sexta-feira, abril 16, 2010

LENDA DA FUNDAÇÃO DE PORTUGAL, IRLANDA E ESCÓCIA POR GATELO


Uma das versões portuguesas da lenda de Gatelo, segundo Gabriela Morais, no seu magnífico trabalho «Lenda da Fundação de Portugal, Irlanda e Escócia»:

Versão de António Villas Boas e Sampayo (1754)
«Os Escoceses costumavam coroar o seu príncipe assentado numa pedra, a que chamavam pedra fadada, e a origem deste costume foi a que se segue, segundo se acha em Polidoro Virgílio na "História de Inglaterra" e a aponta o arcebispo D. Rodrigo da Cunha na "História dos Bispos do Porto", 1 p.c. 1.
Gatelo, filho de Neolo, rei de Atenas, fugindo da aspereza com que seu pai o tratava, passou ao Egipto e serviu o faraó na guerra contra os Etíopes, razão porque agradecido o rei o casou com a sua filha Escota, no tempo em que Deus mandou Moisés por seu legado àquele reino a favor do povo hebreu. Seguiram-se as pragas, que infestaram o Egipto, quis Gatelo retirar-se a tanta calamidade e embarcando com sua mulher e amigos, navegando pelo Mediterrâneo até à costa ocidental da Hispânia, saiu num porto a que ele chamou Porto Gatelo, no ano de dois mil e quatrocentos e oito da criação do mundo e mil e quinhentos e cinquenta e três anos a.C..
Considere-se agora se este porto foi o que o nome a Portugal: alguns o têm por sim, e não com pouco fundamento.
E diz Manuel Faria e Sousa, na «Descrição de Portugal», cap. 6, nº3, que em tempo de el-rei D. João III estando na corte da Escócia certo enviado com negócios graves da coroa de Portugal, alguns escoceses, que de Gatelo e de alguns dos seus companheiros trazem a sua origem, como logo veremos, lhe mostraram nas suas histórias estes princípios, prezando-se muito de os trazer de Portugal e lembrando-lhe as razões que tinha a nossa nação para se conformar com a sua.
Ali, naquele sítio em que saiu Gatelo, mandou lavrar casas para si e para os que o seguiam, começando a fazer uma povoação, que depois mudou mais para o interior da Galiza, por estar mais vazia de moradores. E fundando aí cidade, se chamou Rei e deu leis à sua gente, mandando-lhes que se chamassem Escotos e Escócia ao reino a que dava princípio, para memória da sua mulher Escota e do muito que a amava.
Aqui escolheu Gatelo uma pedra e a tomou como por tribunal judiciário e, assentando nela, fazia audiência a seus vassalos e julgava as suas causas na nova cidade. E esta pedra vieram a ter como fadada, para perpetuar o seu nome Escoto onde ela permanecesse.
»

Crescendo a gente em número e não lhe dando os Galegos lugar a se estender, teve Gatelo notícia de uma ilha deserta que se estendia para a parte do Norte e mandando a ela parte dos Escotos, com dois filhos que já tinha: Hibero e Hemeco. Chamou Hibero à ilha Hibérnia de seu nome e, deixando nela por senhor seu irmão, Hemeco, com a maior parte da gente que levava, voltou à Hispânia.
Morto Hemeco, e acrescentando-se a gente escota pela ilha da Hibérnia, levantaram-se povoações, fizeram-se leis, dedicaram sacerdotes segundo os ritos e costumes do Egipto e, faltando-lhes cabeça que os governasse, mandaram por seus embaixadores oferecer a coroa a Simão Breco, que então reinava sobre os Escoceses da Hispânia, como descendente de Hibero. Aceitou Simão Breco, passou à Hibérnia, passados trezentos anos depois da vinda de Gatelo, levou consigo a pedra fadada e quis que assentado nela o coroassem; e este estilo observaram todos os seus sucessores. Daí, passaram à ilha de Álbion, hoje Inglaterra e, crescendo em número e querendo rei que os governasse, lhes mandou Fercardo, rei da Hibérnia, a seu filho Fergúsio, mancebo de altas prendas. Este levou consigo a pedra fadada, com que seu pai o animou na empresa, assentado sobre ela o coroarem por rei do novo reino,a que chamaram Escócia em memória da sua primeira rainha, ou da povoação que tiveram em Hispânia, o que foi trezentos e trinta anos a.C..
Daí para diante, todos os reis da Escócia que sucederam a Fergúzio, o primeiro rei dela, se sentavam, na solenidade da sua coroação, na pedra fadada, fundando naquela superstição a estabilidade do seu reino.
Até que vindo a ser rei de Inglaterra, Eduardo, filho de Henrique III, depois de vários sucessos da guerra, entrou com escolhido exército por Escócia, ao tempo em que a defendia o valente Uvalas e destruiu o reino, não perdoando a pessoas, nem a edifícios. E tornando à Inglaterra, triunfante, por acabar de todo com o reino da Escócia, levou consigo a pedra fadada e a pôs no Uvestmonstier da cidade de Londres, onde se vê no dia de hoje.
Considerando esta circunstância, e vendo que a Inglaterra domina hoje a Escócia, pareceram-me fatalidade se à providência de Deus se não atribuírem catolicamente os sucessos.


Ora, segundo uma das versões da história de Gatelo, este era filho de um Cita; o «Livro das Invasões» ou «Lebor Gabala», irlandês afirma que os Filhos de Mil, última raça invasora da Irlanda, originária da Hispânia, tinha passado pela Cítia e pelo Egipto; «Gaethil» era um povo das margens do Mar Negro, precisamente a área dos Citas no seu tempo.

No oriente cita e sármata (povo igualmente irânico) o tema da espada divina é especialmente relevante, havendo até quem considere estar aí a raiz da lenda da britânica Excalibur, pois que, segundo teoria recente, os chamados Cavaleiros da Távola Redonda eram de origem sármata e tinham como emblema uma espada enfiada numa pedra, que é precisamente a mais clássica representação conhecida de Excalibur. Igualmente na Europa de leste, acreditou-se, na Antiguidade, que o huno Átila seria invencível enquanto possuísse a espada do Deus Marte. Nem o Deus teria originalmente este nome latino, que lhe é atribuído pelas crónicas romanas (é a chamada «interpretatio romana) e nem a lenda seria originária dos Hunos, mas, talvez, dos povos nómadas citas e sármatas, guerreiros e exímios na arte de cavalgar, que poderão ter influenciado profundamente os seus «vizinhos» orientais, os Hunos.

Sucede que, de acordo com certa versão do mito céltico arturiano, Excalibur é na verdade Caledfwch, a Espada de Nuada, Deus guerreiro e soberano irlandês, que em Gales se chamaria Nudd, e na zona da actual Inglaterra, talvez Nodens, embora esta última equivalência seja frágil.

Entretanto, outro Deus irlandês da guerra é Net, que, segundo alguns, é outro nome de Nuada. Net ou Neit.
Na Ibéria, o culto religioso de significado melhor conhecido na actualidade terá sido o de Neton, no sudeste da Ibéria. Na Lusitânia aparecem inscrições de nomes divinos tais como Netus e Netoni; no norte de Espanha, encontrou-se Neitin e Neito. De notar que o irlandês Nuadu tinha como epíteto «Braço de Prata», porque perdeu uma mão/braço em combate. Ora os Lusitanos sacrificavam a mão direita dos inimigos ao Deus da Guerra, e os Citas sacrificavam ao seu Deus da Guerra o braço direito dos inimigos...

O mais intrigante é que no norte do Egipto, Neit é o nome de uma Deusa da Guerra... e, na cidade de Heliópolis, igualmente no norte egípcio, havia, segundo Macróbio, um culto ao touro em que ao animal se chamava Neton. Interessantemente, o touro parece estar na Ibéria, pelo menos na Ibéria céltica, associado ao Deus da Guerra...

Não se pense que as referências aos Gregos e aos Egípcios representam forçosamente qualquer destes dois povos, etnicamente falando.

É essencial perceber que esta e outras narrativas de carácter mais ou menos mitológico, como, na Irlanda, a história dos Filhos de Mil (os Mileadh), foram passadas a escrito por monges cristãos, que eram os que, no dealbar da Idade Média, controlavam o ofício da pena, e que por conseguinte inseriam pormenores da sua lavra nas lendas e mitos que punham no papel, pormenores esses que obedeciam sempre aos interesses ideológicos do Cristianismo, pelo que surgem, em várias passagens de histórias irlandesas, ligações dos povos irlandeses a judeu Noé.

É igualmente crucial ter em conta que, independentemente dos interesses ideológicos judaico-cristãos, há ainda a questão das referências culturais dos copistas, todas do Mediterrâneo, ora bíblico, ora greco-romano. Como quem conta um conto aumenta um ponto, e identificar os elementos da história com algo conhecido torna-a, à história, mais significativa e exaltante, sucede que não raras vezes se atribuíam a povos antigos famosos certos feitos e/ou raizes. Por exemplo, quando se diz que Ulisses fundou Lisboa, isso não significa forçosamente que a capital do país foi criada pelo herói da Odisseia, mas sim, talvez, que os fundadores de Lisboa terão vindo do Mediterrâneo Oriental - e podiam ser Gregos, ou, por exemplo, Fenícios, como dizem alguns autores, ou ainda arcaicos e hoje desconhecidos migrantes provenientes do seio dos chamados Povos do Mar, quase todos indo-europeus...

E é este conceito de Povos do Mar que mais interessa reter, de momento. Dá-se esta designação à grande onda invasora, constituída sobretudo por gentes indo-europeias, que no final do segundo milénio a.C. (cerca de 1200 a.C.) se lançou do extremo leste do Mediterrâneo Oriental para oeste, assolando a Grécia, o Egipto e tudo o mais que apanhassem pela frente. Entre estes Povos do Mar, estavam por exemplo os Shardanas, que foram repelidos do Egipto e que, segundo fonte egípcia, fugiram para o extremo ocidente do Mediterrâneo... poderão estar na origem do nome da Sardenha?
Alguns destes Povos do Mar podem ter passado pelo Egipto, como diz Ferreira do Amaral na valiosa obra «Portugal e os Filhos de Caim», antes de continuarem a sua marcha para Ocidente... e, pela mesma via mediterrânica, ou talvez não, podem ter chegado povos irânicos, parentes de Citas e Cimérios.
Ora, como se tem já investigado desde há muito, Citas e/ou Cimérios terão tido forte relação e até mistura com os arcaicos Celtas (e foi decerto nisso que se baseou Robert Erwin Howard para criar o seu Conan «cimério» que é, em tudo, um celta...). Os cavalos rápidos e ligeiros dos Celtas e dos Citas fazem lembrar o que Estrabão disse dos cavalos da Lusitânia, cujas éguas eram «fecundadas pelo vento». Os irmãos Ferreira do Amaral dizem por seu turno que os Lusitanos muito teriam de irânico, e é se não fossem essencialmente indo-irânicos.

5 Comments:

Anonymous Anónimo said...

«Os irmãos Ferreira do Amaral dizem por seu turno que os Lusitanos muito teriam de irânico, e é se não fossem essencialmente indo-irânicos.»


imbecis!

17 de abril de 2010 às 13:57:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

"Os irmãos Ferreira do Amaral dizem por seu turno que os Lusitanos muito teriam de irânico, e é se não fossem essencialmente indo-irânicos."


o cu deles é que deve ser indo-iranico!

17 de abril de 2010 às 18:14:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

É POR QUE VC´S ACHAM QUE OS INDO-IRANICOS ANTIGOS SÃO ESTA MERDA QUE VEMOS HOJE JA CORROMPIDOS PELOS RESIDUOS DA IDADE MEDIA DO INDICO COMERCIALIZANDO ESCRAVOS DO LESTE DE AFRICA PELO MED ORIENTAL; ELES HABITARAM A ASIA CENTRAL QUANDO ELA NEM SONHAVA EM SE AMARELIZAR..!!

MAS DE QUALQUER MODO A HISTORIA É MUITO SEMITIZADA E TEM COTA ATÉ PRA ETIOPES, QUANDO NA VERDADE A AKSUM ANTIGA ERA APENAS A ERITREIA ANTIGA E PARTE DO NE DA ETIOPIA ANTIGA/PUNT(NEW IEMEM ANTIGO), DO MESMO MODO QUE O NORTE DA NUBIA FOI FUNDADO POR EGIPCIOS E NAPATA ANTES DE SER CAPITAL DELES ERA UMA MERA COLONIA DO EGITO..!!

18 de abril de 2010 às 07:43:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

acabei ontem de ler o ensaio que encontrei por acaso na biblioteca municipal...só tenho uma palavra: parabens.

1 de junho de 2010 às 05:59:00 WEST  
Blogger Maria João de Viveiros Ferraz said...

Tão pouco se encontra sobre este assunto.... Parabéns!!!! Grata!!!

11 de julho de 2018 às 22:22:00 WEST  

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