terça-feira, setembro 23, 2008

AS MOIRAS ENCANTADAS - II


A segunda parte do artigo sobre as Moiras Encantadas de Consiglieri Pedroso, enviado pelos amigos Inês e Silvério, cuja primeira parte se publicou ontem:

GUARDADORAS DE TESOUROS

II – Por uma associação de ideias perfeitamente natural, depois das fontes e dos ribeiros, é nos penedos e nas penhas que a imaginação popular vai ainda achar as Encantadas; mas aqui especialmente com a feição peculiar de guardadoras de tesouros.
Assim, numas pedras ao pé da igreja de S. Cristovão de Mafamude (Porto), dizem que anda uma Moura Encantada numa cobra muito grande. As pessoas que a viram afiançam que ela tem na cabeça cabelo como uma mulher.
As mouras encantadas saem à meia-noite do dia de São João e vão pentear-se sobre os montes. Penteiam-se com pentes de ouro e miram-se na Lua. Depois vão buscar o seu tesouro, que está escondido ou nas ruínas de algum palácio, ou debaixo de alguma pedra, ou junto a alguma árvore e este tesouro tem a particularidade de luzir de noite (Porto).
Na noite de São João aparecem, nas fontes e nos penedos, as bichas mouras sob a figura de cobras, com cabelo na cabeça. Trazem um tesouro de ouro nas mãos e, quando encontram alguém, perguntam-lhe: “qual quereis vós, os meus olhos ou a minha tesoura?”. Se a pessoa responde que quer antes a tesoura as bichas mouras vão-se embora muito tristes: se pelo contrário a pessoa interrogada diz que antes quer os olhos, elas trepam por ela acima, dão-lhe muitos beijos e desencantam-se transformando-se em Formosas raparigas, depois do que dão em paga muitas riquezas (Oliveria de Azeméis).
Um velho foi uma vez a um campo na madrugada de São João e viu muitos figos estendidos à orvalhada. Apanhou uns poucos e meteu-os nos bolsos. Quando ia chegando a casa sentiu as algibeiras pesas. Foi a ver e encontrou-as cheias de dinheiro. Um cão que ia com ele e que tinha comido também dos mesmos figos, começou a lançar igualmente dinheiro (Castanhede, perto da foz do Tua). Estes figos são uma das formas favoritas que revestem os tesouros das mouras encantadas.
Assim, segundo outra versão, na madrugada de São João vão as Mouras estender os seus tesouros à orvalhada no campo. Se alguém passa, os apanha e os não come, transformam-se em verdadeiros tesouros. Se, porem, a pessoa que os apanhou, os come, reduzem-se logo a carvão (Celourico da Beira).
Também nuns penedos que há junto à foz do Tua, aparece em certos dias roupa muito brilhante e alva, estendida pelas Mouras.

Na Galiza existe uma tradição parecida, mas nos outeiros (montes) em vez de roupa, são barracas de linho muito brancas que de longe se divisam, desaparecendo porém logo que alguém delas se aproxima (Carvallino, província de Orense).
Ainda na Galiza, onde a crença nas Mouras Encantadas tem grande vitalidade, coligimos mais as duas seguintes lendas:
Andava uma vez uma rapariga a pastar gado no monte, quando lhe apareceu uma Moura Encantada a pedir-lhe que a catasse na cabeça, recomendando-lhe, porem, que não molhasse os dedos com cuso (sic). A rapariga assim o fez. Logo que a acabou de catar, a Moura deu-lhe uma coisa embrulhada, dizendo-lhe que a não visse antes que chegasse a casa. A rapariga, contudo, não pôde conter a curiosidade e, enquanto o gado estava a beber, foi ver o que a Moura lhe tinha dado. Teve, porem, apenas tempo de reparar que era uma coisa luzente, que saltou para a água e não tornou a aparecer. A rapariga foi daí contar à família o suecedido, e a mãe disse-lhe que se ela tivesse cuspido nos dedos a Moura ter-se-ia feito em dinheiro (Orense).
Era uma vez um homem que ia buscar um molho de lenha ao monte para a mulher cozer pão. No caminho encontrou uma cobra ao pé de um regueiro. A cobra mal o viu, pediu-lhe se ele a passava ao colo para o outro lado do regueiro (ribeiro). O homem disse que não, que ao colo não a passava; mas que a passava em cima do molho de lenha que levava às costas. A cobra tornou-se a dizer, que se ele a passasse ao colo, fazia a sua felicidade. O homem, porém teimou e passou-a no molho. Quando chegou ao meio do regueiro, a cobra desfez-se metade em muito dinheiro que foi por um lado do rio abaixo, e a outra metade fez-se numa menina mais linda que uma rosa, a qual lhe disse: “se tu me tivesses passado ao colo, eu dava-te um beijo, quando chegasse ao meio do regueiro, e este dinheiro ficava todo aqui, e eu casava contigo, porque se me quebrava o encanto. Mesmo assim vou-te fazer feliz, mas hás-de fazer o que eu te digo, hás-de ir pela manhã cedo àquele outerio (penhasco), que é um moutro encantado, e hás-de gritar-lhe que te atire o que ele tem debaixo do braço esquerdo (Orense).
Estas mesmas tradições repetem-se por todas as províncias de Portugal. Na costa da Raxida (freguesia de Cortes) crê-se que os Mouros estendem a exugar roupa muito branca, que desaparece sem se ver apanhar. Um dia foram lá alguns homens para roubarem a roupa, mas de repente ela sumiu-se, como por encanto. O mesmo se conta na costa das Galhetes (freguesia das Cortes) e nos Mouriços (propriedade da mesma freguesia).
Em Riba d’Âncora conta-se que uma mulher vira uma Moura perto de uma estação arruinada, chamada Picoto dos Mouros. A Moura era uma cobra que fitava a mulher de certo modo. Pelo mesmo tempo, a mesma mulher ouviu na encosta do monte do Picoto um relógio dar onze horas nas entranhas da terra.
Na Citania, também se conta que um homem ia passando uma vez, perto das trindades, pelo caminho que vai pelo sopé do monte, quando viu uma moça muito formosa (Moura Encantada) à beira da estrada, mas do lado do monte. Mal tinha dado alguns passos, quando ouviu uma voz muito fina dizer: “Eu já tive e agora não tenho”. Voltou-se para trás, mas já não viu a Moura.
Em Donim (freguesia a que pertende parte do monte onde está a Citânia) está localizada a seguinte lenda:
Um homem tinha sido levado cativo para a Moirama (a moirama representa um papel importante nos nossos contos populares como terra de encantamentos). Há anos que lá estava, quando um dia o senhor dele lhe disse: “tua mulher vai-se casar”. O homem ficou muito triste. O moiro disse-lhe então: “quanto darias tu, se te visses ainda hoje na tua terra?”. Respondeu o homem que não podia dar nada porque nada tinha. “Se jurares fazer o que te disser, continuou o moiro, ponho-te lá dentro de um instante”. O homem prometeu que sim, contanto que o que se lhe pedia não bulisse com a salvação da sua alma. Depois de lhe afiançar que não, o mouro disse: ”amanhã, de manhã cedo, hás-de ir à veiga de tal (e disse-lhe o nome da veiga). Está lá uma pedra branca que os lavradores costuma sempre pôr na grade, quando ali lavram. Pega nela e deita-a ao rio. Agora vou-te dar a escolher, tornou o mouro, ou o cavalo do vento ou o do pensamento. Logo que chegues á porta da tua casa, hás-de dizer: - arre burro, com todos os diabos! – agora escolhe qual queres? O cavalo do vento ou o do pensamento?”.
O homem escolheu o cavalo do pensamento, e de repente sentiu-se levado pelos ares fora, e num lampo (sic) estava à porta da sua casa. Pendurou-se num ramo da figueira e disse: “arre burro, com todos os diabos!”. E o cavalo em que ele tinha vindo desapareceu num sopro.
Dentro de casa ia grande a festa. No dia seguinte ia casar a mulher. O homem bateu à porta e falou-lhe a voz da mulher perguntando-lhe quem era. Respondeu ele que era o seu homem. “O meu homem morreu na Moirama!”, disse a mulher. Mas ele disse-lhe que visse a metade do anel, que ia meter-lhe por debaixo da porta, para conhecer a verdade. A mulher então conheceu a metade do anel que era igual à outra metade do anel que ambos tinham partido no dia do casamento.
No dia seguinte, o homem foi à veiga de Donim, como prometera ao mouro, e deu logo com a pedra. Pegou nela e atirou-a ao rio (Ave). A pedra abriu-se de repente, mas ficou boiando à tona de água e apareceu, sentada nela e a pentear os cabelos, uma Moura muito formosa que dizia muito contente que ia para a sua terra. E lá foi pelo rio abaixo.
Defronte de Donim há um sítio em que fala uma “Moura Encantada” (um eco). O mesmo sucede em Vila Nova de Sande (Conselho de Guimarães). Nas Caldas das Taipas, o penedo das Letras (assim chamado por ter uma inscrição romana) abre-se na noite de São João e sai dali uma Moura.
Havia na Citânia uma mina, que ia dar ao rio Ave, que passa a um quarto de légua do monte. Diz-se que uma vez um homem mais atrevido entrou nela, e depois de andar e tornar a andar, chegou a um sítio, onde viu um mouro com um barrete na cabeça, muito ouro diante de si e a bater pausadamente com um martelo. Tudo isto ficava por detrás de uma grade de ferro.

Às vezes os tesouros das Mouras Encantadas aparecem sob a forma de animais. Assim, diz-se na Citânia que tem ali sido vista uma Moura a fiar e a guardar ovelhas, que são os seus tesouros encantados.
Outras particularidade da lenda das “Mouras Encantadas” é a sua paixão pelo leite, em troca do qual elas dão à pessoa que lho traz grandes riquezas. Este elemento foi evidentemente introduzido na lenda, em virtude da confusão entre as “Encantadas” e as cobras sob cuja forma elas por vezes, como vimos, aparecem.
É geral, como se sabe, e arreigada no nosso povo, a crença de que quando há uma criança de mama que está magra, é porque de noite uma cobra vem mamar no peito da mãe, metendo o rabo na boca da criança para a enganar. Também se crê que para apanhar uma cobra basta colocar no sítio onde ela costuma aparecer um alguidar de leite.
É esta, enquanto nós, a origem das seguintes lendas:
Em vila Nova de Anços (Soure) as Mouras Encantadas estão nas tocas e pedem aos pastores, que passam por ali, que lhes levam leite para elas beberem, perguntando-lhes se eles em troca querem dinheiro. Estas Mouras são gente da cintura para cima e serpente da cintura para baixo.
Algumas pessoas das Fontes iam vender às Cortes, e apareciam-lhe Mouras – a metade superior de gente e a outra metade cobra. Uma das mouras disse um dia a uma leiteira para pedir à mãe, que lhe desse licença para lhe levar um asado de leite. A leiteira arranjou licença da mãe.
A Moura recebeu o asado cheio de leite, e deu-o à rapariga cheio de ouro, mas com a condição de ela o destapar só em casa. A leiteira não se teve que não visse o que o asado levava e, como lhe parecessem carvões despejou-os no monte, ficando dentro do asado alguns agarrados pelo leite.
Quando chegou a casa disse à mãe que lhe tinham enchido o asado de oiro, mas com a condição de o ver so em casa, mas que o tinha destapado no caminho e, como visse só carvões, deitara-os fora. A mãe viu o asado e os carvões que la tinham ficado convertidos em oiro. Disse depois à filha que fosse buscar os carvões que deitara fora. Esta foi, mas já lá os não encontrou.

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

SABEIS PORQUE É QUE DEUS FEZ O NEGRO?

NÃO?

EU DIGO.FOI PARA MOSTRAR AO DIABO QUE TAMBÉM SABIA FAZER MERDA...

24 de setembro de 2008 às 09:36:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

Então Caturo, afinal sempre a Moiras na Galiza. Ou seja, Tradição Portuguesa que não respeita fronteiras políticas, apenas culturais e espirituais.

Fascinante...

24 de setembro de 2008 às 14:44:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

há Moiras na Galiza... por vezes o teclado falha...

24 de setembro de 2008 às 14:45:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

«Então Caturo, afinal sempre a Moiras na Galiza. Ou seja, Tradição Portuguesa que não respeita fronteiras políticas, apenas culturais e espirituais.

Fascinante...»

Cultura Galaico-Portuguesa. E daí?

25 de setembro de 2008 às 11:30:00 WEST  

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