quinta-feira, outubro 20, 2005

SOBRE AS RAIZES MILENARES DA ANCESTRALIDADE PORTUGUESA

É de leitura altamente recomendável a obra «Os Filhos de Caim e Portugal», na qual João Ferreira do Amaral defende a teoria de que a partir do final do terceiro milénio a.c., vários povos indo-europeus (ou arianos, se preferirem) começaram a vir do oriente euro-asiático para a Europa, em várias ondas migratórias, por mar e por terra, e que algumas dessas gentes terão chegado à zona que é hoje Portugal e aqui originado povos mal conhecidos, tais como os Cinetes, os Turdetanos, os Tartéssios, etc..

Por mais ousada que seja esta teoria, o autor apresenta várias ligações linguísticas e documentais que, efectivamente, parecem indicar que Ferreira do Amaral pode ter razão pelo menos no fundamento das suas conclusões. Devido ao constante cruzamento de referências e de nomes de povos arcaicos e quase sempre longínquos de há mais de quatro mil anos, a leitura da obra pode por vezes tornar-se um pouco densa, pesada. Todavia, acaba sempre por fornecer mais uma informação preciosa a respeito de uma ancestralidade que, embora geograficamente longínqua, está pelo sangue mais próxima do que possa parecer.

Deixo-vos sem mais delongas com esta preciosa passagem:
Contamos com efeito com a notícia de Salústio («Jugurtha», 8) que nos diz que Hércules conduziu Medos, Persas e Arménios pela Península Ibérica, os quais depois passaram para o norte de África (recordar que Estrabão faz referência aos Mouros como sendo os descendentes de Indianos trazidos por Hércules»). Outra notícia é a de Plínio (III 8), que, reproduzindo Varrão, faz referência a uma invasão de Persas na Península Ibérica.
Por estas razões, somos levados a crer numa invasão terrestre de povos iranianos, persas e talvez também indianos com origem provável numa zona que abarcaria a Arménia, a Média e talvez parte da Assíria.
Estes indícios são de certa forma confirmados por algumas flagrantes coincidências toponímicas ou etnonímicas.
Assim, na zona entre o lago Urmia e o sul do Mar Cáspio, a que chamaremos «a zona de origem desta movimentação de povos, encontram-se as seguintes correspondências com topónimos da Península Ibérica:
a) Topónimos:
Zona de origem
Mesti
Bustum
Sikarra
Sikannu
Banu
Saparda
Subi
Subur
Lua
Zirma
Kallania
Turukku (nome de povo já mencionado em fontes mesopotâmicas desde o início do II milénio)
Ana
Salaniba

Península Ibérica, em que a ordem corresponde à dos anteriores Mastia-Massia (cidade do sul da Península referida no Périplo de Avieno e em Hecateu):
- Basti (actual Baza, cidade do sul da península referida por vários autores da Antiguidade); Basto, topónimo actual português;
- Sigarra;
- Sicanos;
- Banienses;
- Sapardos (topónimo português actual;
- Subi (topónimo do sul da Península);
- Subur (topónimo do sul da Península referido em Ptolomeu);
- Luanci;
- Zirma (vale de), (topónimo actual português em Trás-os-Montes);
- Kallaetia (Galiza);
- Tarouca (topónimo actual, existindo no tempo dos Suevos, século V d.c., a localidade de Toruca na Galiza);
- Anaetia (na Idade Média, Anégia, actual Eja em território português);
- Salaniana.

Ainda quanto a topónimos, temos na zona de origem, no I milénio a.c., principalmente a sul do lago Urmia, uma grande concentração de topónimos em «ippo» e «uba», que se encontram também na Península principalmente no sul.
Para além de topónimos também temos etnónimos com correspondência na zona de origem e no extremo ocidente:
b) Etnónimos
Na zona de origem
Tapúrios
Derbices
Amardi
Messi
Pasicos
Siginos

No Ocidente:
Tapori (em território português)
Derbices (no norte de África)
Amalecitas (referidos por Idrisi, 4.1., como fundadores de Toledo. O nome deve provir da cidade de Amul a sul do mar Cáspio, a qual, segundo Frye, estava relacionada com os Amardi.(...)


Saliento em especial a parte que diz respeito às terminações «ippo» e «uba», que, na historiografia portuguesa, costumavam ser considerados de origem mediterrânica fenícia ou de qualquer modo não indo-europeia, e sobre as quais vem João Ferreira do Amaral fazer nova luz, à semelhança do que aliás já tinha feito na sua magistral obra «Povos Antigos em Portugal» (1997), em parceria com o seu primo Augusto Ferreira do Amaral, livro do qual falarei um dia destes.