quarta-feira, maio 09, 2018

LEMÚRIA

Dia 9 de Maio oferecem-se na Religião Romana feijões aos Ancestrais, num ritual caseiro; são oferecidos aos espíritos nocivos dos mortos - ou que morreram de modo não natural, ou cujos cadáveres não receberam o devido tratamento funerário - que são os Lémures, que vagueiam pelo mundo por não terem sido aceites pelos Deuses do Mundo Inferior.
As honras prestadas aos Lémures são ritualmente realizadas em dias ímpares, não em dias pares, já que estes últimos são considerados azarados.
Os ritos desta ocasião estão bem documentados nos «Fastos», obra de Ovídio (V.419-454).
À meia-noite, o Paterfamilias (o homem chefe de família; ocasionalmente, o ritual também podia ser realizado pela Materfamilias) levanta-se e veste-se, sem nós, laços ou qualquer outro tipo de items constrangedores, estando inclusivamente descalço. Anda pela casa, fazendo o signo do mano fico (as chamadas «figas») com a mão (o polegar entre os dedos indicador e médio, que é um símbolo de boa sorte e de fertilidade, ainda hoje) e lava depois as mãos em água pura de uma fonte.
Anda então pela casa, atirando nove feijões negros para trás dos ombros - tomando o cuidado de não olhar para trás - pois que os Lémures aceitam os feijões como um resgate por cada membro (vivo) da família. A cada feijão que atira, diz
«Haec ego mitto, his redimo meque meosque fabis.»
ou
«Com estes feijões eu redimo-me e aos meus.»
Posteriormente, todos os membros da casa são acordados, e o Pater familias lava então as mãos, bate com dois recipientes de bronze um no outro, e diz nove vezes
«Os fantasmas dos meus pais saem»,
em Latim, «Manes exite paternae».
Depois disto, olha para trás e os Lémures terão certamente ido embora, levando o que é seu de direito.
Por extensão, realizam-se cerimónias públicas de natureza similar, projectadas para limpar o Estado de influências perigosas, tal como se faz com a casa.

«(...)A tradição diz que estas festividades foram criadas por Rómulo para apaziguar o espírito do seu irmão Remo, por ele morto. O ritual previa que o pater familias atirasse para trás das costas alguns feijões negros no número simbólico de nove vezes, a recitar fórmulas propiciatórias.»
Ovídio - Fastos V, 473

De notar, entretanto, que em Trás-os-Montes e nas Beiras um dos rituais das festas das Maias põe o chefe de família a afastar os espíritos com favas pretas, o que apresenta uma extraordinária semelhança com a Lemúria, mais no termo que no objecto, pois que em Latim «feijão» diz-se «faba»...