quinta-feira, maio 27, 2004

A CRÍTICA E OS CRÍTICOS

Jorge Leitão Ramos escreveu, sua última crónica do Expresso, uma crítica aos críticos. «Para que servimos nós, os críticos, se o público não nos liga?»

Mas leia-se, é curto:

«Não houve texto crítico na nossa esfera lusitana que não carregasse «Van Helsing» das mais ferozes diatribes. Todavia, visto na clareza dos números das bilheteiras, verifica-se que, só na primeira semana de exibição, o filme fez mais de 80 mil espectadores, plantando-se muito firmemente no primeiro lugar do «box office» português (consultável em http://www.icam.pt/tops/6-12mai.pdf). Parece que a negatividade dos críticos não chegou minimamente ao público. Quer dizer que ninguém nos liga?

Ora bem: a função de um crítico não é a de ser «maître d'hotel». Não se trata de, entre os pratos do dia, indicar ao cliente se deve preferir a açorda ou o rodovalho. Não se trata de ser pastor de almas, arrebanhador de espectadores e, ainda menos, polícia à entrada das salas de cinema. A crítica não serve para fazer ou desfazer êxitos - embora todos saibamos que uma pequena parcela de poder lhe está atribuída.

A crítica serve - se a tanto conseguir chegar - para iluminar um filme, para acrescentar um ponto de vista ao ponto de vista do espectador, para fazer triângulo. Serve - no melhor dos casos - para abrir uma janela numa direcção que surpreenda, para chamar a atenção para algo em que não se tinha reparado, para fazer pedagogia se o leitor lhe der continuidade e se o crítico for crítico que baste.

O sonho de um crítico não é convencer o leitor do seu ponto de vista, não é fabricar um sucesso com a sua voz ou condenar um filme à morte com o seu veredicto. O sonho de um crítico é conseguir transmitir um pouco do seu entusiasmo por uma fita, partilhar os êxtases - que os filmes horríveis são apenas ossos do ofício e não há nada melhor que gostar e dizer que se gosta. O sonho de um crítico é que o leitor, quando discordar violentamente da opinião que vê expressa no jornal, mesmo assim não dê por perdido o seu tempo. O sonho do crítico não é ter razão - é que a sua prosa contribua um pouco, um poucochinho que seja, para que todos percebamos melhor o cinema. E que o amemos.


in

http://online.expresso.pt/1pagina/artigo.asp?id=24744519&wcomm=true&pg=3#comentarios

Leitão Ramos dissertou neste artigo sobre algo que de quando em vez me passa pela cabeça.
O referido crítico, ao ser suficientemente honesto para perceber o que percebeu e suficientemente corajoso («suicida!», poderão gritar alguns dos seus colegas que porventura sintam o tachito a tremer...) para o escrever publicamente, tem o aspecto de quem está a tentar dar um ar mais gracioso e «dialogante» à sua classe, como se pedisse tréguas, dizendo, por outras palavras, «Não nos abandonem, olhem que nós não somos tão arrogantes como parecemos, o que nós queremos no fundo é trocar impressões com o público...».

Soa como admissão de uma incapacidade. Note-se que Leitão Ramos começa por revelar a sua desorientação e mesmo desapontamento pelo facto de os críticos não conseguirem influenciar o público...

Mas pronto, doura-se a pílula, como a raposa que maldizia as uvas que não conseguiraa alcançar.

E assim, os críticos já não são os ditadores do bom gosto - são, quando muito, conselheiros estéticos...



Eu, pessoalmente, até gosto de ler crítica de cinema, aprecio ler, e escrever (para mim e para os meus amigos, que lêm o meu blogue, enfim...), comentários de filmes, mas eu assumo desde o início a minha ideologia e não ando a querer fazer passar uma mensagem política sob o disfarce do «bom gosto artístico».