SOBRE A CRÍTICA QUE O ESTADO PAPAL FEZ A UMA CARICATURA DO CHARLIE HEBDO

Fonte: http://rr.sapo.pt/noticia/43429/vaticano_considera_que_capa_do_charlie_hebdo_e_desonesta

*

O Vaticano considera desonesta a caricatura de “Deus assassino” que faz a capa da próxima edição do jornal satírico francês “Charlie Hebdo”.

Na edição que assinala o primeiro aniversário do atentado terrorista contra a publicação, que vai para as bancas esta quarta-feira, a primeira página apresenta uma caricatura com um deus barbudo, armado com uma metralhadora kalachnikov e com o hábito ensanguentado.

O facto mereceu já uma reacção no jornal do Vaticano. O "L’Osservatore Romano" lamenta que o “Charlie Hebdo” omita as condenações que vários responsáveis religiosos, incluindo o Papa Francisco, têm feito contra a violência levada acabo em nome da religião.

O Vaticano considera "triste" o paradoxo de um mundo cada vez mais atento ao politicamente correcto, ao ponto de roçar o ridículo, mas que não quer reconhecer nem respeitar a fé em Deus dos crentes de qualquer religião.

A edição desta semana do “Charlie Hebdo” deverá ter uma tiragem de cerca de um milhão de exemplares.

Mais uma descaradice da Igreja. Sabe-se como é de facto sanguinário o «Deus» da Bíblia, mais que sanguinário, genocida até, como se pode ler, por exemplo, no Primeiro Livro de Samuel, 15: «Mas matarás homens e mulheres, crianças e as de berço, dos bois às ovelhas, dos camelos aos jumentos, de maneira a que a memória de Amalec desapareça de sob o céu.» As condenações da violência atiradas ao ar mediático na contemporaneidade são generalistas e banais, pouco ou nada especificadas, dão para tudo; e acabam por ser subtilmente contrariadas, de uma maneira ou doutra... Exemplo disto foi a ocasião em que o supremo vigário do crucificado legitimou sonsamente a violência islamista contra o Charlie Hebdo ao dizer que «se me insultassem a mãe eu fazia e acontecia»... e agora continua nessa senda, a dizer que isto é um desrespeito aos crentes...

Tanto num caso como noutro, a Igreja fortalece um dos maiores obstáculos à Liberdade e à Democracia: a identificação total entre pessoas e ideias interpretada de maneira a fazer de um ataque ideológico um ataque pessoal (e vice-versa). É tanto menos possível viver numa sociedade democrática quanto mais gente nela existir que toma como ofensa pessoal uma crítica ou um ataque à sua ideologia ou doutrina. Esta confusão persiste na linguagem popular, quando as pessoas dizem, o mais das vezes com ingénua boa vontade, que «respeitam» esta ou aquela religião, aquela ou aqueloutra ideologia. 
Ora uma ideia não se respeita. Uma crença também não. Ou se concorda com uma ideia ou não. Ou se acredita numa crença ou não. O conceito de «respeito» não é susceptível de ser aplicado a ideias ou a crenças. Aplica-se tão somente a seres vivos, individualmente ou em grupo - pessoas, famílias, países, raças. Nunca a doutrinas. Respeito é a devida distância que se tem diante de algo que é merecedor de dignidade ou do seu espaço próprio. Isto aplica-se a seres vivos. Em contrapartida, quando se fala em ideias ou se concorda com elas ou não. É tão absurdo dizer que se respeita uma ideologia como dizer que se concorda com a electricidade. E discordar de uma ideologia não é automaticamente atacar as pessoas que a defendem - todo e qualquer indivíduo é susceptível de se enganar, de fazer más escolhas, independentemente do seu valor pessoal como indivíduo, e até as mentes mais brilhantes estão sujeitas a cometer os maiores erros. 
Por haver demasiada gente que não entende isto é que demasiados assuntos deixam de poder ser discutidos livremente. Que haja esse vício prolongado nas mentes de muitos já é mau que chegue - que o próprio dono das consciências morais de milhões de pessoas fortaleça tal postura é só mais um testemunho de como a Cristandade está, como esteve sempre, na raiz do que de pior o Ocidente já teve.

Felizmente que tal seita está a morrer em toda a Europa, valha isso...

Lamenta-se entretanto que o «Deus» da capa da revista não tenha ali nenhum elemento a identificar o Islão, pelo menos que eu tenha notado, mas enfim...