EXPLORAÇÃO E QUASE ESCRAVATURA NO ALENTEJO
Fonte: http://observador.pt/especiais/trabalhadores-agricolas-em-odemira/ (texto original, abaixo a itálico, redigido de acordo com o aborto ortográfico mas corrigido aqui à luz da ortografia portuguesa)
* * *
Em
Odemira, os empresários agrícolas queixam-se que os portugueses
fazem demasiadas exigências e não querem trabalhar. A opção foi
empregar tailandeses, que não se importam de viver em contentores.
-
“A tua casa lá na Tailândia é tão boa como esta?”
- “É melhor…”
- “É melhor…”
A
pergunta é de João Gonçalves, técnico agrícola de uma das
maiores produtoras nacionais de tomate, e deixou inquieto Som Phong,
33 anos. “Casa, casa”, diz Som Phong, apressando-se para dentro
do contentor metálico onde vive. O espaço total de 15 metros
quadrados foi dividido para que o casal que também ali se encontra
possa ter mais privacidade. Na parte que calhou a Som Phong há um
beliche com duas camas colado a uma parede e um colchão encostado à
parede oposta. É difícil imaginar três pessoas de pé ali dentro.
Som Phong encontra um saco pequeno com três álbuns de fotografias.
“Casa,
casa!”. Numa das imagens que Som Phong exibe com orgulho, a mãe e
a irmã aparecem à frente de uma grande porta de madeira com um
desenho em relevo. Noutra, veem-se dois andares de uma casa cujo piso
térreo é de cimento e cujo piso superior está coberto por painéis
de madeira. Som Phong vira o rosto para nós e fecha os olhos
lentamente. “Não é muito diferente disto”, diz João Gonçalves.
Sábado,
12 de Julho de 2014. O presidente da Câmara Municipal de Odemira,
José Alberto Candeias, visita as estufas da empresa de tomate na
freguesia da Longueira/Almograve. Aparentemente tudo vai bem nesta
sociedade agrícola, que exporta para Espanha e França 80% da
produção, mas há um problema que incomoda o director: é muito
difícil encontrar trabalhadores portugueses que queiram dedicar-se à
agricultura.
Desde Maio entraram ao serviço 20 portugueses. Só cinco continuam até
agora. “Alguns fizeram uma manhã e foram embora”, diz o director
da empresa que emprega cerca de 170 trabalhadores, dos quais apenas
22 são portugueses e só oito trabalham nos campos. Os restantes são
supervisores (três), técnicos (cinco), motoristas (dois) e
administrativos (quatro). O relato feito pelo empresário soa
familiar ao presidente da Câmara Municipal de Odemira, que diz ao
Observador ser muito comum ouvir empresários locais queixarem-se da
dificuldade de recrutar mão de obra portuguesa e do abandono do
local de trabalho ao fim de pouco tempo.
À
semelhança do que acontece em outras sociedades agrícolas da
região, a solução, segundo Telmo Rodrigues, passa por dar emprego
a imigrantes romenos, moldavos e tailandeses. Em breve, a empresa
vai acolher um grupo de 20 nepaleses e mais 20 tailandeses,
ainda que o director não saiba de que forma estes trabalhadores vão
chegar a Portugal. “Se calhar são eles que pagam a viagem, não
faço ideia”.
Contrariamente
aos imigrantes, os portugueses não têm motivação para trabalhar
na agricultura, diz Telmo Rodrigues, que justifica esta situação
com uma opinião: “Há pessoas que querem ganhar a vida sem
trabalhar e isso acontece em Portugal, em Espanha e no mundo
inteiro”. O director desta sociedade agrícola está convencido que
é por isso que “90% dos trabalhadores agrícolas de todos os
países são estrangeiros”.
José
Alberto Candeias pensa que esta falta de motivação está
relacionada com “o desprestígio do trabalho agrícola e com o
aumento da qualificação dos trabalhadores”, mas diz que noutras
épocas “a necessidade levaria as pessoas a permanecer na
agricultura até encontrar outra actividade mais atractiva”. Telmo
Rodrigues acha que muitas vezes os portugueses que trabalham nas suas
quintas só o fazem “para não perder o subsídio”. Mesmo assim,
o empresário diz que quer “dar trabalho a quem quer trabalhar” e
colabora com o Centro de Emprego de Sines na tentativa de encontrar
trabalhadores nacionais. Já entrevistou muitos portugueses e garante
que é possível perceber se os entrevistados têm ou não perfil
para a agricultura. “Não gosto quando começam a fazer muitas
exigências salariais e de transporte. Quando acham que o salário é
pouco…”
O
empresário tem “consciência de que o salário mínimo é baixo”,
mas diz que esse “é um problema político” e que não pode pagar
valores mais elevados do que os 485 euros mensais porque na
concorrência não existe nenhuma empresa que o faça. O concelho de
Odemira, onde há duas quintas desta empresa, é o maior município
português em extensão territorial, estando dividido em 13
freguesias. A boa qualidade da água, o clima temperado e a luz são
algumas das características que tornam esta zona um lugar ideal para
a prática da agricultura. Mas a região enfrenta alguns problemas
relacionados com o acesso e os transportes, o que dificulta a
distribuição dos produtos e a deslocação dos trabalhadores.
Telmo
Rodrigues diz que não é fácil encontrar, nas aldeias mais
próximas, pessoas suficientes para satisfazer a procura da empresa e
admite não conseguir suportar os custos de transportar trabalhadores
portugueses que vivem mais longe: “É complicado irmos buscar uma
pessoa a 50 quilómetros de distância”. Ao Observador, José
Alberto Candeias diz que a falta de mobilidade de alguns
trabalhadores portugueses é um problema e compreende que nessas
circunstâncias “não se pode aceitar um emprego em que se pague
pouco e se trabalhe para aquecer”.
No
caso dos imigrantes romenos e moldavos, que muitas vezes partilham
casa em aldeias próximas, é mais fácil assegurar o transporte. Os
tailandeses que vivem perto das estufas não precisam de se
deslocar. Telmo Rodrigues diz ao Observador que, ao contrário
dos outros trabalhadores da sua empresa, os tailandeses escolhem
viver perto da quinta, dentro dos contentores. “Preferem viver mais
apertadinhos. Estão habituados a viver em comunidade”.
A
poucos metros das estufas são instalados complexos com quatro
contentores: dois dormitórios com três beliches de duas camas, uma
cozinha e uma casa-de-banho com três chuveiros e três sanitários.
Segundo Telmo Rodrigues, todos os contentores têm as mesmas
dimensões – dois metros e meio por seis – e isolamento térmico.
O
empresário assegura que os trabalhadores não pagam renda, nem
contas. A água canalizada que chega a estes contentores é a mesma
que se utiliza na quinta de forma gratuita. Telmo Rodrigues diz que
em breve serão instalados contadores de eletricidade para impedir
que os trabalhadores ultrapassem um determinado nível de consumo e
para prevenir situações de desperdício. “Às vezes estão aí
com os radiadores ligados e as janelas abertas…”
Telmo
Rodrigues diz ao Observador que tenta não interferir na vida dos
tailandeses, ainda que não lhe agrade muito as modificações que
estes por vezes fazem, como os telheiros feitos de lona verde que
muitas vezes cobrem os contentores ou funcionam como garagens
improvisadas para os automóveis. Nas áreas de contentores
acumulam-se centenas de garrafões de água e estende-se a roupa para
secar. Também há hortas que os tailandeses plantaram e de onde
colhem pepinos, ervas aromáticas e piri-piri.
“Quando
entram as condições são umas. Quando saem…”, lamenta Telmo
Rodrigues ao mostrar alguns contentores vazios que em breve vão
servir de casa a novos trabalhadores tailandeses. Na quinta da
empresa na Zambujeira do Mar, João Gonçalves hesita em mostrar-nos
os contentores porque, diz, “os tailandeses são porcos por
natureza”.
Palmira
Encarnação Cruz, 49 anos, trabalhou 13 dias na empresa de Telmo
Rodrigues. Como vive a cerca de 40 quilómetros das estufas de
Almograve, o empresário forneceu-lhe uma carrinha para que
conduzisse uma equipa de portugueses até à quinta. Alguns dos
colegas de Palmira Encarnação Cruz desistiram passado pouco tempo.
“Eram dez horas todos os dias e queriam que trabalhássemos aos
sábados. Dentro da estufa faz muito calor. Alguns fartaram-se
daquilo”, diz ao Observador. A antiga trabalhadora agrícola
diz que o ordenado era baixo para “uma escravidão de tantas horas”
e queixa-se que a pausa de 20 minutos durante a manhã “era paga
com mais trabalho” porque saíam todos os dias às 19h20.
Um
dia, Palmira Encarnação Cruz teve de ir a uma consulta. O médico
disse-lhe que tinha três hérnias discais e que não podia continuar
a trabalhar no campo. Palmira Encarnação Cruz diz que informou
Telmo Rodrigues, que lhe disse: “É melhor a gente ficar por aqui…
Fica em casa, vai-se tratar e fica assim. Uma vez que possas vir,
tens a porta aberta”. Ao Observador, Palmira Cruz admite que
preferiu ficar desempregada. “Para voltar para lá tinha de levar o
carro sozinha e eram pelo menos 80 quilómetros todos os dias. Assim
não ganhava para o gasóleo. Preferi ficar com o subsídio”.
Manuela
Leal, 33 anos, foi entrevistada para trabalhar na empresa de Telmo
Rodrigues, mas não chegou a ser contratada. “O senhor disse que
entrava em contacto comigo. À partida sabia que ele não metia
pessoas portuguesas, mas não sei porque é que não fui
chamada”. Acabou por conseguir emprego noutra empresa da
região, mas, como conta ao Observador, um dia, levantou-se para
endireitar as costas e foi denunciada por não estar na posição
correta. “Não se pode estar de joelhos nem de pé. É um sistema
um bocado fascista”, diz.
Manuela
Leal não gostou e foi embora. Actualmente trabalha nas estufas de
framboesa e está satisfeita com as condições. Ao salário mínimo
acrescem as horas extra que em parte são pagas ao mês, sendo que o
restante vai para um banco de horas e é pago depois de três
meses. Para esta trabalhadora agrícola, há poucos portugueses
nos campos porque o “salário é baixo”, mas também porque têm
menos tolerância para “certo tipo de tratamento”. Há muito
tempo que Manuela Leal ouve comentar, nos cafés e na comunidade, que
“os estrangeiros são carne para canhão”, trabalhando “dia e
noite” e que os portugueses “não se sujeitam a isso”.
Ângela
Mestre, 37 anos, trabalhou durante maio de 2014 na empresa de Telmo
Rodrigues e diz que só saiu porque o antigo patrão a chamou de
volta para trabalhar num estabelecimento de turismo rural local.
Sobre a curta experiência agrícola, Ângela Mestre diz que “é um
trabalho que se consegue fazer” e acrescenta que “há trabalhos
mais duros”. O pior, diz, “é o calor na estufa”.
Não
é calor que se sente aqui. É uma sensação artificial de sufoco.
Como se o espaço disponível para respirar não fosse suficiente.
Por cima, aberturas no plástico caiado revelam faixas de um azul
claro e luminoso que aliviam momentaneamente.
Telmo
Rodrigues admite que em alguns dias de calor excessivo trabalhar nas
estufas pode ser “massacrante” e “duro”. Nesses dias, “até
as flores murcham” e o empresário sabe que “se as pessoas não
aguentam, também não é bom para a planta”. Mas, para além
do calor, Telmo Rodrigues não entende as queixas de que o trabalho é
árduo. Começa a limpar as plantas e a tirar-lhe as folhas. Depois,
prende a rama a um cordão com uma mola. “É assim tão difícil?”
Segundo
o director desta empresa, o horário de trabalho começa às 8h e
termina às 17h20, existindo dias em que é necessário fazer nove
horas. Por vezes é preciso trabalhar durante os fins de
semana. Isabela Rusu, 26 anos, diz que o dia de trabalho dura
até às 19h20, mas “fácil”. A romena trabalha com a irmã,
Adriana Ivascu, 25 anos, que pensa que o que recebem não é
suficiente para aquilo que fazem. “Mas nós na Roménia não
conseguimos encontrar trabalho”, diz. Para além disso, a mãe,
empregada de limpeza, trabalha toda a semana e tem um salário de 100
euros. Segundo Adriana Ivascu, o ordenado que recebe em Portugal dá
“para a renda, para comida e para enviar um pouco à mãe”.
Quanto aos colegas portugueses que desistiram, Adriana Ivascu é
taxativa: “Os portugueses não gostam de trabalhar… Trabalhamos
nós”. “Diziam que estava muito calor… Não estão
habituados!”, continua a romena.
“Consigo
perceber o que os portugueses têm na cabeça”. Grigore Diaconu, 31
anos, é encarregado geral nas estufas de Almograve e diz que mais de
metade dos portugueses que ali chegam o fazem apenas para “não
dizerem que não têm trabalho”.
Grigore
Diaconu chegou há dez anos da Moldávia e diz que apesar de a
adaptação ao trabalho agrícola não ter sido “fácil”, ninguém
trabalha tanto tempo nos campos “se não gostar daquilo que faz”.
“O
trabalho fácil não é. O calor é um problema. Mas dizer que é
muito duro também não…”. Grigore Diaconu tem duas filhas
nascidas em Portugal e não sabe se algum dia vai regressar à
Moldávia. “Nunca se sabe para onde a vida vai”. Mas diz que não
se arrepende dos dez anos que passou aqui. “Não penso que perdi
tempo. As coisas que consegui comprar na minha terra…”
Telmo
Rodrigues diz que Grigore Diaconu “está bem”, recebendo cerca de
50% mais do que os restantes trabalhadores agrícolas. Um exemplo de
que “é possível fazer carreira”, como defende o empresário.
“Os supervisores de hoje fizeram trabalho de colheita, plantações…”
O
director da empresa de tomate diz que alguns dos trabalhadores que
saíram das suas estufas para procurar melhores condições noutros
locais “só não regressam por uma questão de orgulho”. Telmo
Rodrigues sabe que há tailandeses que são maltratados nas empresas
onde trabalham e diz que paga todas as horas extra aos seus
empregados. “Não temos cá essa coisa do banco de horas”.
“Isto
para eles é uma maravilha”, diz Telmo Rodrigues, que sabe que
alguns dos trabalhadores que tentaram voltar para os países de
origem não conseguiram ficar, regressando à empresa. “Às vezes
vão embora, mas depois aparecem outra vez. Já se habituaram ao
nível de cá”.
Não admira que haja tanta gente endinheirada que é a favor da imigração em larga escala... e a Esquerda curiosamente fala pouco nisto, borrifando-se assim para os trabalhadores portugueses que tenham de «competir» por trabalho com gente habituada a viver quase abaixo de cão.
1 Comments:
É de admirar... O Alentejo é o bastião do comunismo em Portugal, era de supor por isso que fosse a região onde o respeito pelos trabalhadores fosse maior...
Mas aposto que nos países com economias fortemente liberais do Norte da Europa e do mundo anglo-saxónico as condições dos trabalhadores e as desigualdades sociais sejam muito maiores que no Alentejo do PCP....
Enviar um comentário
<< Home