FUNDAÇÃO DA CIDADE - O SAGRADO NA URBANIDADE

Porque a sacralidade pagã não se esgota na «Natureza», nas florestas, em vez disso fundamenta também a vivência do homem urbano.

Ritual de fundação de uma cidade romana

"Estávamos na Primavera, nas Calendas do mês de Abril do ano 16 ou 15 a. C., poucos dias depois do aniversário da cidade de Roma, celebrado a 21 de Abril. O momento coincidia com a segunda viagem de Augusto à Hispânia, três anos depois do final das Guerras Cantábricas. Reuniam-se nas proximidades da Colina do Alto da Cividade alguns representantes dos exércitos de Augusto e das elites dos povoados vizinhos, aos quais se juntava uma turba curiosa de habitantes da região. O acto não era para menos: procedia-se à solene fundação de uma cidade que iria ter o epíteto do próprio imperador.

A presidir esteve, muito provavelmente, um dos legados de Augusto, Paullus Fabius Maximus, responsável por assegurar o rigor dos rituais de fundação, com orações, votos e sacrifícios (Fig. 1). Acompanhou-o um áugure que interpretou os signos celestes e observou o voo das aves. Não se tratava de advinhar o futuro mas antes de assegurar que os deuses eram favoráveis à iniciativa e que a sua vontade se cumpria. O áugure analisou as entranhas de animais, que o informaram da salubridade do local, e traçou com o seu bastão encurvado os limites da futura área da cidade.

A criação mágico-religiosa da cidade incluiu, como era habitual, a prenunciação do seu nome: BRACARA AUGUSTA. O ritual terá sido recitado de uma forma absolutamente perfeita e a santidade das palavras proferidas em voz alta ou de forma inaudível não poderia supor a intromissão de qualquer outro som, ou de palavras de mau augúrio. O espaço foi libertado das presenças sobrenaturais, de possíveis “seres” do outro mundo que passariam a interceder para o bom funcionamento das leis e da ordem social - Bracara Augusta ficou definitivamente registada nos anais da história. Procedeu-se, depois, à escavação de um poço, a que os romanos chamavam mundus, no qual se depositaram as premissas da fundação e um punhado de terra que servia de união entre os dois mundos, o dos infernos e o dos deuses celestes. Este local passou a ser o “umbigo” da cidade e podiam agora traçar-se os limites da nova urbe com um arado. Cumpria-se assim um dos maiores desígnios desta nova urbe: a sua consagração segundo as regras da disciplina augural. Agora o oppidum, o espaço da cidade, estava protegido dos elementos contaminadores e era governado pelas leis de Júpiter."

Ritual foundation of a Roman city.

in, MORAIS, Rui. "Bracara Augusta". pp. 7-8. (2010).