terça-feira, abril 23, 2013

«REI ARTUR - O FILHO DO DRAGÃO»

Foi já há algum tempo que li o livro cujo título acima se lê, e que não é dos melhores títulos, digo eu, dado o seu ar de fantasia destinada a público juvenil. Hesitei por isso ao comprá-lo, mas depois como andava há demasiado tempo sem satisfazer o vício da leitura celtóide, e como a autora, a australiana Margaret K. Hume, é professora universitária de História, e ao folhear o livro dei de caras com vários nomes na sua forma galesa/britónica, em vez da estandardizada anglo-saxónica - tenho para mim que genericamente é bom sinal estar lá, por exemplo, «Artorex» em vez de «Arthur» ou «Myrddin» em vez de «Merlin», ou Gwenwhyfar em vez de Guinevere - acabei por comprá-lo.
A resenha é como se segue:

A Idade Média: um tempo de caos e sangue derramado. As legiões romanas abandonaram há muito as Ilhas e o despótico Uther Pendragon, Grande Rei da Bretanha céltica, está prestes a morrer. Enquanto o tirano hesita, o seu reino está a ser despedaçado pelas querelas de reis menores que competem entre si pelo seu trono. Nascido de parentesco desconhecido, Artorex cresce na casa de Lorde Ector, que acolheu Artorex em bebé nos seus braços. Um dia, três homens influentes chegam à villa de Ector e tratam das coisas para que a Artorex sejam ensinadas as técnicas marciais do guerreiro: espada e escudo, cavalo e fogo, dor e bravura. Quando regressam, anos mais tarde, Artorex está não apenas treinado nas artes do combate, como é também um homem casado. O país encontra-se numa situação desesperada, porque as grandes cidades do leste estão a cair perante a ameaça das hordas saxónicas. Apesar de Uther, Artorex torna-se um chefe de guerra, e vence muitas batalhas que lhe fazem ganhar a confiança dos guerreiros celtas e provam que só ele consegue unir as tribos. Mas para cumprir o seu destino e tornar-se o Grande Rei dos bretões Artorex tem de encontrar a coroa e a espada de Uther. O futuro da Bretanha está em jogo.

É daquelas coisas que dá gosto ler, pelo menos nos primeiros capítulos, pela verosimilhança com que consegue recriar um tempo de há milénio e mais de meio. Tem particular interesse não apenas para os interessados em História britânica mas também para quem valoriza a História da maior parte da Europa Ocidental atlântica, a saber, do grosso da Hispânia e da actual França, que, nessa época, apresentava essencialmente o mesmo quadro que a Grã-Bretanha: gente de raiz céltica e civilização romana ou romanizada em confronto com invasores germânicos. Isto com diferentes percentagens e influências, bem entendido, pois que enquanto na Britânia o verniz (linguístico) romano foi ao ar - deixando algumas palavras no Galês e posteriormente no Inglês - à medida que a celticidade voltava ao de cima e colidia de frente com o acrescento germânico trazido pelos invasores saxões e anglos, na Gália e na Ibéria, pelo contrário, a romanidade permaneceu, ou foi menos soterrada, por assim dizer, e casou-se com o elemento germânico, franco no primeiro caso e visigótico-suevo no segundo, e que, neste último, teve a ajuda do facto de que os Visigodos eram aliados condicionais de Roma, diferentemente dos outros Povos germânicos. A migração visigótica para a Ibéria aconteceu, note-se, a pedido romano, para defender aí a civilização romana, e eventualmente reforçou as estruturas romanas existentes nesta península europeia.

Quanto ao teor da obra, os Romanos, ou os seus restos, estão aqui geralmente entre o francamente cruel, o sexualmente perverso e o vagamente sacana, já se sabe como é, os conquistadores oriundos do Lácio continuam a ter esta «má imprensa», como sói dizer-se. Ainda assim o conjunto escapa maioritariamente ao maniqueísmo romântico do nobre norte bárbaro vs. decadente sul civilizado e, no que mais interessa, é rico de pormenores e componentes étnicos de sabor vernáculo, embora passe um bocado ao largo, de uma forma que me parece na melhor das hipóteses ingenuamente optimista, passa um bocado ao largo, dizia, do conflito religioso entre o Cristianismo e as religiões indígenas ditas pagãs. Falo apenas do primeiro volume, não conheço os outros, penso que não foram ainda editados em Portugal e ou muito me engano ou vou ter de os mandar vir de fora e ler em Inglês, juntando-os à lista que já inclui o mais recente volume das sagas saxónicas de Bernard Cornwell, que já saiu há que tempos no Reino Unido e nos EUA, até no Brasil, e os pelo menos dois volumes da série «Guerreiro de Roma» de Harry Sidebottom...
Triste panorama livresco este, num país pobre e pequeno, onde foi cancelada este ano a segunda feira do livro mais importante, a do Porto, por falta de verba da câmara ou qualquer coisa assim.