das escolas dos adolescentes são bastante semelhantes às prisões: tem de se mostrar imediatamente aos outros "reclusos" que não nos deixaremos intimidar, mesmo que isso signifique ir parar ao hospital.

Claro que, quando um miúdo tem 10 anos e o seu agressor tem 12 ou 13 ou 14 anso, a coisa muda imediatamente de figura.

Aqui só resta mesmo fazer queixa e é outra coisa que todos os pais têm de deixar claro aos seus filhos: não há vergonha nenhuma em fazer queixa de um covarde mais velho que nos bate só porque pode, antes pelo contrário, é nossa obrigação fazer com que aqueles que abusam da sua força e estatuto físico paguem por isso.

15 de maio de 2015 às 12:05:00 WEST  
Blogger Caturo said...

Sem dúvida que é nossa obrigação fazer isso mesmo, para pôr cobro à abjecção que é a impunidade do agressor.

15 de maio de 2015 às 18:22:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

LOL. Enquanto isso cá no Bananil, hoje mesmo notícia mostrando um professor e alunos trocando cadeiradas entre si na Bahia. Normal. Os portugas iam ficar realmente horrorizados é se vivessem nesta selva.

15 de maio de 2015 às 18:31:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

Não poucas vezes me pergunto como será o tratamento que os alunos brancos recebem por parte dos seus pares negros naquelas escolas em sítios "diversos" como Amadora, certas zonas de Lisboa, Sintra, etc...


Ainda me lembro que naquele caso de agressão colectiva a um recruta da Marinha, um dos principais agressores, ou o principal, tinha a pele mais escura do que o normal... Não sei se se tratava mesmo de uma mestiço, mas a verdade é que notei esse facto e estou até hoje na dúvida.

15 de maio de 2015 às 22:23:00 WEST  

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