quarta-feira, abril 07, 2010

«A HORA DOS ELFOS»

Foi já há quase uma semana que acabei de ler «A Hora dos Elfos», o terceiro e último volume da saga dos Elfos, de Jean-Louis Fetjaine. É daquele tipo de livros cuja grandeza só se percebe passado uns dias depois de o ler. Desapontou-me um bocadito ao conter uma referência a uma obra do ano 800 para Carlos Magno, numa época que só pode ter sido o século VI, o mais tardar, visto que quando o citado monarca franco chegou ao poder, os Anglos e os Saxões já tinham tomado o reino celta britânico de Logres, ou Loigier, que é onde se passa a acção deste terceiro tomo élfico, mas enfim, faz-se de conta que o seu conteúdo já era conhecido antes...
Tirando isso, e alguns erros ortográficos da tradução, não pode deixar-se de saudar a sua escrita, de cujo texto passo a citar alguns excertos:

«O mundo havia caído no caos. Talvez, nos tempos vindouros, se recordasse uma idade de ouro longínqua, uma época feliz onde as quatro tribos da Deusa viviam senão em paz, pelo menos em equilíbrio, quando a sua sobrevivência era garantida pelos grandes talismãs. A Espada do Deus Nudd, a arma que os homens chamavam Excalibur,
tinha sido dada aos anões. A Fal Lia,
a pedra sagrada que gemia diante de um verdadeiro rei, pertencia aos homens. Os monstros possuíam a Lança sanguinária do Deus Lug, e os elfos o Caldeirão de Dagda, Deus do Conhecimento... Era assim desde o começo dos tempos.
Não acreditem nos contos de fadas: foram os homens que quebraram este equilíbrio, e não os anões malfeitores, acusados de todos os males. Os homens e a sua nova religião, defendendo a unicidade e proclamando a supremacia de uma raça eleita sobre todas as outras: uma só terra, um só Deus, um só rei, diziam eles, e é em nome deste Deus que foi cometida a pior vilania que o mundo já conheceu... e depois esqueceu.
(...)
Era magro, escanzelado mesmo, coberto de uma pele de um ocre sujo, eriçado com uma juba negra e pelada. A sua cabeça, com excepção de uma crina de longos cabelos pretos que jorravam, hirsutos, da sua fronte e corriam ao longo da espinha dorsal, lembrava a de uma toupeira com o seu focinho curto e os seus dentes proeminentes. No entanto, o seu olhar sombrio tinha qualquer coisa de humano, um brilho de inteligência e frieza que relembrava que os trolls eram noutros tempos um povo, entre a antiga raça dos Fir Bolgs, os «homens raio», vencidos pelas tribos da Deusa, dispersados e expulsos para fora do mundo.
(...)
Sete árvores chamadas duir, quert, beth, saille, coll, tinne, fearn... o carvalho, a macieira, a bétula, o salgueiro, a aveleira, o azevinho e o amieiro, dispostas em círculo e que, ainda hoje, abrigavam o talismã dos elfos, o Caldeirão de Dagda, Graal do Conhecimento, a alma do mundo.

(...)
Os elfos ignoravam o pudor, mas Myrddin era mais homem que elfo, e nenhum ser humano, jovem ou velho, homem ou mulher, poderia ter contemplado a beleza irreal da rainha dos altos-elfos sem sentir desejo... (...) Havia nos seus longos cabelos negros e nos seus olhos, de um verde tão claro que parecia encobrir uma chama interior, uma força que contrastava com a palidez da pele, uma foçra animal, um fogo latente. Havia em cada um dos seus gestos, no movimento dos seus longos braços e na curva dos seus rins uma sensualidade indiferente, uma indecência altiva que fazia peerder a cabeça; mas também um perigo, uma ameaça.
(...)
Os elfos não conheciam este abandono, esta necessidade de contacto físico tão particular à espécie humana. Os homens sentir-se-iam assim tão sozinhos para terem uma tal necessidade de serem abraçados?
(...)
De tempos a tempos, por vezes com alguns minutos de intervalo, outras vezes depois de uma hora ou mais, os monstros punham-se a bater nos seus escudos de bronze, bum... bum... bum.... a um ritmo lento, obsessivo, e avançavam para a orla, batendo o chão com os pés a cada passada, cada vez com mais força, até que o eco do seu martelar se tornava ensurdecedor. Eles avançavam assim algumas toesas, com uma lentidão exasperante, um passo de cada vez, marcado pelo barulho das lâminas sobre os escudos, e paravam, de repente, fazendo um silêncio ainda mais pavoroso, e assim durante todo o dia, aproximando-se sem parar. Mas os elfos não se mexiam.
Ficaram assim desde o crepúsculo até ao cair do dia, imóveis e silenciosos, sem comer nem beber, sem falarem, sem uma palavra.

(...)
Se eles estão hoje a desaparecer, é porque já não têm o talismã. Aliás, nenhum exército, por mais forte que seja, pode destruir um povo. Vê o exemplo dos monstros... Foram precisos dez anos de batalhas e de massacres para os repelir para as Fronteiras. Julgávamo-los aniquilados, e eis que voltam, mais numerosos ainda do que antes. Não será com uma nova guerra que serão vencidos. Em contrapartida, se deitarmos a mão ao talismã deles...
Lliane levantou para ele o seu olhar verde tão claro e ele soube que ela tinha compreendido.
- Sem talismã - disse ele - nenhum povo vive.
(...)
Então, sob os seus olhares espantados, ela tirou a sua cota de malha em prata, despiu a sua túnica de catassol, e apertou-os contra si, nua, desejável, fascinante. O ódio, o medo, dissiparam-se da alma deles. Eles já não viam mais que os seus seios, as suas coxas, a suavidade da sua pele tocando nos seus couros curtidos. E assim, oferecida e vulnerável, ela recitou um velho poema da floresta.
O meu amor é um cardo
É um desejo de força e de violência
Ele é como as quatro partes da terra
Ele é infinito como o céu.
É a fenda do pescoço.
É um afogamento na água,
É uma batalha contra a sombra,
É uma corrida para o céu,
É uma corrida aventurosa debaixo do mar,
É um amor por uma sombra («História de Étainne, poema do século IX)
(...)
Os olhos torvos dos monstros cobiçavam à passagem o corpo nu da rainha, e se eles estendiam para ela as suas patas com garras, Tarot intervinha, com todo o seu ar importante. «Uma puta para o Mestre! Queres levar-lha tu?»
(...)
De repente, uma luz viva arrancou-a do seu alheamento. Brilhando como um raio de Sol, o ferro da lança segura... (...)»

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

AQUELA PEDRA TEM UMA MORFOLOGIA UM TANTO ESTRANHA..!!

7 de abril de 2010 às 15:47:00 WEST  

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