terça-feira, março 04, 2025

A UNIÃO EUROPEIA TEM DE SE TORNAR MILITAR


Triste espectáculo foi o da conversa entre a dupla de cowboys da Casa Branca e o presidente ucraniano. Ou se trata de grande encenação, feita diante das câmaras talvez para tranquilizar os rufias do Kremlin, eu ainda gosto dessa ideia porque eu se fosse ianque teria votado em Trump, ou então a vergonha abateu-se sobre os bósses dos Ianques. Em qualquer dos casos, nada houve na imagem de edificante e tudo isto era escusado se a Europa tivesse poder militar. Poder militar. Agora, como há séculos, há milénios, há milhões de anos, e em todo o reino animal, não há segurança sem força. E, ao nível humano, se não há segurança, não há liberdade, logo, não há dignidade a não ser a dos que se preparam para lutar até à morte, o que é uma grande chatice, ou, quem sabe, refugiar-se em bastião para mais tarde se vingar. Eu se fosse ucraniano quereria acidentar várias centrais nucleares da Rússia (preferencialmente longe da Ucrânia). O problema dos Ucranianos é que, neste momento, não têm grande espaço para onde fugir a menos que emigrem todos, 44 milhões, para a Europa Ocidental, um milhão já «cá» está, faltam os outros 43, às tantas até substituíam bem todos os imigrantes do terceiro-mundo e ainda sobravam (muitos) para povoar a quase desértica Islândia (menos de quatrocentas mil pessoas para um território maior que Portugal, cabiam lá uns trinta milhões de pessoas no mínimo...), ou, até, a Gronelândia...
Já dizia o lusitano Viriato ao sogro, Astolpas, que todo o dinheiro que pudesse ter dependia da arma que o guardava. É verdade que o dinheiro comprou depois a lâmina com que Viriato foi assassinado à traição, mas a questão é essa, a lâmina, o ferro, a arma com que o mataram - sem isso, nada feito. A evidência de que sem armas não há paz no mundo dos mortais foi esquecida pelas elites sofisticadas do Ocidente, que achavam que a guerra era coisa dos terceiros-mundos e doutras épocas. De facto, até tinham alguma razão - o problema é quando os terceiro-mundistas ou análogos têm armas poderosas na mão, como se vê na Rússia. Por isto, e por outras que se calhar estão por vir, é que Macron, por muito que diga e faça obscenidades noutras áreas, teve pelo menos uma vez na vida razão quando sugeriu, há poucos anos, que a UE deveria tornar-se numa união militar. Nessa altura choveram-lhe insultos. Afinal teve nisso mais razão que qualquer outro líder do mundo ocidental.

segunda-feira, março 03, 2025

ANTROIDO, ENTRUDO, O CARNAVAL, CELEBRAÇÃO EUROPEIA















Carnaval, celebração de raiz porventura arcaica, essencialmente semelhante à Saturnália, mas com traços de outras festividades pagãs, nomeadamente da Lupercália, aqui descrita há poucos dias, e da Bacanália, na qual, ao mesmo tempo em que o líquido de Baco descia as gargantas e subia às cabeças, se podia dizer e fazer toda a sorte de deboches.
O Carnaval é efectivamente um tempo de pura descontracção, em que se pode fazer, dizer e até ser» virtualmente tudo «o que se quiser» - com os limites que a sociedade actual impõe, relativizando sempre o sentido do total que algumas festas poderiam ter originalmente, pois que, numa época em que são sempre precisos polícias, médicos, enfermeiros, etc., não se pode esperar que todos estejam ao mesmo tempo envolvidos numa dada celebração, como bem notou Roger Caillois em «O Homem e o Sagrado».
No antigo calendário romano, Fevereiro era o último mês do ano, época de contacto com os mortos, de purificação da cidade - é daí que vem o nome Fevereiro, de Februus, Deus Subterrâneo dos Mortos e das Riquezas - tendo assim um ambiente similar ao do Halloween céltico (Samhain, na língua irlandesa), o qual é, para os Celtas, a passagem de um ano para outro.
Neste extremo ocidente europeu, o Entrudo está actualmente muito influenciado pela cultura brasileira, o que contribui para um empobrecimento da tradição carnavalesca nacional: um povo sem orgulho, acabrunhado, deixa-se colonizar também nisto, especialmente quando a ideia de que a versão carioca de tal festividade «é que é o Carnaval por excelência» parece estabelecida como um facto indiscutível, e «toda a gente» a considera melhor que todas as outras.
E tal colonização, verdadeiramente kitsch porque feita com base na diluição da identidade cultural nacional, passa por cima até do mais prosaico bom senso - chega a infringir as mais elementares regras da sensatez no que ao clima diz respeito. Cá, ainda é Inverno e, por conseguinte, a tradição de cá não consistia em mostrar descomunais coxas, tantas vezes invernalmente anafadas, trajadas com roupas que deixam as pobres moçoilas semi-nuas a gramar um frio ventoso pelas carnes adentro.
Parece-me a propósito disto pertinente observar a diferença radical entre o Carnaval brasileiro e os Carnavais europeus - por mais diferenças que se verifiquem entre estes últimos, há algo que os caracteriza em comum por oposição ao do Rio de Janeiro: trata-se, quanto a mim, da valorização do não manifesto, do oculto, do acto de esconder.
A festividade carnavalesca brasileira é típica do Verão - com efeito, realiza-se numa altura em que o hemisfério sul vive o pico da estação quente. Por conseguinte, a celebração pauta-se pela abertura, pela exuberância da extroversão absoluta.
As festividades carnavalescas europeias, pelo contrário, são festas típicas do Inverno - têm lugar numa época do ano em que o hemisfério norte vive ainda na estação fria. Em assim sendo, tais celebrações caracterizam-se pela ocultação, pela exuberância duma introversão virada do avesso, ou seja, exibida perante os olhos de todos - e é isso a máscara.
Tornou-se lugar-comum a noção de que os Brasileiros, e demais latino-americanos, são especialmente extrovertidos (traço eventualmente africano, também presente nos EUA), ao passo que a Europa tende para a introversão - e quanto mais geograficamente afastados de África, mais introvertidos são os Europeus, com a estranha excepção do caso português, que, situando-se territorialmente no sul do continente, pauta-se todavia por uma marcada introversão, visível desde logo na sua pronúncia, que se assemelha genericamente à do gélido leste europeu.
Ora o Carnaval é, por excelência, a festa da quebra das regras, da excepção - faz-se nesta altura o que não se pode fazer durante o resto do ano.
Não obstante, os Brasileiros têm nesta época, não um momento de excepção, mas sim de intensificação do que já são no resto do ano; quanto aos Europeus, dão-se ao festejo desbragado, não raras vezes debochado, mas a coberto de máscaras.


Introversão e cultura europeia versus extroversão sul-americana: enquanto no Rio de Janeiro anda tudo ao léu, como na praia, em Veneza, por exemplo, vive-se um momento feérico, gerado pelo encontro da bizarria das refinadas máscaras (cujo potencial erótico e bizarro foi particularmente explorado em «Eyes Wide Shut», ou «Olhos Bem Fechados», de Stanley Kubrick) com o nevoeiro, que, segundo parece, é na cidade dos Vénetos frequente.

Bom seria, digo eu, que o carnaval português, em vez de receber a influência brasileira, tivesse ficado mais parecido com o veneziano. É que Lisboa até tem a sua névoa e o seu ar melancólico, sóbrio, triste segundo alguns, mas que, visto de outro modo, pode esconder mistérios e riquezas insuspeitadas. Tal atmosfera não tem muito a ver com roupagens verde-e-amarelo e com desfiles à maneira rio-de-janeirista, mas combina perfeitamente com o cenário construído pela máscara veneziana. Em Portugal, nos saudosos anos setenta e princípios dos anos oitenta, antes da maciça influência brasileira, as pessoas mascaravam-se a rigor (e tinham ainda menos dinheiro do que têm hoje), encarnando certas e determinadas personagens da realidade ou da fantasia; e eram incontáveis os que, mesmo não usando uniformes, acabavam todavia por ajustar a sua caraça de modo a bem esconder as respectivas ventas.



sábado, março 01, 2025

... COMEÇA MARÇO, MÊS DE MARTE...

                                           

Estátua de guerreiro romano encontrado nas ruínas das termas romanas dos cássios em Lisboa. Reconstituição de J.Espinho segundo a descrição que se conservou e publicado por Augusto Vieira da Silva na sua obra " Epigrafia de Olisipo: (subsídios para a história da Lisboa romana)" em 1944

É uma coincidência no mínimo interessante que esta figura marcial não tenha a mão direita, eventualmente por acidente sofrido pela estátua, algures no tempo ao longo dos milénios... a imagem traz à mente que na Lusitânia se oferecia a mão direita dos guerreiros vencidos aos Deuses, talvez aos da Guerra, tal como sucedia na Cítia, outra nação indo-europeia, com laços que a ligam aos Celtas arcaicos. Os Citas ofereciam o braço direito dos guerreiros inimigos em sacrifício ao Deus da Guerra.
Ora na Irlanda uma das principais Divindades é Nuadu do/a Braço/Mão de Prata - Nuadu Airgedlamh - porque o dito perdeu um/a braço/mão em combate recebendo em contrapartida um/a braço/mão de prata. E, na Celtibéria, um monumento no qual aparece o teónimo «Neitin» encontram-se imagens de várias mãos direitas. Neitin é eventualmente o mesmo que Neton, Deus da Guerra celtibérico, Cujo nome tem toda a parecença com o de Net ou Neit, Deus da Guerra Irlandês. Em Conímbriga encontrou-se uma inscrição dedicada a um Netus e em Cáceres, que fazia parte da Lusitânia, outra inscrição é dedicada a um Netoni. Neton é um Deus luminoso, segundo o testemunho de Macróbio, que diz que os Accitani veneravam com a maior devoção um «Marte», portanto, um Deus da Guerra, ao Qual chamavam Neton, que parecia ornada de raios, talvez porque brilhasse. Na figura acima a ideia de brilho está presente no tronco, atrás do escudo.

Marte, o Marte propriamente dito, latino, é tido na tradição romana como o Pai dos Romanos, Mars Pater, devido ao mito de que o fundador de Roma, Rómulo, seria filho de Marte e da vestal Reia Sílvia. Na Roma arcaica, Marte formava uma tríade com Júpiter e Quirino, tendo porventura devido a isso um flâmine maior. Os flâmines eram os sacerdotes dedicados ao culto de um Deus em particular. Existiam quinze, três ditos «maiores», enquanto os restantes eram considerados «menores». O de Marte, flâmine martialis, é um dos três maiores, segundo em importância relativamente ao de Júpiter.


Marte, protector de Roma, é não apenas Deus da Guerra mas também da Agricultura. Nalguns locais é ainda um defensor contra as doenças, como sucede na Gália, onde era sobretudo de carácter salutífero o culto de Mars Lenus, porventura um sincretismo com alguma Divindade local céltica. Actualmente, o rico e bem organizado património turístico na Alemanha permite uma visita ao templo de Mars Lenus em Marberg («Monte de Marte» em Alemão) por dois euros, com direito a permanecer no templo por muito tempo, deixar moedas de oferenda, até mesmo queimar incenso. Há até possibilidade de encomendar bolos no café local, com uma semana de antecedência, como eventualmente se pode ler aqui, em Alemão: http://incipesapereaude.wordpress.com/




Nesta data celebravam-se jogos circenses em Roma, ritos militares em honra de Mars Victor ou Marte Vitorioso; celebrava-se também a Matronália, festa em honra de Juno Lucina, que é Juno na Sua faceta de auxílio às grávidas; renova-se ainda o fogo sagrado da cidade, o de Vesta, Deusa do Fogo Sagrado do Lar e da Pátria.