«DEUSES E LEGIÕES»
Acabei há dias de ler «Deuses e Legiões», livro do norte-americano Michael Curtis Ford que narra a gesta do imperador Juliano.
Como é sabido por quem ande por este fórum, Juliano foi um imperador romano que, de 360 a 363, travou o avanço totalitário do Cristianismo e restaurou o Paganismo que tinha já começado a ser perseguido pela hoste do judeu crucificado.
A obra de Curtis Ford tenta representar o ponto de vista cristão desta história pela pena do médico pessoal de Juliano, Cesário, aqui feito narrador-participante que conta o sucedido ao seu irmão, o bispo Gregório de Nazianzo.
Para além duma ou doutra passagem que faz pensar em anacronismo grosseiro, e, diga-se, da evocação de vários pormenores valiosos da cultura clássica, justiça lhe seja feita, o que mais se salienta nas trezentas e tal páginas do texto é a vontade de fazer crer ao leitor que Juliano até era um gajo porreiro, mas cujas manias de grandeza, bem como de (justa) vingança pelo assassínio da sua família, o fizeram dar uma importância imensa ao Paganismo e vai daí começou a enlouquecer. A teoria é duma inverosimilhança atabalhoada cujo propósito nenhuma erudição consegue esconder: trata-se de transmitir a ideia de que o apego à herança religiosa ancestral é que deu cabo do juízo a um jovem que até era inteligente e corajoso. Na personagem que Curtis Ford atribui à figura histórica de Juliano, a passagem da racionalidade e da lucidez à megalomania destravada e cruel não está nada bem explicada; ao mesmo tempo, todos os pagãos que aparecem são representados como mais ou menos loucos, especialmente o filósofo Máximo, determinante na formação de Juliano; de resto, nenhuma linha de raciocínio pagã é exposta ao longo das três centenas de páginas, o que não deixa de ser no mínimo estranho, em tratando-se da saga dum homem que vivia em função da sua religião e da sua filosofia. O apreço de Juliano pelos Deuses antigos é inteiramente atribuido a um objectivo prático e funcional por parte do dito imperador, como se só lhe interessasse usar as crenças antigas como ferramenta política, que é, coincidentemente, o que os cristãos gostam de dizer do Paganismo antigo como forma de lhe tirar o valor espiritual e ideológico...
Significativamente, a única argumentação religiosa que aparece em força no livro, e sem ser rebatida, é a versão cristã da sua luta contra o Paganismo:
«Os Gregos inventaram a filosofia para tomar o lugar da religião, e foram bem sucedidos porque as crenças pagãs dos nossos antepassados contradiziam o desejo dos homens de razão e fé razoável. No Cristianismo, porém, os filósofos gregos encontraram algo à altura, e saíram derrotados.»
Ou seja, treta atrás de treta, porque, na verdade,
- nunca a Filosofia substitui a Religião na Grécia, e o maior dos filósofos gregos, Platão, era fortemente religioso e até preconizava uma cidade ideal na qual a religião politeísta seria obrigatória («Leis»);
- no Paganismo, não há necessidade de acreditar em mitos, pois que o essencial é o rito;
- os mitos pagãos não são em nada mais absurdos do que os cristãos; de resto, o cristão, para ser cristão, está obrigado a acreditar nos mitos cristãos, pois que ninguém é cristão se não acreditar que o seu Judeu Morto ressuscitou e saiu do caixão em direcção ao céu, e isto não é nem de perto nem de longe minimamente compatível com a racionalidade, estando pois muito longe de poder ser tido como «fé razoável»;
- os cristãos só «derrotaram« os filósofos gregos por meio dum «argumento» muito «eficiente», a saber, o da perseguição política e violenta, da qual um dos episódios mais marcantes foi o encerramento da Academia de Atenas, precisamente porque os filósofos continuavam afinal ligados ao Paganismo...
No fim do livro, um toque, digamos, ultra-tipicamente-cristão no pior sentido, e sem ofensa para os camaradas cristãos: o da chantagem moral baseada na emotividade da cura quase milagrosa duma criança cristã, a querer legitimar perante os olhos do leitor a traição fanática e cristã que o médico comete contra o seu imperador e contra Roma.
Efectivamente, as circunstâncias da morte de Juliano em combate nunca foram esclarecidas, havendo quem a atribuísse a um dardo inimigo mas também quem afirmasse que o dardo foi afinal atirado por algum cristão que fazia parte do exército romano de Juliano. O que é certo é que, o cronista cristão Joannes Malalas deixou registado que o bispo Basílio de Cesareia tinha mandado assassinar Juliano... e, mais tarde, os cristãos contaram que o imperador apóstata tinha sido morto por um «santo». Coincidências...
Como é sabido por quem ande por este fórum, Juliano foi um imperador romano que, de 360 a 363, travou o avanço totalitário do Cristianismo e restaurou o Paganismo que tinha já começado a ser perseguido pela hoste do judeu crucificado.
A obra de Curtis Ford tenta representar o ponto de vista cristão desta história pela pena do médico pessoal de Juliano, Cesário, aqui feito narrador-participante que conta o sucedido ao seu irmão, o bispo Gregório de Nazianzo.
Para além duma ou doutra passagem que faz pensar em anacronismo grosseiro, e, diga-se, da evocação de vários pormenores valiosos da cultura clássica, justiça lhe seja feita, o que mais se salienta nas trezentas e tal páginas do texto é a vontade de fazer crer ao leitor que Juliano até era um gajo porreiro, mas cujas manias de grandeza, bem como de (justa) vingança pelo assassínio da sua família, o fizeram dar uma importância imensa ao Paganismo e vai daí começou a enlouquecer. A teoria é duma inverosimilhança atabalhoada cujo propósito nenhuma erudição consegue esconder: trata-se de transmitir a ideia de que o apego à herança religiosa ancestral é que deu cabo do juízo a um jovem que até era inteligente e corajoso. Na personagem que Curtis Ford atribui à figura histórica de Juliano, a passagem da racionalidade e da lucidez à megalomania destravada e cruel não está nada bem explicada; ao mesmo tempo, todos os pagãos que aparecem são representados como mais ou menos loucos, especialmente o filósofo Máximo, determinante na formação de Juliano; de resto, nenhuma linha de raciocínio pagã é exposta ao longo das três centenas de páginas, o que não deixa de ser no mínimo estranho, em tratando-se da saga dum homem que vivia em função da sua religião e da sua filosofia. O apreço de Juliano pelos Deuses antigos é inteiramente atribuido a um objectivo prático e funcional por parte do dito imperador, como se só lhe interessasse usar as crenças antigas como ferramenta política, que é, coincidentemente, o que os cristãos gostam de dizer do Paganismo antigo como forma de lhe tirar o valor espiritual e ideológico...
Significativamente, a única argumentação religiosa que aparece em força no livro, e sem ser rebatida, é a versão cristã da sua luta contra o Paganismo:
«Os Gregos inventaram a filosofia para tomar o lugar da religião, e foram bem sucedidos porque as crenças pagãs dos nossos antepassados contradiziam o desejo dos homens de razão e fé razoável. No Cristianismo, porém, os filósofos gregos encontraram algo à altura, e saíram derrotados.»
Ou seja, treta atrás de treta, porque, na verdade,
- nunca a Filosofia substitui a Religião na Grécia, e o maior dos filósofos gregos, Platão, era fortemente religioso e até preconizava uma cidade ideal na qual a religião politeísta seria obrigatória («Leis»);
- no Paganismo, não há necessidade de acreditar em mitos, pois que o essencial é o rito;
- os mitos pagãos não são em nada mais absurdos do que os cristãos; de resto, o cristão, para ser cristão, está obrigado a acreditar nos mitos cristãos, pois que ninguém é cristão se não acreditar que o seu Judeu Morto ressuscitou e saiu do caixão em direcção ao céu, e isto não é nem de perto nem de longe minimamente compatível com a racionalidade, estando pois muito longe de poder ser tido como «fé razoável»;
- os cristãos só «derrotaram« os filósofos gregos por meio dum «argumento» muito «eficiente», a saber, o da perseguição política e violenta, da qual um dos episódios mais marcantes foi o encerramento da Academia de Atenas, precisamente porque os filósofos continuavam afinal ligados ao Paganismo...
No fim do livro, um toque, digamos, ultra-tipicamente-cristão no pior sentido, e sem ofensa para os camaradas cristãos: o da chantagem moral baseada na emotividade da cura quase milagrosa duma criança cristã, a querer legitimar perante os olhos do leitor a traição fanática e cristã que o médico comete contra o seu imperador e contra Roma.
Efectivamente, as circunstâncias da morte de Juliano em combate nunca foram esclarecidas, havendo quem a atribuísse a um dardo inimigo mas também quem afirmasse que o dardo foi afinal atirado por algum cristão que fazia parte do exército romano de Juliano. O que é certo é que, o cronista cristão Joannes Malalas deixou registado que o bispo Basílio de Cesareia tinha mandado assassinar Juliano... e, mais tarde, os cristãos contaram que o imperador apóstata tinha sido morto por um «santo». Coincidências...
5 Comments:
Quando oiço falar da luta de certos romanos contra o "totalitarismo" cristão, farto-me de rir.
Ó Caturo és um must.
Isso, põe umas aspas ao totalitarismo cristão e força um bocado o riso, pode ser que assim consigas levar a conversa para o gozo e fazer esquecer que o Cristianismo foi mesmo imposto pela via categoricamente totalitária...
eu tbm li sobre Juliano, "o Apóstata", como os Cristãos gostam de rotulá-lo. que Cristãos não sabem coisa alguma de história vá lá, mas me causa asco ver neopagão, bruxo e wiccano falar que Juliano era "pagão".
eu tbm li sobre Juliano, "o Apóstata", como os Cristãos gostam de rotulá-lo. que Cristãos não sabem coisa alguma de história vá lá, mas me causa asco ver neopagão, bruxo e wiccano falar que Juliano era "pagão".
Não percebi. Podia ser mais preciso na razão pela qual lhe causa o dito asco? Não era Juliano pagão? Quais as suas objecções concretas ao que o Caturo referiu nesse sentido?
Para mim, que sou Pagão (embora mais afastado da Wicca hoje em dia do que há anos atrás, por várias razões) não me choca no mínimo que Juliano fosse Pagão, tanto pela prática como iniciação nos Mistérios de Elêusis - mas mais pela sua acção corajosa e infelizmente derrotada pelo abolutismo que se aproximava. Mais do que isso Juliano pode ser visto como um símbolo - embora já tenha lido em páginas da "Wicca" Norte-americana um distanciamento devido ao facto do seu Paganismo ter uma forte componente filosófica, mas isso é ignorar que o Paganismo nunca exigiu "profissão de fé" nos mitos, apenas respeito pelos cultos e ritos. Não seria a primeira nem a última acusação de "agnosticismo" e "monocentrismo" que se faria a um pensador Pagão, aplicando mais das vezes a visão limitativa das religiões semitas aos cultos Pagãos (que não impedem a adoração em particular de determinados Deuses ou sequer uma abordagem puramente filosófica).
Estou sinceramente curioso, nada mais, pelo que gostava de ouvir as suas objecções relativamente à "paganidade" de Juliano.
Está faltando fazer um filme sobre Juliano, já estou até imaginando cenas do filme - cristãos ressentidos mordendo-se de inveja(que é o que sempre tiveram dos pagãos) e por fim mandando assassina-lo pelas costas(tipicamente cristão)
Juliano foi grande, como só um lider pagão poderia ser, cristãos são pequenos, mediocres, e antes que algum cristão venha com o argumento de que venceram o paganismo, sim, de fato,porque - MEIA-DUZIA DE CÃES VIRA-LATAS PODEM MATAR UM LEÃO!
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