sexta-feira, novembro 21, 2025

GRONELÂNDIA - FORÇAS ARMADAS DANESAS DIZEM QUE A MAIOR AMEAÇA NÃO É TRUMP MAS SIM A FEDERAÇÃO RUSSA

O soldado Mads Hansen reconhece que pode ser solitário estar cercado apenas por montanhas, gelo à deriva e um vasto mar polar.
Um dos três soldados dinamarqueses permanentemente estacionados em antigo posto de mineração chamado Mestersvig, na costa desolada do leste da Gronelândia, o seu trabalho inclui remendar telhados arrancados por tempestades, remover montes de neve de um metro de altura, treinar cães de trenó para a próxima patrulha ou suturá-los após uma briga. "A gente acostuma-se", disse ele, enquanto mostrava os limpa-neves da base, um rádio e uma pistola pendurados no cinto.
Hansen e seus colegas estão-se a familiarizar com outro aspecto da vida de um soldado no Árctico: a estação, juntamente com grande parte do flanco leste da Gronelândia, está destinada a desempenhar um papel maior, apoiando uma presença militar expandida como parte de um reforço defensivo mais amplo direccionado à Rússia.
Os serviços de inteligência dinamarqueses mudaram o tom no último ano, alertando que o risco de uma escalada entre a OTAN e Moscovo no Árctico é maior do que nunca, e detalhando quais são os submarinos nucleares russos e outras capacidades “em caso de guerra”.
O governo em Copenhaga lançou um segundo pacote militar para o Árctico a 10 de Outubro, incluindo investimentos em capacidades adicionais de defesa marítima na Gronelândia, com aeronaves de patrulha marítima para monitorizar e combater submarinos, mais navios árcticos e quebra-gelos.
“Estamos a analisar um cenário de ameaça futura que teremos de enfrentar”, disse Soren Andersen, chefe do Comando Conjunto do Árctico na Gronelândia, em entrevista em Nuuk, capital da ilha.
As tácticas e o armamento da Rússia na Ucrânia, a sua crescente cooperação com a China no Estreito de Bering, as mudanças na actividade na costa da Noruega e o desafio persistente da frota paralela reforçam as suas preocupações com uma ameaça iminente que a Dinamarca e seus aliados se devem preparar para enfrentar.
Consequentemente, a Dinamarca realizou os seus maiores exercícios na Gronelândia até ao momento, em Setembro. Enquanto os exercícios anteriores se concentraram em missões de resgate e tarefas civis, este teve como objectivo a preparação para a guerra.
Colónia dinamarquesa por mais de 200 anos, a Gronelândia é hoje uma parte semi-autónoma do reino, com um governo local que controla a maioria das questões internas. A política externa e de segurança, no entanto, permanece nas mãos de Copenhaga, e na práctica grande parte dela é executada pelo Major-General Andersen, que supervisiona a presença militar da Dinamarca em todo o território da Gronelândia. Descreve a Rússia como uma “superpotência regional no Árctico”, com Moscovo a ter expandido as suas bases e implantado capacidades ofensivas nas últimas décadas. As forças do presidente Vladimir Putin estão totalmente ocupadas na Ucrânia por enquanto, mas Andersen prevê que Moscovo redireccionará recursos para o norte e reaproveitará novas tecnologias bélicas para a região assim que a guerra terminar. Os serviços de inteligência dinamarqueses alertaram de forma semelhante que, nesse caso, a Rússia seria capaz de “representar uma ameaça directa à OTAN”. Moscovo descartou essa acusação com risos. Putin abordou a proliferação de alertas ocidentais sobre as intenções da Rússia a 2 de Outubro, no clube de debates Valdai, rejeitando-os como "absurdos" e acusando os líderes europeus de fomentarem "histeria".
No entanto, é inegável que a Rússia está a expandir o seu arsenal. Em Julho, Putin elogiou a incorporação de nove submarinos na marinha em seis anos, com mais quatro submarinos nucleares da classe Borei-A de última geração a serem entregues nos próximos anos, armados com "armamento de ponta". O Borei, cujo nome homenageia Bóreas, Deus grego do vento norte, está a ser construído no estaleiro Sevmash, perto de Arkhangelsk, do outro lado do Mar Branco, em frente à península de Kola, sede da frota do norte da Rússia e peça-chave para a sua presença no Árctico.
Defender o Árctico “é crucial para a nossa segurança”, afirmou Mark Rutte, secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a 13 de Outubro. Os recentes incidentes com drones em solo dinamarquês, que as autoridades atribuíram à Rússia, reforçam ainda mais a forma como a Dinamarca, uma Nação nórdica e forte apoiante da Ucrânia, é ela própria um alvo, com consequências para todo o seu território.
No entanto, a questão da defesa da Gronelândia expôs uma divergência com Washington. Para o presidente Donald Trump, a ilha é tão vital para a segurança dos EUA que ele sugeriu assumir o seu controle, frustrado com o que considera um subinvestimento crónico da Dinamarca. Enquanto líderes europeus se uniram em apoio a Copenhaga, as declarações de Trump despertaram a Dinamarca, a Gronelândia e a OTAN para o facto de que a região exige muito mais atenção — e recursos. Ainda assim, autoridades militares dinamarquesas afirmam que a cooperação em defesa com os EUA na Gronelândia permanece forte e não mudou desde que Trump assumiu o cargo.
“Sabemos que há uma atenção crescente voltada para nós e para o Árctico, e isso obriga-nos a fazer mais”, disse o primeiro-ministro da Gronelândia, Jens-Frederik Nielsen, no início de Outubro.
Um dia depois de Trump ter reacendido as discussões sobre a compra da Gronelândia em Dezembro, o governo da Dinamarca propôs mais gastos com defesa no Árctico, e os legisladores concordaram em investir mais 42 biliões de coroas dinamarquesas (US$6,5 biliões) nas forças armadas da região. O foco geográfico também se deslocou para o leste, com a expansão das unidades de forças especiais que patrulham a parte nordeste da ilha, a instalação de uma estação de monitorização nuclear e um radar de alerta aéreo no leste da Gronelândia, e o financiamento de novos drones de vigilância.
A Dinamarca juntou-se à França, Alemanha, Suécia e Noruega nos exercícios que simulavam a defesa do flanco norte da OTAN.
Ao largo de Nuuk, no sul da Gronelândia, helicópteros sobrevoavam o local enquanto soldados dinamarqueses e cães com arreios especiais deslizavam por cordas até ao convés de uma fragata tomada por adversários simulados num sequestro em alto mar. Reforços chegaram de barco logo em seguida e o inimigo foi subjugado.
Dias depois, nas montanhas ao redor de Kangerlussuaq, o som de tiros ecoava pelas encostas enquanto a infantaria francesa e dinamarquesa ensaiava confrontos directos, enquanto caças F-16 rasgavam o céu, praticando reabastecimento em voo. No mesmo terreno acidentado, unidades da guarda nacional sueca e norueguesa treinavam a defesa do aeroporto, enviando drones à frente para explorar a área antes de avançar.
Historicamente, a Gronelândia tem sido um importante posto militar em tempos de conflito. Durante a Segunda Guerra Mundial, os EUA estabeleceram bases e estações meteorológicas que se provaram vitais para as operações aliadas, e na Guerra Fria expandiram a sua presença para mais de uma dúzia de instalações. Pituffik, no noroeste, chegou a abrigar até 15000 soldados, além de bombardeiros de longo alcance e sistemas de alerta antecipado. Hoje, conta com menos de 200 funcionários, mas continua a ser um ponto estratégico para a detecção de lançamentos de mísseis.
Gronelândia tem uma população de apenas 57000 pessoas espalhadas por uma área mais de três vezes maior que o Texas, com 80% da ilha coberta por gelo e sem estradas que liguem os seus assentamentos. A sua localização entre a América do Norte e a Europa é o que a torna indispensável para a segurança ocidental.
Em todo o Oceano Árctico, submarinos nucleares russos podem-se esconder sob o gelo, sendo capazes, em caso de guerra, de disparar mísseis contra alvos na América do Norte e na Europa. Se conseguirem passar despercebidos pelo estreito corredor marítimo entre a Gronelândia, a Islândia e o Reino Unido — conhecido como a lacuna GIUK — podem transportar mísseis com ogivas nucleares para o Atlântico Norte, onde seriam praticamente impossíveis de rastrear.
Uma invasão russa é considerada improvável, mas os militares calculam que Moscovo poderia tentar bloquear o uso da Gronelândia pelos aliados atacando instalações cruciais para a OTAN. Pituffik é especialmente vulnerável, enquanto o aeroporto dinamarquês em Kangerlussuaq, infraestruturas energéticas críticas e até mesmo a população civil e o governo em Nuuk são "alvos óbvios", segundo Andersen.
Proteger uma ilha do tamanho da Gronelândia em clima como este apresenta desafios únicos. Além das condições climáticas, centenas de milhares de quilómetros quadrados são compostos apenas de neve, gelo e montanhas, inacessíveis por veículos.
“O ambiente é implacável”, disse Laura Swaan Wrede, chefe da guarda nacional sueca, durante um exercício em Kangerlussuaq. Os Suecos estão familiarizados com o norte, mas a extensão da Gronelândia e a infraestrutura escassa tornam as operações particularmente complexas. “Há muito que aprender”, disse Wrede. Com o Árctico a ganhar destaque, “é importante praticar o máximo possível”.
A presença militar ampliada significa que os habitantes da Gronelândia também estão a ter de se adaptar a uma nova realidade.
Pode ser perturbador. Alguns habitantes da Gronelândia dizem que isto prejudica o seu desejo por maior autonomia. Para outros, revive memórias dolorosas, incluindo as das famílias inuítes deslocadas para dar lugar a Pituffik na década de 1950 e a queda de um bombardeiro B-52 em 1968, que espalhou lixo radioactivo.
A maioria dos habitantes da Gronelândia apoia a ideia da sua ilha como zona de “baixa tensão”, uma visão inicialmente defendida pelo líder soviético Mikhail Gorbachev, que propôs que a região árctica fosse um espaço para cooperação científica e redução do confronto militar. Segundo Vivian Motzfeldt, responsável pela política externa do governo da Gronelândia, a actual conjuntura geopolítica exige “novas posições”. “A baixa tensão, na verdade, exige um reforço militar”, disse Motzfeldt enquanto observava os exercícios a bordo de uma fragata dinamarquesa.
A retórica assertiva de Trump e sua abordagem em relação à Gronelândia deixaram muitos moradores apreensivos. Notoriamente, os EUA não participaram nos exercícios da OTAN em Setembro.
Mas as forças armadas da Dinamarca também precisam de agir com cautela. Por isso, informam as comunidades antes dos exercícios e permitem que o público visite os seus navios. Os exercícios são programados para evitar perturbar bois-almiscarados e renas durante a época de parição; os voos são redireccionados para não assustar os animais dos quais os caçadores dependem. Até mesmo a quebra do gelo exige coordenação com as autoridades locais para evitar que caçadores de focas fiquem presos no gelo marinho.
Os próprios Gronelandeses continuam a ter uma participação apenas marginal na defesa da sua ilha. Pouquíssimos servem nas forças armadas da Dinamarca, uma lacuna que Copenhaga está a tentar colmatar com planos para estabelecer uma unidade permanente da Gronelândia sob o Comando Árctico em Nuuk. Uma nova unidade de "Rangers da Gronelândia" que possa realizar tarefas em áreas costeiras remotas e isoladas também está a ser considerada. No ano passado, as Forças Armadas lançaram um programa de treino básico no Árctico com duração de seis meses, ensinando aos recrutas competências como o manuseio de armas, sobrevivência e apoio em operações de salvamento. O programa foi tão popular que o número de vagas já foi alargado.
A OTAN, no entanto, ainda está muito atrás da Rússia em termos de equipamentos para o Árctico. Além das suas capacidades submarinas, Moscovo opera a maior frota de quebra-gelos do mundo, pode mobilizar brigadas preparadas para o Árctico e construiu ou modernizou dezenas de bases ao longo da sua costa norte, completas com pistas de pouso, estações de radar e sistemas de defesa aérea.
A Dinamarca, por outro lado, tem enfrentado críticas pelos seus radares obsoletos e navios de patrulha envelhecidos. A fragata Niels Juel percorreu o sul da Gronelândia neste Verão, mas não foi projectada para o gelo do Inverno. Os novos navios capazes de operar no Árctico, planeados para o futuro, levarão anos para serem projectados e construídos. Os drones de vigilância de longo alcance encomendados só devem chegar em 2028.
A infraestrutura militar da Gronelândia está concentrada na costa oeste, onde o clima mais ameno, a população maior e o acesso mais fácil à América do Norte fizeram dela o local natural para bases da Guerra Fria.
Com as condições tão adversas no leste, a maior parte das operações militares fica a cargo dos trenós puxados por cães da Dinamarca, a patrulha Sirius, uma unidade de forças especiais de elite criada durante a Segunda Guerra Mundial. Equipas de dois homens e seus cães cobrem milhares de quilómetros de território que seriam inacessíveis de outra forma, monitorizando actividades estrangeiras, realizando resgates e reafirmando a soberania da Dinamarca. A patrulha será agora expandida e uma unidade especializada no Árctico está a ser criada para rápida mobilização, a fim de fornecer capacidade adicional de resposta a emergências.
Na estação de Mestersvig, Kent Peter Ronshoj estava sentado ao ar livre, sob o sol do Árctico, acariciando um cão. Ronshoj, que supervisiona a patrulha Sirius e as estações no leste da Gronelândia, disse que Mestersvig ainda não tinha notado nenhum aumento perceptível no nível de ameaça. Mas a equipa está pronta para servir como um centro de apoio para o aumento da actividade militar na área, um papel que ele vê a assumir maior importância à medida que o seu foco muda: “Estamos a voltar o nosso olhar mais para o leste”, disse ele.
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Fonte: https://www.japantimes.co.jp/news/2025/11/03/world/politics/danish-army-greenland-trump-russia/