DURAÇÃO DO REGIME

O regime instaurado a partir de 25 de Abril de 1974 alcança hoje o mesmo tempo de existência que durou o Estado Novo - 17499 dias. Nunca a ocasião foi tão propícia para se fazer um balanço do que a época abrilista teve de bom e de mau comparada com a que começou a 28 de Maio de 1926.

Há evidentemente lugar para observações sobre o crescimento económico e sobre a corrupção, que, note-se, são altamente discutíveis e variáveis consoante as circunstâncias - o Estado Novo industrializou o País e tirou-o da bancarrota, é certo, mas fê-lo numa época em que o resto da Europa também crescia.

Interessa todavia mais que tudo o que diz respeito aos valores e à liberdade. Nisto, não há a meu ver grandes dúvidas.

O que de pior tem o regime de Abril foi lançado pelo regime anterior - o lusotropicalismo.
Efectivamente, quando os ventos de anti-colonialismo começaram a soprar pelas Áfricas, Salazar, em vez de adoptar uma política semelhante à inglesa, de transformar o império numa «commonwealth» de países independentes e cooperantes, para assim se poder, pacífica e estavelmente, fomentar a exploração e o comércio nessas paragens, pois em vez disso quis manter o domínio imperial sobre as colónias, sacrificando assim a identidade nacional à noção de poderio político-geográfico, motivo pelo qual foi o regime de Salazar que propagandeou a ideia de que Portugal era uma só Pátria do Minho a Timor, incluindo todas as raças e mais algumas, foi o regime de Salazar que introduziu na Eurovisão da canção o primeiro concorrente negro (a Holanda tinha tido uma representante negra anos antes) e foi também o regime de Salazar que consagrou a figura do moçambicano Eusébio como ídolo nacional (enquanto os futebolistas ingleses e alemães que jogaram contra a selecção portuguesa no mundial de 1966 acharam muito estranho ver um negro a mandar em brancos, nos seus países democráticos isso não era costume...), o que muito facilitou a vida aos representantes da actual elitezinha anti-racista se estiverem em amena cavaqueira com um taxista «racista», pois basta dizer-lhe «oh senhor, então e o Eusébio?...», para o taxista, ingénuo e ideologicamente indefeso, encolher os ombros e balbuciar «pois o Ôsébio é um caso à parte...» Esta brecha ideológica antirra na natural muralha identitária do Povo foi criada pelo Estado Novo - nunca esquecer.

Por outro lado, o que de melhor tem (ou teve...) o regime abrilista foi um rompimento com o regime anterior - (uma relativa e mui entrecortada) liberdade, uma espécie de democracia com as suas lacunas despudoradas (o julgamento em tribunal do MAN, neo-fascista, mas nunca do PCP, estalinista e traidor à Pátria, foi disto claro exemplo), uma laicização que tira o País do curral da Igreja Católica, uma «europeização» relativa da sociedade (que, economicamente, já tinha começado no Estado Novo) e, involuntária mas não contraditoriamente, a ascensão prática de uma tendência política etnicamente separatista e identitária que, muito provavelmente, no anterior regime não teria sido tolerada, dada a posição de princípio salazarista em manter as colónias debaixo da bandeira portuguesa a todo o custo. 

Se, entretanto, não houver nenhuma revolução na próxima madrugada, pode ser que este regime ainda melhore mais um bocadito...