SOBRE O MODO COMO SE OLHA PARA A RELIGIÃO EM PORTUGAL

Fonte: http://www.ionline.pt/artigos/portugal/portugal-olha-religiao-sem-questionar/pag/-1

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O director do mestrado em Ciência das Religiões da Universidade Lusófona, Paulo Mendes Pinto, defende que em Portugal não se questiona a religião e acredita que o curso que dirige veio quebrar essa tradição sem desrespeitar as várias crenças.

"Portugal é um país muito religioso, mas mais do que religioso é um país que olha muito para a religião sem a questionar", disse à agência Lusa Paulo Mendes Pinto, director do mestrado em Ciência das Religiões, um curso que reúne 25 alunos de mais de uma dúzia de confissões religiosas.

Para o especialista, a principal característica do curso, que teve a sua primeira edição em 2008, é o seu "lado de ruptura" com uma tradição portuguesa de não questionar o fenómeno religioso.

"A essência deste curso é questionar e olhar o fenómeno religioso com todo o respeito que este implica porque não nos debruçamos apenas sobre religiões que já desapareceram, debruçamos-nos sobre religiões das pessoas que temos em sala de aula", adiantou.

Quem procura este curso não está à "procura de fortalecer a sua fé" nem "de encontrar alguma coisa de específico", mas quem "está literalmente predisposto a ser posto num processo de desconstrução da sua fé", considerou Paulo Mendes Pinto.

"Não temos nenhum caso de alguém que tenha entrado para aqui com uma religião e, quando acabou o curso, tinha deixado essa religião para ser ateu, agnóstico ou mudado para outra religião. Não queremos que venham para mudar de confissão, contudo, o vir implica uma predisposição para ser confrontado com os alicerces da sua própria fé e para ter à volta uma diversidade religiosa desafiante", sublinhou.

Paulo Mendes Pinto admite que, num ambiente religioso tão diversificado e num contexto em que todos falam e todos ouvem, a tensão é inevitável.

"Por mais que se ponham em causa todos os dados, temos que estar sempre numa postura de respeito e, quando se está numa postura de respeito, quando se usa um raciocínio lógico, quando se vai buscar um argumento histórico ou filosófico para demonstrar um ponto de vista com honestidade podemos ter momentos de confronto, de tensão, mas não temos momentos de conflito", disse.

Longe da realidade mediática, Paulo Mendes Pinto assegura que o tradicional confronto entre muçulmanos e judeus não tem tradução na sua sala de aula, até porque, explicou, "em termos teológicos, o judaísmo e o islão têm muito em comum".

"Há muito poucos pontos de confronto em termos religiosos entre judeus e muçulmanos. Não me lembro de nenhuma situação em que isso tenha acontecido, por mais que fosse mediaticamente interessante ter um bom confronto entre judeus e muçulmanos", sublinhou.

"Onde temos mais tensão é entre os cristianismos de diversas denominações, muitas delas nasceram de costas voltadas, literalmente a buscar o terreno do outro, até como inimigos", disse, adiantando que essa tensão se faz sentir sobretudo entre os não praticantes de cultura católica.

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Percebe-se bem que em Portugal é pouco comum questionar a religião, depois de mais de um milénio e meio de presença impositiva e totalitária da Cristandade aqui neste extremo ocidental europeu, uma imposição tal que conseguiu até alterar a nomenclatura hebdomadária, fenómeno claramente minoritário na Europa Ocidental, uma vez que o Português é a única língua latina e das poucas línguas ocidentais, a par do Grego e do Islandês, em que os vocábulos que designam os dias da semana assentam na referência meramente numérica, de tradição judaico-cristã, enquanto nas línguas vizinhas permanecem os nomes baseados em Deuses pagãos («Jueves» ou «Dia de Júpiter», em Castelhano, quinta-feira - em Português arcaico era «Joves»; «Martes», «terça-feira»; «Vernes», »sexta-feira»; «Mércores», «quarta-feira»; «Lues», «segunda-feira»). 

É aliás bem conhecida a expressão tuga «religião não se discute».

Percebe-se igualmente bem, agora, que em Portugal continue a ser pouco comum questionar a religião, mas isso é porque agora a religião já não interessa a quase ninguém.