terça-feira, junho 17, 2008

O ALVOR DOS NACIONALISMOS «REGIONAIS» EM FRANÇA

Uma notícia que provavelmente passará despercebida a muitos mas que dá muito que pensar é a seguinte (original em Castelhano, no Minuto Digital):

A Academia Francesa afirmou que o reconhecimento das línguas regionais na Constituição «afecta a identidade nacional» e, portanto, pediu que se retire o texto aprovado pelos deputados no mês passado, que as inclui na Carta Magna.
«Depois de cinco séculos, a língua francesa forjou a França» declarou a Academia, acrescentando que a Constituição reconhece «esta evidência», ao mesmo tempo em que afirma no seu artigo 2 que «a língua da República é o Francês.
»
A Câmara dos Deputados adoptou no passado dia 22 de Maio uma emenda ao projecto de revisão da Carta Magna para incluir na mesma as línguas regionais como parte do «património da Nação», ainda que mantenha o Francês como idioma oficial.
Os académicos consideram que as intenções dos deputados são «excelentes», mas não acreditam que seja preciso incluir esta referência na Constituição e recomendam aos legisladores que «expressem noutros lugares» a defesa destas línguas.
Não duvidam de que as línguas regionais pertencem ao património francês, mas questionam a aparição «repentina» dessa emenda no artigo 1 da Constituição, o mesmo em que se define a França como «uma República indivisível, laica, democrática e social.»
Os académicos acreditam que esta emenda pode dificultar «o acesso igualitário de todos à administração e à justiça.»
Pela sua parte, o presidente de França, Nicolas Sarkozy, advogou ontem em Praga que não se deve condenar a União Europeia ao imobilismo depois da negativa do eleitorado irlandês ao Tratado de Lisboa, e que é necessário resolver uma questão institucional que tem uma década de atraso. «Não podemos condenar a Europa ao imobilismo. Temos dez anos de atraso», disse Sarkozy após uma reunião com o seu homólogo checo, Mirek Topolanek, e depois de participar numa cimeira do Grupo de Visegrado, integrado pela República Checa, pela Hungria, pela Eslováquia e pela Polónia.

Os intelectuais da Academia Francesa que se apegaram emocional e ideologicamente à França têm de facto razão para estarem apreensivos - trata-se aqui daquilo que pode bem vir a ser a fragmentação e desaparecimento do país, como consequência das futuras independências das «regiões» que o compõem, que afinal não são realmente regiões, mas sim Nações. Porque um Povo que tenha uma língua própria é, só por isso, uma Nação, e estes intelectuais sabem bem disso, como se pode ler nas passagens acima engrossadas pelo bloguista.
Um idioma nacional não cai do limbo, pelo contrário, brota naturalmente do próprio Povo que o fala, tal como a Religião, por exemplo, e constitui por isso um testemunho de existência como Povo autónomo.
A aniquilação das línguas faz por isso parte do processo de colonização e apagamento dum Povo como entidade diferenciada, e foi por isso que por exemplo os Ingleses proibiram que os Irlandeses falassem o Irlandês (ou Goidélico, ou Gaélico) durante a ocupação imperial inglesa, e que os arautos da Revolução Francesa proibiram os Bretões de falarem Bretão e até implementaram castigos escolares aplicáveis às crianças bretãs que falassem a língua dos seus antepassados celtas. Em 1925, o Ministro da Educação francês declarou que «para a unidade linguística de França, a língua bretã tem de desaparecer.» Nos anos cinquenta do século XX, apareceram em escolas da Bretanha («região» do noroeste de França) avisos afixados a dizer «É proibido cuspir no chão e falar Bretão.» Em 1972, o presidente francês Georges Pompidou afirmou que não havia lugar em França para as línguas regionais.

Por outro lado, a observação da Academia Francesa segundo a qual esta alteração legal é «repentina» não deixa de ser pertinente - afigura-se suspeita, tem toda a pinta de ser produzida por quem quer acabar com os actuais Estados-Nação europeus em prol da constituição dum grande País-Europa. E, de repente, vem à memória certo discurso proferido por Almeida Santos, membro da Maçonaria, na Assembleia da República, aqui há tempos, no qual dizia que os Estados-Nação tinham cumprido a sua missão e precisavam agora de ser substituídos, porque a sua utilidade esgotara-se...

Enfim, há males que vêm por bem e, ao contrário do que pensam muitos adeptos das teorias de conspiração, o destino humano não é construído por apenas um poderoso e secreto grupo escondido nalguma catacumba a congeminar grandes planos de dominação mundial. Porque, acima das mais astutas e maquiavélicas maquinações, está o acaso, ou talvez melhor, o Destino, e/ou a vontade Divina, em suma, o imponderável, o irredutivelmente incontrolável, que escapa a toda e qualquer previsão humana e ultrapassa toda e qualquer estratégia tecida por meros mortais... O Porvir não está nunca de antemão garantido e será sempre um jogo. A «Mão Invisível», de que falava Adam Smith, não limita o seu campo de acção à Economia. Vale aqui a pena lembrar que o próprio Smith usou esta expressão pela primeira vez em referência ao que chamaria «superstição pagã», mais concretamente, à «mão invisível de Júpiter».
E, neste caso, aplica-se o conhecido dichote «enquanto o pau vai e vem, folgam as costas.» Qualquer que seja a estratégia que possa estar por trás do estímulo às fragmentações de certos países, o que é certo é que tudo isto é água para o moinho dos Nacionalismos. Dum modo ou doutro, despertam os «Deuses Nacionais», como dizia Berdyaev e se tem verificado desde há séculos.

15 Comments:

Anonymous Anónimo said...

"A «Mão Invisível», de que falava Adam Smith, não limita o seu campo de acção à Economia."

LMAO! Mas tu sabes do que falas, ó idiota?! :P

17 de junho de 2008 às 12:16:00 WEST  
Blogger Caturo said...

Pelos vistos, sei mais do que tu, meu atrofiado.

17 de junho de 2008 às 12:21:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

Ok espertinho, explica lá o que Smith quis dizer com a metáfora da «Mão Invisível» e em que medida isso se relaciona com religião? E sê verdadeiro contigo mesmo evitando consultar o Wikipédia.

17 de junho de 2008 às 12:27:00 WEST  
Blogger Caturo said...

Não preciso de consultar o Wikipedia, cobarde iletrado. Estudei o conceito no seu devido lugar. Mas, já que falaste nisso, cá vai uma citação da Wikipedia, e escusas de refilar, pois que, para quem é, bacalhau basta, e tomara um caganifrates como tu conseguir chegar ao nível académico de muitos dos seus artigos:

Mão invisível foi um termo introduzido por Adam Smith em "A Riqueza das nações" para descrever como numa economia de mercado, apesar da inexistência de uma entidade coordenadora do interesse comunal, a interação dos indivíduos parece resultar numa determinada ordem, como se houvesse uma "mão invisível" que os orientasse.

Ora, o que tem isto a ver com a Religião?

Relê a passagem, que eu agora completei com o seguinte:
Vale aqui a pena lembrar que o próprio Smith usou esta expressão pela primeira vez em referência ao que chamaria «superstição pagã», mais concretamente, à «mão invisível de Júpiter». Vai ao texto e clica-lhe no link.

O conceito de mão invisível acaba por implicar a existência duma ordem natural que resulta das forças em confronto - dos acasos do Destino conjugados que acabam por produzir uma harmonia. Simbolicamente (ou não, consoante quem o lê), pode-se dizer que há como que uma Mão Invisível, uma Mão Divina, que, independentemente e acima dos desígnios de cada pessoa, tudo regula e tudo harmoniza.

Instrui-te, borgesso.

17 de junho de 2008 às 13:07:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

quantas naçoes ha dentro de França?
alguem me pode enumera-las todas?
Só conheço a Bretanha e a parte Leste que pertencia a Alemanha (Alsacia Lorena).

17 de junho de 2008 às 14:39:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

Ora bem... há a nação argelina, a congolesa, a da Mauritânia, a vietnamita, a costa-marfinense, a do Chade, a do Djibouti, uff... tantas! Ah!, e a pequena aldeia dos idiotários.

17 de junho de 2008 às 14:54:00 WEST  
Blogger Caturo said...

E não só. Também há o bairro dos patrioteiros mixordeiros, a rua dos antirras invertebrados e ainda o gueto dos anti-sionistas tapadinhos e dimiescos...

17 de junho de 2008 às 15:10:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

Só conheço a Bretanha e a parte Leste que pertencia a Alemanha (Alsacia Lorena)

Há ainda, salvo erro possível, a Córsega, a Occitânia, a Gasconha, e uma parcela do País Basco.
Já agora, Caturo, se quiseres consulta esta notícia:

Mais d'après The Sunday Times, le premier ministre serait en fait prêt à sacrifier le traité de Lisbonne plutôt que de donner naissance à une Europe à deux vitesses, comme certains le préconisent, en demandant de mettre l'Irlande temporairement à l'écart. Selon une source au sein du 10 Downing Street, la position britannique est même très claire : «Le traité ne peut entrer en action que quand les vingt-sept pays de l'UE l'auront ratifié.» Toujours d'après The Sunday Times, les officiels britanniques sont pessimistes sur l'avenir du traité, mais attendent de voir l'issue du sommet de Bruxelles de cette semaine pour prononcer un avis de décès officiel.

Os sublinhados são meus. E são excelentes notícias, pelo que parece: afinal se a Europa pode acantonar a Irlanda, já não se passa por cima da Inglaterra com duas tretas. O enrascanço de Brown nas sondagens pode bem vir a ser a salvação - ao menos para já - das soberanias europeias.

17 de junho de 2008 às 15:29:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

Peço desculpa, o Gascão é um dialecto occitano, não é uma língua. Assim, há em França - tanto quanto sei - a Nação Bretã, a Nação Occitana, a Nação Corsa, uma parte da Nação Alemã (Alsácia-Lorena) e uma parte da Nação Basca.

17 de junho de 2008 às 15:47:00 WEST  
Blogger Caturo said...

O enrascanço de Brown nas sondagens pode bem vir a ser a salvação - ao menos para já - das soberanias europeias.

Não há mesmo nada como as democracias anglo-saxónicas...

17 de junho de 2008 às 16:20:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

Não há mesmo nada como as democracias anglo-saxónicas

Sou obrigado a dar-te razão. E eu até gosto mais da França, da língua francesa, da cultura francesa, da História de França, e, quando vou ao Norte, das francesinhas.;) Mas sou forçado a reconhecer que quando o assunto é o respeito pela vontade popular em detrimento da ideologia hegemónica, os ianglo-saxónicos pedem meças seja a quem for.

17 de junho de 2008 às 18:50:00 WEST  
Blogger Caturo said...

Sem ofensa para os Franceses, nunca gostei da língua francesa, sempre preferi a inglesa, e prefiro a Inglaterra em todos os aspectos. Não é todavia por isso que reconheço o valor da Democracia anglo-saxónica. Lembro-me simplesmente de ter lido que enquanto a Democracia francófona e francófila põe a tónica na Igualdade, a anglo-saxónica prefere exaltar a Liberdade.

17 de junho de 2008 às 19:00:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

Lembro-me simplesmente de ter lido que enquanto a Democracia francófona e francófila põe a tónica na Igualdade, a anglo-saxónica prefere exaltar a Liberdade

Aí está uma grande verdade.

17 de junho de 2008 às 20:09:00 WEST  
Anonymous Anónimo said...

Porque um Povo que tenha uma língua própria é, só por isso, uma Nação (frase tua, Caturo)

O Estado português tem duas línguas oficiais, sendo uma delas o Mirandês: será o suficiente para os seus falantes considerarem a sua região como Nação?


E se os Galegos a norte do Mondego se quiserem separar do restante território português? E se os galegos "espanhóis" e "portugueses" quiserem formar um país de Finisterra ao Mondego?

Aprovarias?

25 de junho de 2008 às 03:00:00 WEST  
Blogger Caturo said...

O Estado português tem duas línguas oficiais, sendo uma delas o Mirandês: será o suficiente para os seus falantes considerarem a sua região como Nação?

Sim, é... se o Mirandês for mesmo uma língua diferente do Português. Pessoalmente, sempre fuii contra o reconhecimento do Mirandês como língua autónoma, sempre achei que não passa dum dialecto do Português. Mas enfim, não sou linguista. E, se o Mirandês for honestamente considerado como um idioma diverso do nacional (nem sequer do Galaico-Português, mas sim do Leonês, dizem...), então é realmente suficiente para que aí se constitua uma Nação autónoma, a meu ver.



E se os Galegos a norte do Mondego se quiserem separar do restante território português? E se os galegos "espanhóis" e "portugueses" quiserem formar um país de Finisterra ao Mondego?
Aprovarias?


Não... porque se Miranda não é Portugal porque tem uma língua diferente, então toda a Galiza teria de formar uma só Nação com Portugal, porque a língua também é a mesma...
Ou, se na Galiza a língua é já outra, como também há quem diga, o mesmo não sucede de certeza no norte de Portugal.

25 de junho de 2008 às 10:54:00 WEST  

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