«REI ARTUR, O JOVEM SENHOR DA GUERRA»
Finalmente, anos e anos depois de andar à procura disto, lá encontrei - a produção televisiva da HTV, actualmente ITV (televisão galesa) dos nostálgicos e mágicos anos setenta sobre o lendário monarca céltico, Artur. Vi este filme há vinte anos, em VHS, e suspeito que já tinha visto a série que lhe deu origem - «King Arthur of the Britons» - na mais recuada infância de que me lembro, mas não tenho a certeza. Algures num canto perdido dos Arquivos RTP pode ser que lá esteja isto.
Trata-se de uma abordagem histórica, intencionalmente realista, da lenda arturiana. Aqui não há cavaleiros medievais em brilhantes armaduras, castelos imensos e cortes luxuosas da Baixa Idade Média, mas sim uma gente de carácter tribal, a viver em povoações fortificadas, vestidas de peles, linho ou couro. Também não há feitiçarias, nem Merlin, nem Guinevere e respectivo corneanço romântico com Lancelot, nem um reino cristão a resistir aos pagãos, mas em contrapartida contemplam-se referências de aspecto estético arcaizante às antigas Divindades britânicas (Nodens, Maponos, Beli), bem como a Mitra, que foi mais adorado na Britânia do que em qualquer outro espaço do Império Romano do Ocidente. É constante, central até, o confronto e sobretudo o contraste étnico entre os diferentes Povos que habitavam a Grã-Bretanha do fim da Antiguidade e dealbar da Alta Idade Média: diferentes reinos célticos, divididos (que Artur teria unificado em luta contra os invasores germânicos), e também «os loiros Saxões», os Anglos, os Jutos, os Escotos e os Pictos... neste aspecto estritamente étnico, só é superado, tanto quanto conheço, pela «Última Legião», de 2007, e pela película anglo-norte-americana de 2004 que levou ao grande ecrã um Artur romano-britânico com alguns soldados sármatas e aliados Pictos em luta contra os invasores Saxões, produção esta que, note-se, por outro lado não faz juz à diversidade religiosa da época.
Não é perfeita, esta narrativa da ITV. Se por um lado salienta as oposições étnicas que se observavam no berço das actuais nações britânicas, por outro, à força de querer fazer passar uma ideia de harmonia étnica posterior, força um bocadito a Lenda e a História. Faz de Kai, o principal amigo de Artur, um jovem de origem saxónica adoptado pelos Bretões em criança, quando a personagem Cai ou Cei é na literatura galesa um bretão tão bretão como qualquer outro, até no nome. E isto, adivinha-se, só para fazer crer que Artur até nem era completamente inimigo dos Saxões, até porque depois tenta com o líder destes estabelecer a paz... aqui, verga-se a lenda ao interesse histórico-político inglês, que sempre quis fazer de Artur um inglês ou pelo menos um precursor da Inglaterra, unida «contra o inimigo» (qual?, uma tropa qualquer sem etnia definida, convém...).
Agrada todavia o toque de vernácula mitologia britânica que se observa flagrantemente na personagem de «Llud», que na série/filme é uma espécie de pai adoptivo de Artur, guerreiro experiente que usa um braço de prata - ora Llud é precisamente o equivalente galês ao irlandês Nuadu/Nuada, o do Braço de Prata (sim, epíteto igual ao de uma zona de Lisboa, que por coincidência até teve a fábrica que era a base da indústria militar portuguesa ao longo do século XX),
Quanto à qualidade cénica das batalhas, não é das melhores, o que por acaso nem interessa muito. Topa-se aliás que a produção é de baixo orçamento, o que por outro lado só lhe dá um valor ingénuo, fortalecido pelo facto de não se ver um único não branco durante todo o tempo de filme... bons tempos, estes, em que a politicagem correcta ainda não reinava completamente suprema nestas pequenas criações locais...
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