«ENDGAME» OU COMO SE BORRA A PINTURA EM CINEMA DE FANTASIA
Mal empregados efeitos... |
«Avengers: Endgame» é dos piores filmes do género super-heroístico que tenho visto. Três horas no domínio da infantilidade e da lamechice mais baratucha, ao mais deprimente estilo de telenovela adolescente ianque. Uma merda daquelas não se fazia nem em desenhos animados para as dez da manhã.
Quando ouvi dizer que a Disney ia abandalhar os filmes Marvel preferi dar-lhe o benefício da dúvida, mas este de facto está mauzito. Não acredito que precisasse de chegar a isto para fazer um filme de grande popularidade (ou se calhar precisava, sei lá). Li sagas do Thanos na versão original, a da banda desenhada, escritas por Jim Starlin na psicadélica (e injustamente esquecida) década de setenta, e não se situavam num tal grau de criancice, e mesmo assim eu, com doze, treze anos, não tive dificuldades em entendê-las ou em identificar-me com personagens suas. Será que os pivetes são hoje mais infantis do que dantes?, nunca me apercebi disso; recordo-me de na adolescência achar que desenhos animados de 1966 eram menos acriançados que os do final dos anos oitenta, mas julguei que não seria isso mais do que impressão minha.
Quando ouvi dizer que a Disney ia abandalhar os filmes Marvel preferi dar-lhe o benefício da dúvida, mas este de facto está mauzito. Não acredito que precisasse de chegar a isto para fazer um filme de grande popularidade (ou se calhar precisava, sei lá). Li sagas do Thanos na versão original, a da banda desenhada, escritas por Jim Starlin na psicadélica (e injustamente esquecida) década de setenta, e não se situavam num tal grau de criancice, e mesmo assim eu, com doze, treze anos, não tive dificuldades em entendê-las ou em identificar-me com personagens suas. Será que os pivetes são hoje mais infantis do que dantes?, nunca me apercebi disso; recordo-me de na adolescência achar que desenhos animados de 1966 eram menos acriançados que os do final dos anos oitenta, mas julguei que não seria isso mais do que impressão minha.
Os trailers de «Endgame» não se mostram particularmente prometedores, mas não pensei que o filme pudesse ser como é; quer-se dizer, na verdade até topei ali uma passagem que me pareceu fraquita, nomeadamente quando os bons da fita se levantam todos para ficarem de pé a «enfrentar o destino» (00:27 em https://www.youtube.com/watch?v=XMfuHzeiYW8) e quando avançam todos juntos em câmara lenta (02:17 em https://www.youtube.com/watch?v=lLfKgylPkm4), duas cenas que levam o cliché ao cúmulo do piroso, mas julguei que no contexto do filme a cena ficasse melhor; mas não, ficou pior.
A personagem do nórdico Thor, Deus de Asgard, por exemplo, já tinha sido relativamente merdificada no terceiro filme da sua saga, «Ragnarok», quando os autores acharam por bem levar «a coisa» para a palhaçada, se calhar porque é bem mais fácil abandalhar e fazer «humor» adolescente do que manter-se ao nível do épico histórico e grandioso - não é qualquer um que consegue fazer «Senhor dos Anéis» ou «Guerra dos Tronos», o épico de espada e martelo arrisca cair no ridículo se não se souber escrevê-lo com mestria. Em «Endgame» prossegue a desgraça. Na parte em que, a meio de uma brincadeira, Hulk diz que é preciso voltar a combater Thanos, o asgardiano fica sério e eu nessas milésimas de segundo pensei «queres ver que vai responder uma paneleirice do tipo "não digas o nome de Thanos!"», e não é que foi mesmo isso que respondeu, quase a choramingar, «tu nunca mais digas o nome de Thanos!», foda-se, um bilhete de seis euros e dez cêntimos a arder e eu a ver. Foi como pagar para ir ver um Benfica-Sporting e o clube da Águia perder por quatro a zero; esta parte do filme é como o terceiro golo do lagartame. A partir daí é sempre a descer. Não há uma cena boa. Ou há, em poucos segundos, com os bons efeitos especiais, mas sabe a migalhas. Não apoio a censura, mas não me importava que houvesse um Diácono Remédios da qualidade, ou um coronel ou general moralista como o de Monty Python, a interromper cenas destas para bem da ficção épica: «eh, pessoal, parou aí, não podem fazer esta merda assim».
Considerar-me-ão suspeito por motivos ideológicos. É verdade que a Marvel em geral se situa no campo da Esquerda politicamente correcta, isto já desde os anos sessenta, foi nessa altura que a editora inventou um super-herói cujo nome, Pantera Negra, era o de um grupo terrorista-racista negro contra brancos, embora Stan Lee dissesse que se tratava de mera coincidência. Por mera coincidência, este Pantera Negra é um negro orgulhoso a reinar num país altamente evoluído que só tem negros. Por mera coincidência, a Marvel não criou um «White Knight» que fosse um tipo branco orgulhoso da sua estirpe num país só de brancos (o super-herói Rom tem mui remotas parecenças com isso, mas nada que se compare); se o tivesse feito, se calhar a personagem seria cancelada devido à mera coincidência com o KKK, mas pronto, é deixar passar. A verdade é que sei separar a ideologia do entretenimento em si - se o não fosse, não veria um só filme da Marvel... Sei ver qualidade naquilo que em termos de ideias me desagrada - a magistral saga arturiana escrita por Bernard Cornwell, por exemplo, é das obras de ficção histórica mais fabulosas que tenho lido enquanto politicamente mete nojo aos cães. Por outro lado, Endgame nem é dos mais militantemente antirras; é verdade que põe uma «valquíria» negra a ser «nomeada» por Thor como nova líder da nova Asgard (é fartar vilanagem), e que um Capitão América velhinho passa o seu emblemático e patriotíssimo escudo a um negro, «Falcão», seu parceiro de combate (quando ainda por cima o uso de escudo até se adequava melhor ao modus operandi de outro seu parceiro de combate, amigo de infância, «Soldado de Inverno»), mas, tirando isso, nem sequer há heróis negros a terem um papel decisivo na história e o mediaticamente mui enaltecido Pantera Negra só aparece no fim. Também não há uma mensagem política central que se qualifique como «pró-diversidade».
Não é pois por motivos ideológicos que a película me parece rasca. É mesmo por quase tudo o resto. Nem sequer nos pormenores do enredo consegue chegar à positiva.
Começa logo no vilão - aquilo é o Thanos? O tanas, digo eu. Aquele não é o galacticamente megalomaníaco e cosmicamente alucinado assassino de massas apaixonado pela Morte que quer oferecer o Universo à sua amada (à Morte, portanto, personificada numa mulher de negro trajada e quase sempre silenciosa), não é este
mas sim um saloio ianque que eventualmente leu umas coisas sobre escassez de recursos e povoamento excessivo e então resolve matar metade da população do universo. Tem na mão, literalmente, o poder para fazer o que lhe apetecer, inclusivamente aumentar os próprios recursos existentes, ou o próprio espaço, ou tudo o resto que possa imaginar, mas não, resolve ser poupadinho e cortar nas bocas por alimentar. Não bate a bota com a perdigota, como sói dizer-se, porque é uma má adaptação da b.d.: um tal poder hiper-cósmico só se torna perigoso na medida em que é utilizável de forma irracional, seja por amor, seja por capricho (o que quase toda a gente acabaria talvez por fazer, porque «o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente», ou, mais popularmente, «a ocasião faz o ladrão»); um tipo que quisesse fazer bem ao universo, não se limitaria a matar metade da vida existente, tal solução é demasiadamente idiota para ter verosimilhança. Eventualmente não quiseram os autores pôr no grande ecrã um fulano adorador da Morte, talvez tenham tido medo da sua influência sobre crianças com tendências suicidas, mas não souberam arranjar uma alternativa de jeito. Para piorar, recorrem à viagem no tempo, tema já mais que estafado, já não há pachorra para viagens no tempo, e mesmo assim não conseguem evitar pormenores foleiros, como o de uma heroína a tentar arrancar de frente a «manopla do infinito» (luva com as jóias do poder) ao vilão, o que facilmente permitiria a este aniquilá-la; entretanto, a dita luva não pode ser usada por qualquer um, fere o braço do titânico Hulk e mata o poderoso Homem-de-Ferro, mas, ao mesmo tempo, o Mjolnir, martelo de Thor, pode ser brandido pelo ianque de escudo, cujo nível de poder é pouco mais que humano. Portanto, uma manopla que, embora possa destruir o universo, tem uma «jóia da alma» entre outras maravilhas quase delicodoces, dá cabo do coiro a gajos capazes de levantar toneladas, mas um martelo divino ligado aos raios do céu, a arma mais poderosa dos Deuses, pode perfeitamente ser usado como bastão de baseball por um sujeito que nem sequer é invulnerável às balas. Não convence.
A multiplicidade de efeitos especiais e figurantes ao soco e a disparar raios não chega para esconder falhas óbvias - e mesmo na multiplicidade não consegue brilhar. No fim aparece uma miríade de super-heróis e seus familiares, muitos em posições palermas «à karaté», como os putos de treze anos que vêem filmes de artes marciais, até a Michelle Pfeiffer surge num canto do ecrã depois da batalha final, mas ficam com pinta de jet-set, dão um ar da sua graça para bater em monstrengos e comer croquetes, enquanto personagens da b.d. que realmente serviriam para enriquecer o cenário sem terem de intervir directamente, como figuras estruturais do Universo que são - Celestiais, Vigia, Tribunal Vivo, Mestre Ordem e Lorde Caos, Sire Hate e Mistress Love, Eternidade e Infinito, entre outras - nem sequer são citadas. É pobre.
Pode acontecer que daqui a cinco ou seis anos alguém queira começar do zero esta saga, que no seu original é uma das mais grandiosas de toda a banda desenhada de super-heróis, embora isso pareça pouco provável.
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