segunda-feira, julho 25, 2022

SALÁCIA


Já aqui mencionei esta lenda diversas vezes, desde há mais de dez anos, mas gosto especialmente dos pormenores de ordem religiosa... Conta então Frei Bernardo de Brito na sua «Monarquia Lusitana», que, no ano 33 a.c., o rei africano Bogud entrou na Ibéria, matando e vandalizando edifícios, sendo todavia duramente enfrentado e batido na zona da Andaluzia, passando por isso a atacar a área lusitana meridional, entrando como corsário por Portimão, prosseguindo pela costa actualmente portuguesa, dobrando o Cabo de S. Vicente e chegando a Setúbal, onde fez o que era seu costume, a saber, saque, matança de mulheres e crianças, vandalismo. 
Nisto, uma hoste de autóctones foi em seu encalço e, quando chegou a Setúbal, já Bogud tinha seguido caminho pelo rio, indo atacar Salácia, a cidade que é hoje Alcácer do Sal. Aqui, nada poupou à sua fúria de ressentimento, chegando mesmo a atacar o templo «riquíssimo, & tido em grande veneração dos Lusitanos, fundado em louvor da Nympha Salacia, que os antigos adoravam por Deusa do Mar, & nosso Camões a faz namorada de Neptuno, & mãe de Tritão», conforme diz Bernardo de Brito. Havia neste templo «dons riquíssimos, de gente devota, particularmente, dos navegantes, que corriam a costa de Portugal em suas embarcações, & queriam ter propícia aquela Ninfa tão privada de Neptuno, a Quem atribuíam o império e senhorio das águas.» Bogud não só saqueou o templo como até resolveu deitá-lo abaixo, além de cortar um bosque aí plantado em louvor da Deusa, «conforme o costume da gentilidade», aduz Brito. Arriba então a horda lusitana, disposta a matar ou a morrer para vingar a afronta do saque e da destruição do seu templo, pelo que Bogud se retira para os seus navios de maneira a fugir à ira dos indígenas. Um dia e uma noite esteve o africano de âncora fundeada enquanto os lusitanos, indignados, da praia lhe berravam insultos. Fez-se então à vela Bogud, sendo todavia seguido, à vista, pelos autóctones, até que, na passagem do rio ao mar, a sua armada norte-africana foi acometida por um forte vento, ficando à deriva, com a generalidade dos seus tripulantes «posta a cutelo pelos nossos», ou seja, caiu nas mãos dos indígenas, enquanto o produto do saque foi levado pelas águas em tormenta. Bogud escapou, mas a maior parte da riqueza saqueada e da sua soldadesca quedou-se perdida. Narra então Brito o seguinte: «Dos nossos não há que encarecer, pois se entende bem o estremado contentamento que teriam, vendo-se vingados por modo tão extraordinário, o qual atribuíam ao poder e grandeza da Ninfa Salácia que, como Senhora do Mar, ordenara aquela tormenta para vingar o agravo feito à Sua honra. E por este benefício, diz Aládio no livro dos sacrifícios dos» Lusitanos, resolveram «entre si reedificar o templo à custa das riquezas ganhadas dos inimigos, & das próprias ornar os altares de Ídolos mui avantajados em obra, & artifício dos primeiros. Com este pressuposto, se tornaram todos contentíssimos ao templo da Ninfa e puseram mãos à obra com tal diligência, que em poucos meses o tiveram avantajado em tudo do que antes fora. Nem se deixava de trabalhar à conta de gastos, por serem as dádivas tantas, que bastavam a maiores custos. Foi tanta a fama do templo, & a opinião do caso, que atribuíam à Ninfa Salácia, que de muito longe vinham gozar com os olhos o que ouviam de palavra, & do concurso da gente, & de outra, que andava desgarrada de suas terras, por lhas ter Bogud destruídas, se veio a pouco e pouco fazendo naquele lugar uma povoação de muita conta, & crescia tão notavelmente em edifícios sumptuosíssimos, que competia com as melhores de Lusitânia. Veio à notícia do imperador Octaviano este caso, & o modo como sucedera, que ele estimou em muito, assim pelo dano do seu inimigo Bogud, como pelo louvor dos seus Ídolos, ao culto dos Quais era por extremo afeiçoado; e para com este se mostrar devoto, fez grandes favores à nova povoação dando-lhe privilégio de município e privilegiando os moradores de todo o género de tributo que se lançasse em Lusitânia. E para exaltar o nome da Ninfa, e perpetuar a fama do caso que lhe atribuía, mandou que a cidade se chamasse Salácia e fosse cidade imperial, recebida debaixo do amparo e protecção imediata dos imperadores romanos.»

 - In «Monarquia Lusitana», Volume I, Livro Quarto, Capítulo XXIII, por Frei Bernardo de Brito a partir de 1597.

 

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Engraçado que 7 jogadores dum clube australiano rejeitaram usar camisa com símbolo LGBT.

Pelos comentários parece que eram todos aborígenes.
https://www.abola.pt/nnh/2022-07-26/raguebi-hepteto-de-jogadores-boicota-camisola-de-apoio-a-lgbtqia/950748

26 de julho de 2022 às 20:42:00 WEST  
Blogger lol said...

A diversidade tem liberdades que o oeste nao tem tipo cometer crimes

27 de julho de 2022 às 20:25:00 WEST  

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