«VIKING»
Grande obra, esta épica trilogia do britânico Tim Severin, editada pela Ulisseia, saga em que o narrador participante, Thorgils Leifsson, nórdico nascido em 999, devoto do Deus Odin, e dos «Antigos Costumes» em geral (ou seja, do Paganismo germânico), nutre, subsequentemente, um especial amor às viagens e à aprendizagem de quanto a sua inquieta mente puder abarcar e assim orienta a sua atribulada vida. Da Islândia à Gronelândia, daí para a Vinlândia onde trava contacto com índios norte-americanos, de volta à Islândia e daí para a Noruega, para a Escócia, donde por sua vez salta para a Irlanda em expedição guerreira mal sucedida, tendo por isso de passar por um mosteiro, onde aprende Latim e Grego, mas não por demasiado tempo, pois que seguidamente chega a Inglaterra para depois ir envolver-se numa curta carreira de armas ao largo do Báltico, partindo a seguir para leste até junto de um povo tribal fínico que vive de forma peculiar, daí para o caótico leste cítico-eslavo, depois para sul até Miklagard, nome nórdico de Constantinopla, onde passa por um sem número de violências e intrigas, seguidas de escapadela manhosa de volta ao norte escandinavo, onde alcança uma felicidade momentânea na álgida e ingenuamente pagã Gotlândia, para seguidamente ser novamente levado pelas Nornas, setentrionais Parcas, às lides da guerra e da política para ver a invasão de Inglaterra por Guilherme o Bastardo, mais tarde conhecido como Guilherme da Normandia, beato tirânico e cruel... e depois, já velho, para um mosteiro onde mais uma vez se disfarça de padre cristão e ligeiramente afectado mentalmente para, em paz, poder pôr por escrito a epopeia de uma vida, a sua...
A pesquisa histórica de Severin afigura-se profunda e pormenorizada, como se quer quando se escreve ficção histórica, as referências às experiências de carácter transcendente são verosímeis, os confrontos entre a lealdade aos cultos ancestrais e a nova fé do Crucificado estão coerentes e tocam a fronteira do brilhantismo uma ou duas vezes, as descrições das batalhas são empolgantes pelo ar realista sem entrarem em pormenores enfadonhos, a narrativa dos quotidianos da época parece não ter falhas, os diálogos mostram-se bastante sólidos e sóbrios, não se notam anacronismos sequer ao nível das expressões usadas ao longo da obra.
E uma das chaves de ouro com que fecha merece aplauso, pela lucidez e simplicidade:
(...) Dava por mim a pensar como os caminhos do Cristo Branco, aparentemente tão mansos, teriam conseguido derrubar os robustos princípios da minha Fé dos Antigos. Então, apenas ontem, encontrava-me presente quando um dos monges locais - o esmoler mais novo - contava com um deslumbramento esbaforido como fora a Londres e presenciara a cerimónia da corte em que um magnata local jurava vassalagem ao novo soberano, o rei sentado no trono, a aproximação entre fileiras de cortesãos, o flectir do joelho, e o beijar da mão real. Quando o monge se ajoelhou para ilustrar o momento da homenagem, reparei na familiaridade daquele acto. Era um gesto repetido todos os dias perante o altar, e recordei-me do meu senhor Harald prostrado em submissão no pavimento de mármore diante do trono do Basileu, um governante também ele declarado um instrumento eleito do mesmo Deus. Então, tive a certeza: o culto do Cristo Branco adequa-se a homens que pretendem dominar outros. Não é a fé dos humildes, mas dos déspotas e dos tiranos. Quando um homem afirma que foi especialmente escolhido pelo Cristo Branco, então, todos os que seguem essa religião têm de o tratar como se adorassem o próprio Deus. Por isso é que todos se ajoelham diante dele. Muitas vezes, até unem as mãos como se rezassem.
Trata-se de uma contradição de tudo o que o Deus deve representar, todavia, eu vi como, entre governantes de homens, são os verdadeiramente implacáveis e ambiciosos que adoptam a fé cristã, usando-a depois para suprimir a dignidade dos seus pares. Naturalmente, esta opinião horrorizaria os inofensivos monges que me rodeiam, e alguns deles são criaturas genuínas e altruístas. Mas são cegos ao facto de até aqui, nesta abadia, baixarem a cabeça em obediência aos seus superiores, seja qual for a sua qualidade. Como era diferente entre aqueles que observavam a Fé dos Antigos. Como um seguidor ajuramentado de Harald da Noruega, como seu agente, nunca tive de flectir o joelho na sua presença, num acto de submissão ou para reconhecer a sua liderança. Apenas sabia que ele era mais capaz para aquela posição e que o devia servir o melhor que pudesse. E quando fui um sacerdote da Fé dos Antigos entre os crentes da Gotlândia Maior, teria ficado chocado se aqueles que me procuravam para que os orientasse ou para que interviesse junto dos Deuses tivessem acreditado que eu fora divinamente escolhido. Eu era avaliado apenas pelos meus conhecimentos das tradições antigas.
(...)
Encontrarei um lugar onde, como meu dever final de devoto de Odin, pregarei e direi aos meus ouvintes que haverá uma segunda vinda dos Antigos Costumes.
(...)
11 Comments:
ESSA MONOTEIZAÇÃO DO PAGANISMO É CAIR NO IMPERIALIXO ASIATICO DEGENERADO..88
Mas qual monoteização?
" Como um seguidor ajuramentado de Harald da Noruega, como seu agente, nunca tive de flectir o joelho na sua presença, num acto de submissão ou para reconhecer a sua liderança. Apenas sabia que ele era mais capaz para aquela posição e que o devia servir o melhor que pudesse. "
É isto que muita esquerda sem-lei tem dificuldade em compreender! E, para mim, é nisso que se deve basear um direita democrática. Haver uns mais capazes que outros consoante a função a desempenhar de acordo com a divisão do trabalho não significa submissão ou exclusão...Só mostra que a igualdade não é natural, mas que isso não tem que ser obrigatoriamente mau se todos tiverem a mesma dignidade como cidadãos.
Mas qual monoteização?
ESSA DE COLOCAR UM DEUS ACIMA DE TODOS E ELEGER UM FILHO-PROFETA ''ENVIADO''..88
Não é o caso. O que acontecia, e acontece, é que em muitos casos os adoradores têm mais proximidade para com um ou outro Deus. Só isso.
"Não é o caso. O que acontecia, e acontece, é que em muitos casos os adoradores têm mais proximidade para com um ou outro Deus. Só isso"
É uma espécie de deus padroeiro. :D
Mas olha que ás vezes há alguma tendência para "panteízar" e hierarquizar as divindades no paganismo. Também não gosto muito dessa tendência.
Bem, essas hierarquias existiam na Antiguidade, pelo menos até certo ponto... Odin era realmente o rei dos Deuses, pelo menos classicamente falando. O que, de qualquer modo, nunca impediu que diversos crentes se agarrassem mais a Thor, outros a Tyr, outros a Freir, outros a Freia, enfim.
Caturo disse...
Bem, essas hierarquias existiam na Antiguidade, pelo menos até certo ponto... Odin era realmente o rei dos Deuses, pelo menos classicamente falando. O que, de qualquer modo, nunca impediu que diversos crentes se agarrassem mais a Thor, outros a Tyr, outros a Freir, outros a Freia, enfim.
30 de Agosto de 2009 2:12:00 WEST
ISSO ME LEMBRA A CISÃO ENTRE CUTOLICOS MATRIARCAIS SEMI-PAGÃOS VIA SANTOS SINCRETICOS COM SEMI/SUB-DEUSES E OS PROTESTANTES NEO-PATRIARCALISTAS E MAIS PURISTAS NO MONOTEÍXO VIA VELHO TESTAMENTO TORANICV..88
Silvério disse...
"Não é o caso. O que acontecia, e acontece, é que em muitos casos os adoradores têm mais proximidade para com um ou outro Deus. Só isso"
É uma espécie de deus padroeiro. :D
Mas olha que ás vezes há alguma tendência para "panteízar" e hierarquizar as divindades no paganismo. Também não gosto muito dessa tendência.
30 de Agosto de 2009 1:58:00 WEST
DAKI A POUCO NEM TEREMOS DIFERENCIAL FRENTE A IGREJA CVTOLICA..88 - LOL
Caro Caturo, tens seguido as publicações do Conan da editora saída de emergência?
Ainda só adquiri uma, mas ainda nem tive tempo de a ler...
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