quarta-feira, fevereiro 07, 2018

SOBRE O RECONHECIMENTO ESTATAL DA RELIGIÃO ÉTNICA HELÉNICA


A gesta do restauração religiosa helénica, ou novo Paganismo grego, tem, de acordo com este artigo https://theoutline.com/post/2843/hellenism-legalized-greece?zd=1, um início deveras emblemático. Em Abril de 1976, o monge Augoustinos Kantiotes, membro da seita ortodoxa cristã do Monte Athos, redigiu um artigo «a respeito dos genitais do Deus pagão e a vergonha de Atenas.» Estava ele furioso com a presença de uma estátua do Deus do Mar Poseidon - Neptuno para os Romanos - colocada, nua, à entrada do Ministério da Educação. Outro monge, Nestor Tsoukalas, lendo isto, armou-se de uma marreta e foi vandalizar o caralho da estátua (literalmente), eventualmente inspirado pelo exemplo dos «santos» cristãos que desde há dois mil anos destruíram ídolos pagãos, tal como fez o próprio fundador da tradição judaico-cristã, Abraão. Outra descendência espiritual abraâmica, o Islão, outro tanto fez onde quer que tenha tido poder para isso, como recentemente se viu no Iraque e na Síria pela mão do actual califado ou Estado Islâmico... Um jornalista perguntou ao monge quando este foi detido pela polícia «Porque é que eles têm o ídolo no Ministério? Querem restaurar o Paganismo, como fez Juliano o Apóstata?», ao que o clérigo respondeu «Não. Não terão sucesso nisso.»
Vlassis Rassias era um adolescente nessa época e conta assim o efeito que a notícia teve nele: «Fiquei com a ideia de que a Cristandade era algo mau». Hoje, Rassias é o secretário-geral do Supremo Conselho dos Gentios Helenos (usualmente referido pelo seu acrónimo grego YSEE), a maior organização pagã da Grécia. Rassias é um dos dois mil seguidores activos desta religião. 
A religião helénica, base espiritual do Helenismo, é um politeísmo com milhares de anos de existência centrado no culto dos Doze Deuses Olímpicos, ou seja, as Divindades que vivem eternamente no Monte Olimpo: Zeus, Hera, Poseidon, Hades, Atena, Ares, Diana, Apolo, Hermes, Afrodite, Hefaistos e Héstia. Diz Rassias que «o Helenismo é algo que apoia a vida e põe ordem na beleza.» Acrescenta: «Temos uma percepção diferente dos Deuses. O que quer que dê poder à vida é Deus, até a Morte é Deus. A nossa percepção de Deus não é a de uma pessoa imortal que faz coisas por nós.»
A partir de Constantino II, no quarto século d.c., a Cristandade estabelecida no poder levou a cabo uma perseguição sistemática contra o Paganismo e hoje é, ainda, a religião dominante na Grécia, entrincheirada na constituição deste país, enquanto o antigo Paganismo ou morreu ou, como dizem alguns dos seus modernos seguidores, subsistiu na sombra, ao abrigo de perseguições cristãs.
O YSEE foi estabelecido não oficialmente em 1997 e é frequentemente apresentado como uma representação totalmente moderna do antigo Helenismo. A 9 de Abril de 2017 o governo grego reconheceu oficialmente o YSEE como uma religião «conhecida», garantindo-lhe o direito de adoração pública, de construir templos, de realizar casamentos e funerais e de inscrever as suas crenças religiosas em certidões de nascimento. O templo da YSEE é, para já, um espaçoso apartamento perto do Museu de Atenas. Tenha-se em mente que até muito recentemente, o Estado grego não reconhecia qualquer religião não monoteísta e até alguns Cristianismos minoritários no país, como o Catolicismo Romano e o Protestantismo, enfrentaram dificuldades, enquanto os muçulmanos da Grécia lutam para ter uma mesquita.
O YSEE enfrentou alguma resistência. A Igreja Ortodoxa Grega chamava-lhes «satânicos»; nos anos noventa, uma livraria afecta ao grupo foi incendiada. O reconhecimento oficial por parte do Estado helénico alterou substancialmente este cenário, mas ainda hoje há praticantes do culto aos Deuses helénicos a terem problemas e a serem vítimas de insultos. Diz um jovem de catorze anos, Aristomohos: «Muita gente chama-me nomes, ou não me aceitam como amigo. Às vezes os professores chamam-me louco». Toda a sua família adora os Deuses. A respeito de quem o discrimina na escola, Aristomohos comenta: «isso é problema deles, não meu.»
A repórter que escreve esta peça assistiu ao ritual do Solstício de Inverno e do Nascimento de Hércules, a 23 de Dezembro, cerimónia que durou cerca de meia hora e foi iniciada com uma procissão de doze sacerdotes trajados de branco, «a cor que mais nos aproxima dos Deuses», explicou Rassias. Os clérigos levavam consigo bouquets de flores, nozes secas e pratos de vinho, tudo para oferecer a Hércules. Um sacerdote tocou uma nota numa harpa, outro bateu um tambor. As ofertas foram colocadas num dos lados do altar, enquanto uma sacerdotisa com uma adaga na mão aponta a lâmina em quatro direcções diferentes recitando em Grego antigo. Solenemente proferiu «Onmyomen» (traduzível como «Prometemos diante dos olhos de Deus»). Num movimento sincronizado, todos os devotos levam a mão direita ao peito e repetiram a palavra em alto e bom som.
A economia de momento não ajuda. A quota de membro oficial do YSEE é de sessenta euros por ano não pode ser paga por todos os devotos, embora a organização não expulse ninguém porta fora por falta de dinheiro. Uma das sacerdotisas, Sophia, de vinte e dois anos, estudante de Criminologia, explicou o que a inspirou: «É um sentimento muito bonito, estar conectada com os Deuses, com a aura do mundo. Adoramos a ordem do universo, e o mundo em si faz com que uma pessoa se sinta parte de algo maior. Faz-me querer ser uma pessoa melhor. Com o Cristianismo, eu sentia sempre que primeiro estão os humanos e depois o mundo. Agora sinto que sou realmente uma parte desta Terra.»