segunda-feira, dezembro 23, 2024

SOBRE AS RAÍZES ÉTNICAS EUROPEIAS DO MITO DO PAI NATAL



Embora alguns de vós, leitores, possam pensar que o Natal é uma treta ou consumista ou beata, enquanto outros, com mais bom gosto, acreditem que quem nestas longas noites percorre os ares é um velhote a quem chamam Pai Natal, fiquem em vez disso a saber que na verdade a ideia de que por esta altura existem forças sobrenaturais a correr os céus das longas noites vem de há muito - só que quem o faz é a chamada «Hoste Furiosa», imenso e violento tropel de caçadores fantasmas, empenhados naquilo a que se chama «Caçada Selvagem», que é perseguição incansável, ora de um javali, ora de um cavalo, ora de belas virgens, ou ninfas... O mortal que visse este bando e dele troçasse, seria castigado; quem pelo contrário se Lhe juntasse, seria recompensado, eventualmente com ouro...
A nível humano, parece haver correspondência desta tropa sobrenatural nas sociedades de guerreiros das quais já aqui se falou a propósito dos Caretos.

Os nomes e conceitos relativos a este mito norte-europeu variam de etnia para etnia, mesmo de Nação para Nação nalguns casos:
- na Irlanda, é a Sluagh Sidhe

,espécie de espectros ou de fadas especialmente perigosas que tudo destroem e matam à sua passagem, e que são seguidos pelos seus Cu Sidhe (Cães das Fadas), igualmente saídos do inferno; o líder da hoste é o Deus Mannanan Mac Lir, ou, noutra variante, o lendário herói Fin Mac Cumhail, que conduz os seus Fianna;
- em Gales, trata-Se de Arawn, ou de Gwyn ap Nudd, Deus das Profundezas e da Morte, que conduz a sua temível matilha vermelha e branca, a Cwn Annwn (Cães de Annwn ou Inferno) pelos ares desde o Outono até ao início da Primavera; noutras variantes, é o lendário Rei Artur quem conduz a caçada sobrenatural;
- também na Cornualha, Nação céltica, se fala a este respeito dos «cães do diabo»; noutras partes do Reino Unido, crê-se que estes cães andam em busca de almas perdidas;
- na Bretanha (Nação céltica do noroeste do Estado Francês), é o supra
citado lendário rei Artur quem dirige a caçada;
- em certas partes de Inglaterra, é Herla, rei que ficou demasiado tempo com as Fadas e quando voltou já tinham passado cinco séculos; outras personagens do folclore inglês que supostamente dirigem esta caçada são Herne, Old Nick, ou até o famoso e histórico Sir Francis Drake; naturalmente que a Inglaterra, sendo uma Nação germânica, também teve no seu folclore a crença de que esta hoste furiosa era dirigida por Woden, Deus germânico da Sabedoria e do Combate;
- na Holanda, é, tradicionalmente, Wodan, que é o mesmo que Woden, como é fácil de ver;
- em certas partes da Alemanha, é a Deusa Diana, ou uma certa feiticeira de nome Holda, Quem conduz esta atroadora tropa; e, claro, sucede o mesmo na Alemanha que na Inglaterra e na Holanda a respeito do mais antigo condutor desta cavalgada sobrenatural, ou seja, o Seu nome é Wotan;
-no norte de França, é Hallequin, espírito sobrenatural demoníaco, ou então Carlos Magno e Rolando...

A versão mais conhecida, que aliás pode bem estar na origem das outras todas, é a germânica-escandinava, que vê nesta tenebrosa Hoste das Alturas os guerreiros mortos do Valhalla a correrem na esteira das Valquírias, todos conduzidos por Odin (nome escandinavo de Wodan), o terrível zargo, Deus da Sabedoria e da Morte em Combate... há até quem vislumbre o Seu sinistro semblante por debaixo do disfarce de Pai Natal, enquanto outros vêem na rubra indumentária, na longa barba, no físico avantajado e no afável temperamento do velhote natalício um eco da roupagem vermelha e da barba ruiva do brutal mas jovial Thor, Deus do Trovão, que dirige um carro puxado, não por renas, mas por bodes...
Veja-se a «evolução» abaixo:



Foi-Se pois enevoando até passar a ser visto com nova forma...

Para ler algo mais sobre a possível genealogia do Pai Natal, clique aqui. Tenho para mim que, de todos os panteões antigos, o Deus com Quem o Pai Natal mais se parece é o romano Saturno, Deus da Idade de Oiro, da Agricultura e da Abundância, celebrado precisamente na Saturnália, que, nunca é demais dizer, vai de 17 a 23 de Dezembro, isto sem contar que também na Brumália é Saturno celebrado, e esta temporada festiva começa a 24 de Novembro e culmina a 25 de Dezembro, o que, bem vistas as coisas, coincide mais, no tempo celebratório, com o actual Natal ocidental, mas como talvez fosse de origem mais helénica, ou menor dimensão, é menos vezes lembrada...
Por cá, a Entidade galaico-portuguesa que lidera a Cavalgada Selvagem será talvez o Secular das Nuvens, ou Escolar das Nuvens, ou, na Galiza, Nubeiro, do Qual já se falou no Gladius - IIIIII, e que se pode também ler aqui, onde há também textos centrados na figura do Nubeiro. Ora é interessante observar que de acordo com o folclore galego, o Nubeiro cobre-Se de peles caprinas, o que remete aos bodes sagrados que puxam o carro de Thor... por outro lado tem sido considerado o equivalente de Odin, que, como acima se vê, dirige a Cavalgada Selvagem, o que aqui se pode ler.
Outras vezes são estes vultos folclóricos representados como uma espécie de génios da Tempestade.



Pode haver nos «Caretos» um eco físico e social deste mito, pois que também estes parecem personificar entidades sobrenaturais que nesta altura do ano fazem uma espécie de «raide» fantasmagórico pelas povoações...

A propósito de tempestade, é de notar que em Roma o dia 23 de Dezembro era precisamente consagrado a Tempestas, o Nume, ou Entidade Divina, da tempestade que Se manifestou durante uma batalha naval entre Roma e Cartago, ajudando a primeira a arrasar a frota da segunda.

O dia é no calendário romano igualmente consagrado a Bruma, Deusa do Inverno, e também aos Lares Permarinis (espíritos-guias nos caminhos), a Acca Larentia, a Hércules, a Diana, a Juno Regina e a Júpiter. Hoje é, também, o culminar da Saturnália, celebração presidida pelo já referido Saturno, o Deus das Sementeiras e da Idade de Oiro...