domingo, julho 25, 2004

BATALHA DE OURIQUE

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Batalha travada em 25 de Julho de 1139, dia de Sant'Iago, entre as forças do nosso primeiro rei e as de um chefe islâmico denominado Esmar. A Batalha de Ourique associa-se à história da aclamação de Afonso Henriques como rei pela nobreza guerreira, em que se descreve o seu regresso triunfal a Coimbra, com a possível indicação de ter sido a partir desse momento que o infante passou a intitular-se rei.
Associada a esta batalha existe uma lenda que a descreve como uma batalha travada contra cinco reis mouros e ganha, ou pela força da protecção divina (versão clerical) ou pela valentia dos cavaleiros (versão nobiliárquica), num caso e noutro dispensadora de terras e riqueza, de reino e realeza.
No entanto sobre a batalha real pouca informação existe, o que leva a crer que o confronto de Ourique se teria traduzido, na realidade, numa refrega militar de modestas proporções, quando confrontada com as grandes batalhas da Reconquista.


História da Batalha

Reunidas as suas tropas, no burgo de Coimbra, em Maio de 1139, Afonso Henriques marcha já em fins de Junho sobre Leiria, onde agrega à sua hoste os cavaleiros-vilões e alguma peonagem dos novos concelhos fronteiriços. E daí, num impetuoso fossado sobre as terras sarracenas, interna-se no Gharb, assolando e saqueando lugares, devastando todo o país.
Não tinham esmorecido ainda tanto, apesar de em manifesta decadência, os brios militares dos almóadas, que não congregassem logo as suas tropas e as dos Mouros espanhóis para marcharem ao encontro da hoste afonsina, cortar-lhe o passo, desbarata-la.
Nos campos de Ourique, feriu-se a 25 de Julho a memorável batalha, a que os Mouros, sob o comando de Esmar, levaram num esquadrão, de amazonas as suas próprias mulheres, talvez por carência de forças neste rincão de Aurélia e outras dificuldades mais graves.
À exepção desta, afirma Herculano, as circunstâncias da Batalha de Ourique ignoram-se inteiramente. Sabemos só que Afonso Henriques desbaratou os sarracenos, cujo chefe, denominado nas crónicas portuguesas por rei Esmar, a custo salvou a vida com a fuga. O campo ficou alastrado de mortos, entre os quais se acharam os cadáveres de muitas das mulheres que ali tinham vindo e haviam perecido combatendo como as antigas amazonas.



Enquadramento Histórico da Batalha

Nos finais do século XII, após a morte de Afonso I (1185), um monge de Santa Cruz de Coimbra redigia no seu mosteiro uns anais do reinado do rei fundador, baseando-se e ampliando materiais historiográficos aí conservados, entre os quais se incluía uma continuação dos Annales Portucalenses Veteres abrangendo o período de 1116 a 1168. É nessa obra, conhecida sob a designação de Annales D. Alfonsi Portugalensim Regis e que abarca os anos de 1125 a 1184, que se desenvolve a narração do confronto de Ourique, uma batalha travada em 25 de Julho de 1139, dia de Sant'Iago, entre as forças do nosso primeiro rei e as de um chefe islâmico denominado Esmar. Tal narrativa ampliava consideravelmente a referida nos anteriores Annales Portucalenses Veteres: não só a vitória é atribuída à Divina Providência, como Esmar se torna chefe de um ciclópico exército, incluindo forças das praças mouras de Sevilha, Badajoz, Évora e Beja, tropas marroquinas e mesmo um destacamento feminino que o autor aproxima da figura mítica das Amazonas. Proeza bélica e retumbante que contrastava com a realidade que então se vivia: as invasões almóadas dos anos 80 e 90 faziam recuar a fronteira do reino à linha do Tejo; as fomes, pestes e outros cataclismos ocorridos pareciam pressagiar uma derrota cristã apocalíptica e iminente. Neste clima de insegurança e desordem, o monge crúzio exaltava, agigantando-as, as antigas vitórias de Afonso, alimentando o sentido da vingança cristã, a necessidade de uma geral repurificação que reactualizasse os tempos heróicos e benditos do rei fundador. Ao mesmo monge parece dever-se, na mesma época ou um pouco mais tarde, um outro texto, a Vida de São Teotónio, o santo que fora um dos fundadores do mosteiro, aí também se aludindo a Ourique, precisando-se que Afonso I vencera cinco reis pagãos devido ao patrocínio de Sant'Iago, cuja festa litúrgica decorria no dia em que se deu a batalha. O primeiro rei português e o primeiro prior crúzio evocavam-se assim num contexto ideológico de cruzada, de guerra santa, na perspectiva clerical de um monge angustiado pelo destino de um reino a quem o seu mosteiro se encontrava intimamente associado.


Episódio da Aclamação de Afonso Henriques como Rei

Mas, paralelamente ao relato crúzio de Ourique, é natural que um outra fonte de narrativa contemporânea, a Gesta de Afonso Henriques, dele se tenha ocupado. Nela é provável que a Batalha de Ourique se associasse à ficção da aclamação de Afonso como rei pela nobreza guerreira e se descrevesse o seu regresso triunfal a Coimbra, com a possível indicação de ter sido a partir desse momento que o infante passou a intitular-se rei. Tal texto, veiculando a imagem de um monarca guerreiro, de um primus inter pares, companheiro dos nobres e com eles solidário, reflectia a nostalgia que os cavaleiros de Coimbra tinham pelos tempos prósperos de Afonso: as contínuas incursões em território islâmico, os fossados, associados a saques e pilhagens, à sua fortuna e ascensão social. Tempos diversos dos que se viviam, marcados pelos progressos de uma guerra profissionalizada enquadrada pelas ordens religiosas militares e pelas milícias concelhias. Ourique tornava-se, assim, a memória de alegria da guerra e da consagração dos cavaleiros guerreiros, dos que fizeram os reis. É, portanto, no contexto político-social dos finais do século XII que se começa a esboçar a lenda de Ourique: batalha travada contra cinco reis mouros e ganha ou pela força da protecção divina (versão clerical) ou pela valentia dos cavaleiros (versão nobiliárquica), num caso e noutro dispensadora de terras e riqueza, de reino e realeza. Da batalha real pouco se sabe, incluindo a localização exacta em que se deu e a identidade do misterioso rei Esmar. As fontes árabes silenciam-na, assim como as crónicas castelhanas, omissão que tem sido interpretada como indício seguro de que o confronto, apenas reduzido a uma memória regional, nunca terá tido as dimensões que os textos de Coimbra mais tarde lhe atribuíram. Na sequência de Alexandre Herculano, admite-se hoje que Ourique tenha consistido num simples fossado, ainda que se conceba que nele pudessem estar envolvidas forças de algumas importantes cidades islâmicas chefiadas pelo respectivo governador ou alcaide, atendendo a que, em 1139, desde Abril, Afonso VII de Leão e Castela cercava a praça moura de Oreja, motivando a sua incursão em terreno inimigo a mobilização de tropas provenientes de todo o al-Andalus, podendo ter sido um dos seus contingentes aquele que foi derrotado em Ourique. Quanto ao título régio que, em sequência da batalha, teria assumido Afonso, não se negando que a vitória, naturalmente exagerada, pudesse ter algo a ver com o facto, prefere-se hoje relacionar o acontecimento com o cenário político hispânico da época, atribuindo-se decisiva importância a que Afonso VII se designasse imperador desde 1135 e a que já fosse suserano de dois reis peninsulares (Ramón Berenguer IV de Barcelona-Aragão e Garcia Ramires de Navarra), motivando então a sua ascensão hierárquica uma correlativa promoção titular do seu jovem primo, se bem que a ela se tenha oposto de 1140 (data da primeira intitulação régia conhecida de Afonso) a 1143 (Tratado de Samora). Mas, se o confronto de Ourique se teria traduzido, na realidade, por uma refrega militar de modestas proporções, quando confrontada com as grandes batalhas da Reconquista, tal não significa que progressivamente se não vá reelaborando a sua lenda, dele fazendo um dos mitos fundadores da nacionalidade. Nos anos 40 do século XIV um novo passo é dado nesse sentido pela Crónica Geral de 1344, do conde Pedro de Barcelos, a qual tem como uma das partes a hoje perdida Crónica Portuguesa de Espanha e Portugal, conservada através da IV Crónica Breve de Santa Cruz de Coimbra, texto onde se prosifica a Gesta de Afonso Henriques, pelo que reúne as interpretações que sobre Ourique foram produzidas nos finais do século XII. Sob o impacte directo da Batalha do Salado, acontecimento militar que reavivara os ideais de reconquista e cruzada, o conde de Barcelos consigna um novo elemento da lenda: à vitória de Ourique associa o momento da escolha de armas pelo novo rei, as quais se tornariam, por extensão, as do Reino, facto facilmente desmentido pela diplomática de Afonso I.


Lenda de Ourique (A Aparição de Cristo)

Será, contudo, no século XV que a lenda articulará todos estes elementos (vitória sobre cinco reis mouros; aclamação de Afonso como rei no campo de batalha; escolha das armas e escudo nacionais) numa nova narrativa difundida através da Crónica de 1419 de Fernão Lopes. A necessidade sentida pela nova dinastia de Avis em afirmar a sua legitimidade histórica, conjugada com os inícios de expansão e o novo impulso dado à ideologia de cruzada, faz, no entanto, que se acentue o protagonismo divino já presente na antiga versão da lenda: tendo como antecedente uma breve passagem incluída no Livro dos Arautos (1416), a Crónica de Fernão Lopes acolhe o episódio do denominado milagre de Ourique: o próprio Cristo, crucificado, teria aparecido a Afonso I nas vésperas do combate, anunciando-lhe o seu apoio para a derrota dos infiéis. Inserindo-se numa ampla rede de vaticínios e profecias que propagandeavam o carácter messiânico a protagonizar pelos reis de Avis, pelos sucessores do bastardo rei João, o milagre desempenhará, a partir daí, um papel nuclear na definição da legitimidade da monarquia portuguesa, apresentada como eleita e conduzida pela divindade, sendo, como tal, amplamente glosado pela historiografia do absolutismo, a qual esteve bastante ligada a autores de origem clerical. Sendo assim, não é de admirar que o liberalismo, movimento portador de uma nova visão da sociedade e, logo, da história, tenha mobilizado esforços para a crítica da lenda de Ourique, sobretudo em relação ao milagre, posição que valeu a Herculano uma acesa polémica com o clero, defensor das teses historiográficas consagradas no Antigo Regime. Porém, negar a lenda de Ourique não resolve, nem esclarece, o problema da sua existência e difusão, pelo que há que estudar sociologicamente o mito em si, para que se compreenda a sua eficácia e sedução.


Sobre este último ponto, digo eu, autor do Gladius, que a parte respeitante ao milagre tem, de facto, um aspecto claramente artificial, não só porque as fontes coevas de D. Afonso Henriques não o mencionam, mas também porque o episódio em si é demasiado semelhante àquele que é atribuído à vitória do imperador romano Constantino sobre Maxêncio, na Batalha de Ponte Múlvia, em 312, antes da qual teria aparecido ao vencedor uma visão do símbolo cristão formado por duas letras gregas, um ró e um khi, e sob a qual Constantino podia ler «In hoc signo vinces», isto é, «Sob este signo vencerás.». Constantino mandou que o dito símbolo fosse gravado nos escudos dos seus soldados e, efectivamente, venceu o combate.

O referido símbolo é como um P passando pelo centro de um X, formando uma espécie de estrela de seis pontas, símbolo solar pagão e, sabendo-se que Constantino era adorador do Sol, certos historiadores consideram que a visão foi, ao contrário do que dizem os cristãos, mais pagã do que cristã...

Voltando à batalha de Ourique, trata-se de um marco histórico fundamental para o País, não só pelo significado que tem para o reino em si, mas também porque, tanto ou mais que a batalha de Tolosa, é um episódio cuja actualidade é mais premente do que nunca, uma vez que o confronto entre a Europa e o mundo islâmico se aproxima cada vez mais.