sexta-feira, novembro 12, 2004

A SUPREMACIA POLÍTICA DO DIVINO OU COMO A SEPARAÇÃO ENTRE PODER TEMPORAL E ESPIRITUAL É UMA FALÁCIA

A retumbante vitória eleitoral de George Bush evidenciou, entre outras coisas, o poder da Religião no país mais poderoso do mundo. Isto é um facto incontornável, goste-se ou não (eu gosto) e aprecie-se ou não a religião de Bush e dos seus eleitores (eu não).

É até divertido que isto suceda, depois de haver tanta gente, nos séculos XIX e XX, a vaticinar o fim da Religião. Nessa altura, era moda acreditar que Deus nunca existira e que a Religião era já obsoleta.
Diz-se por exemplo que Nietzsche escreveu numa parede
«Deus morreu!
Assinado: Nietzsche.
Numa parede do hospital onde Nietzsche morreu, apareceu escrito
«Nietzsche morreu.
Assinado: Deus»

A filosofia materialista e iconoclasta dessa época viria a servir de base para edificar, a leste, o vasto e esmagador império da União Soviética, Estado militantemente ateu e totalitariamente anti-religioso; também a oriente, sucedeu que uma das mais antigas e prestigiadas civilizações do planeta, a chinesa, foi submetida por idêntica doutrina irreligiosa.
Ora umas décadas mais tarde, o colosso regido pela Rússia despencou fragorosamente, arrastando a maioria dos seus satélites ou Estados-lacaios na sua estrepitosa ruína. Afirmam alguns que tão aparatosa queda se deveu ao poder da Religião que, ao ser violentamente reprimida, reagiu com pujança e acabou por mostrar a quem pertencia de facto a preferência dos povos; havendo ou não exagero nesta versão dos factos, o que é certo é que o Comunismo combateu a Religião, impôs-se, reinou, degradou-se, caiu e a Religião lá permaneceu, como sempre esteve, dominando o que outrora fora o império do urso vermelho.
No país do dragão amarelo, por seu turno, as religiões tradicionais nunca foram por completo esmagadas; o Tibete, resiste espiritualmente; e a seita religiosa Falun Gong está a dar água pela barba às autoridades de Pequim.

No Ocidente, assiste-se ao crescimento do interesse geral da população por temas relativos à magia, ao ocultismo, ao esoterismo, à espiritualidade em geral.
Dizem os ateus mais optimistas que este fenómeno é tão somente o último estertor do religioso, do mágico, e que o futuro pertence, em definitivo, ao cientismo.

Todavia, nada indica que esta fase da História espiritual dos povos seja sol de pouca dura.
Antes pelo contrário, dado que não se trata, neste caso, de uma explosão repentina, mas de um tendência que se tem vindo a intensificar ao longo dos anos.

Isto incomoda de sobremaneira a «elite» intelectual ocidental que, formada no ideário de Esquerda - portanto, ateu - vindo do século XIX com passagem pela geração do Maio de 68, tem dirigido até hoje a cultura oficial e até a política que se faz na Europa.
Esta elite não gosta de religiões (mesmo que a sua ética, esquerdista, derive da cristã) e não sabe lidar com este crescendo religioso. Não tolera Bush e Buttiglione, odiando mais o primeiro do que o segundo, porque o texano de orelhas em abano ganha eleições democráticas, sem apelo nem agravo - e a elite intelectual esquerdista, que se afigura exaltada sempre que se autoproclama guardiã da Democracia!!, grama poderosa facada nos costados quando o povo vota nos inimigos dessa elite, o horror!, a traição!, o que, francamente, deve ser traumático. E deve ser esse trauma que os faz, aos intelectuais e bem-pensantes esquerdistas, ter cada vez mais medo dos referendos, preferindo, cada vez mais, governar para o povo mas sem o povo, porque o povo é giro mas não está ainda devidamente «educado»(leia-se «mentalmente lavadinho») para pensar como deve ser, isto é, como mandam os sacrossantos dogmas de Esquerda. Querem portanto que o povo fique caladinho e deixe que os campeões do humanismo e dos «direitos humanos» falem em seu nome. Tal espécie de condutores não admite concorrência quando se trata de educar o povo e, acto contínuo, persegue, politicamente, e legalmente se puder, quem quer que promova ideais diferentes daqueles que são autorizados pela tropa humanista, universalista, igualitarista, materialista e agnóstica.

Agnóstica porque se diz agnóstica – muitos dos intelectuais de Esquerda liberal dizem-se hoje agnósticos, quando na realidade a maior parte deles são puramente ateus. Mas ser agnóstico é que está mais na moda (não há quase nenhum jovem universitário lisboeta que não se declare «agnóstico»), porque ser ateu está a parecer muito tosco e brutal, pouco subtil, e, segundo pensam, a subtileza é condição sine qua non para que possa haver inteligência, por isso é que mostram receio e/ou trocista repulsa por toda e qualquer declaração de princípios frontal e límpida, preferem tudo o que é assim assim mais ou menos indirecto, difuso, «complexo», «não tão simples como isso», nunca vermelho ou azul, nem branco nem preto, mas sempre, obrigatoriamente, bege e cinzento, tudo a bege e cinzento (se possível ao som duma merda dum jazz, que é música invertebrada, informe, feita para doentes do fígado que não podem ingerir nada de mais pesado do que um peixe grelhadinho temperado apenas com limão).
Falo, efectivamente, daquilo que Julius Evola definiu, mui rigorosamente, com a classificação de «larva insossa».
Ora a larva insossa não estava nada a contar com a vitória de Bush nem aprecia que um número crescente de pessoas escape à visão «existencialista» desesperadamente ateia. Infelizmente para a larva insossa, a única consequência do seu desagrado por estes factos é, cada vez mais, comer menos. Não obstante, a larva insossa controla ainda a informação de larga escala, quer ao nível da cultura promovida oficialmente, quer ao nível da imprensa, quer ao nível do ensino. As gerações educadas por tal cambada , vivem, em muitos casos, num marasmo vegetativo, sem acreditar muito seriamente em qualquer tipo de valores... e, em reacção vitalista, alguma desta gente adere vigorosamente a certas e determinadas religiões.
A Religião em si, dá um sentido de grandeza, de firmeza e de dever, que (re)vitaliza de forma tal que nenhuma doutrina materialista pode com ela competir. Não será por acaso que duas das mais afirmativas potências do mundo, os EUA, em primeiro plano e, também, o Japão, são em grande parte dinamizadas por populações solidamente ligadas aos cultos religiosos que sentem como tradicionais.

A actual tendência da espiritualização europeia, por seu turno, vai no sentido do individualismo esotérico, não necessariamente da religião em si, que continua parcialmente mal vista. É aliás frequente, nos meios neo-espiritualistas sofisticados, um certo desprezo pela religião: «ai, eu sou mais pela espiritualidade, não pelas religiões instituídas». Há aí uma desvalorização do Catolicismo, não em termos de ética propriamente dita, até porque a figura de JC é muito apreciada nesses meandros («o primeiro hippy/comunista», pensam alguns), mas sim no que o Catolicismo tem de mais romano, isto é, a formalidade e a verticalidade rígida e altiva da ordem clerical do Vaticano – o pretexto, costuma ser o da corrupção reinante em tais círculos hierárquicos; não é de negar a existência dessa degradação, antes pelo contrário; contudo, o verdadeiro motivo da repulsa é, nos casos dos espiritualistas da moda, a repulsa pela formalidade e pela rigidez.
E aqui se verifica que o veneno inoculado nas mentes por parte da larva insossa surte efeito – a Esquerda não gosta da forma, «a forma é fascista», como terá dito certo artista plástico citado por Alain de Benoist no prefácio do seu «Nova Direita, Nova Cultura».

E enquanto a Europa continua parcialmente submersa por relativismos e tibiezas morais e mentais, há outro grande bloco civilizacional que se expande mais violenta e rapidamente do que todos: o Islão, que se atreve já a pisar solo europeu com cada vez maior arrogância.
E o mais preocupante nisto, para um europeu consciente, é que não há nada mais forte do que a Religião.