SALÁCIA
Já aqui mencionei esta lenda diversas vezes, desde há mais de dez anos, mas gosto especialmente dos pormenores de ordem religiosa... Conta então Frei Bernardo de Brito
na sua «Monarquia Lusitana», que, no ano 33 a.c., o rei africano Bogud entrou na
Ibéria, matando e vandalizando edifícios, sendo todavia duramente enfrentado e
batido na zona da Andaluzia, passando por isso a atacar a área lusitana meridional,
entrando como corsário por Portimão, prosseguindo pela costa actualmente
portuguesa, dobrando o Cabo de S. Vicente e chegando a Setúbal, onde fez o que
era seu costume, a saber, saque, matança de mulheres e crianças, vandalismo.
Nisto,
uma hoste de autóctones foi em seu encalço e, quando chegou a Setúbal, já Bogud
tinha seguido caminho pelo rio, indo atacar Salácia, a cidade que é hoje
Alcácer do Sal. Aqui, nada poupou à sua fúria de ressentimento, chegando mesmo a atacar o templo «riquíssimo, & tido em grande veneração
dos Lusitanos, fundado em louvor da Nympha Salacia, que os antigos adoravam por
Deusa do Mar, & nosso Camões a faz namorada de Neptuno, & mãe de
Tritão», conforme diz Bernardo de Brito. Havia neste templo «dons riquíssimos,
de gente devota, particularmente, dos navegantes, que corriam a costa de
Portugal em suas embarcações, & queriam ter propícia aquela Ninfa tão
privada de Neptuno, a Quem atribuíam o império e senhorio das águas.» Bogud não
só saqueou o templo como até resolveu deitá-lo abaixo, além de cortar um bosque
aí plantado em louvor da Deusa, «conforme o costume da gentilidade», aduz
Brito. Arriba então a horda lusitana, disposta a matar ou a morrer
para vingar a afronta do saque e da destruição do seu templo, pelo que Bogud se
retira para os seus navios de maneira a fugir à ira dos indígenas. Um dia e uma
noite esteve o africano de âncora fundeada enquanto os lusitanos, indignados, da praia lhe
berravam insultos. Fez-se então à vela Bogud, sendo todavia seguido, à vista, pelos
autóctones, até que, na passagem do rio ao mar, a sua armada norte-africana foi
acometida por um forte vento, ficando à deriva, com a generalidade dos seus tripulantes «posta a cutelo pelos
nossos», ou seja, caiu nas mãos dos indígenas, enquanto o produto do
saque foi levado pelas águas em tormenta. Bogud escapou, mas a maior parte da
riqueza saqueada e da sua soldadesca quedou-se perdida. Narra então Brito o
seguinte: «Dos nossos não há que encarecer, pois se entende bem o estremado
contentamento que teriam, vendo-se vingados por modo tão extraordinário, o qual
atribuíam ao poder e grandeza da Ninfa Salácia que, como Senhora do Mar, ordenara
aquela tormenta para vingar o agravo feito à Sua honra. E por este benefício,
diz Aládio no livro dos sacrifícios dos» Lusitanos, resolveram «entre si reedificar
o templo à custa das riquezas ganhadas dos inimigos, & das próprias ornar
os altares de Ídolos mui avantajados em obra, & artifício dos primeiros.
Com este pressuposto, se tornaram todos contentíssimos ao templo da Ninfa e
puseram mãos à obra com tal diligência, que em poucos meses o tiveram
avantajado em tudo do que antes fora. Nem se deixava de trabalhar à conta de
gastos, por serem as dádivas tantas, que bastavam a maiores custos. Foi tanta a
fama do templo, & a opinião do caso, que atribuíam à Ninfa Salácia, que de muito
longe vinham gozar com os olhos o que ouviam de palavra, & do concurso da
gente, & de outra, que andava desgarrada de suas terras, por lhas ter Bogud
destruídas, se veio a pouco e pouco fazendo naquele lugar uma povoação de muita
conta, & crescia tão notavelmente em edifícios sumptuosíssimos, que
competia com as melhores de Lusitânia. Veio à notícia do imperador Octaviano
este caso, & o modo como sucedera, que ele estimou em muito, assim pelo dano
do seu inimigo Bogud, como pelo louvor dos seus Ídolos, ao culto dos Quais era
por extremo afeiçoado; e para com este se mostrar devoto, fez grandes favores à
nova povoação dando-lhe privilégio de município e privilegiando os moradores de
todo o género de tributo que se lançasse em Lusitânia. E para exaltar o nome da
Ninfa, e perpetuar a fama do caso que lhe atribuía, mandou que a cidade se
chamasse Salácia e fosse cidade imperial, recebida debaixo do amparo e
protecção imediata dos imperadores romanos.»
- In «Monarquia Lusitana», Volume I, Livro
Quarto, Capítulo XXIII, por Frei Bernardo de Brito a partir de 1597.
2 Comments:
Engraçado que 7 jogadores dum clube australiano rejeitaram usar camisa com símbolo LGBT.
Pelos comentários parece que eram todos aborígenes.
https://www.abola.pt/nnh/2022-07-26/raguebi-hepteto-de-jogadores-boicota-camisola-de-apoio-a-lgbtqia/950748
A diversidade tem liberdades que o oeste nao tem tipo cometer crimes
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