HOMEM DA MAÇA - EVENTUAL ECO FOLCLÓRICO DE UMA DAS PRINCIPAIS DIVINDADES EUROPEIAS
Em Fevereiro de todos os anos a cena repete-se. A pretexto das festividades católicas a S. Brás milhares de romeiros deslocam-se a um monte de Santa Cruz do Bispo para, entre festejos pagãos, pedirem a ajuda do “Homem da Maça” na busca do parceiro/a que lhes vem escapando. Para isso oferecem flores ao “santo” e despejam-lhe vinho na cabeça...
Há muito tempo – tanto que já não se sabe muito bem há quanto – um tenebroso leão assolava aquela que é hoje a freguesia de Santa Cruz do Bispo. Responsável por uma longa série de mortes, a fera mergulhara a população num profundo temor, tanto mais que demonstrava possuir grandes dotes de agilidade, força e inteligência. Com efeito, culpado pela morte de musculosos jovens, o leão soubera também escapar a todas as batidas que haviam sido organizadas para o capturar.
Mas a sua sorte (ou azar) estava traçada. E certo dia, quando um jovem agricultor regressava a casa depois de, nas margens do Leça, ter estado a maçar o linho, o temível leão surgiu-lhe ao caminho. Rapidamente envolvido numa luta que se revelaria mortal para ambos, o jovem, invocando o auxílio de um santo (S. Brás?), e como que imitando a bíblica figura de Sansão, consegue despedaçar a cabeça do leão, socorrendo-se para tal da maça – o pesado bastão de madeira que utilizara pouco antes, no trabalho do linho.
Profundamente agradecido pela façanha do mártir, o povo do local decide erigir uma estátua em pedra representando a fera e o herói que a subjugara, empunhando este numa das suas mãos a imprescindível e famosa maça que lhe deu a notoriedade e o imortalizou.
É esta, em traços gerais, a lenda do “Homem da Maça” que explica o aparecimento no alto do Monte S. Brás, na matosinhense freguesia de Santa Cruz do Bispo, de uma enigmática estátua granítica de um guerreiro decepado, associado à representação de um animal onde, só com muita boa vontade, conseguiremos descortinar um feroz leão.
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Mas o “Homem da Maça” nem sempre esteve no topo do Monte S. Brás. Embora se desconheça a sua origem e a atribuição cronológica seja igualmente polémica (a maior parte dos estudiosos divide-se entre datá-la do período romano ou do renascimento), se nos socorrermos dos registos mais antigos que possuímos com referências à estátua (todos já do século XIX), facilmente nos apercebemos que esta permaneceu a maior parte do seu tempo na base da elevação, entre as capelas de S. Brás e Nª Sª do Livramento e a de S. Sebastião. (...) Em 1935, por fim, é colocado no ponto mais alto do Monte. Tratou-se, no entanto, de um verdadeiro “chuto para cima”. Com efeito a sua elevada e aparente nobre localização, desde a qual se desfruta de ampla panorâmica, mais do que uma valorização da estátua terá sido uma tentativa, por parte das autoridades eclesiásticas, de a “esconder” ou, no mínimo, de evitar a sacrílega convivência e concorrência que esta “imagem” possuía com a capela de S. Brás. De resto, ainda hoje muita gente confunde o “Homem da Maça” com o santo, designando o primeiro como S. Brás.
Na base da confusão (ou será pretexto?) entre o sagrado e o profano, ou seja, entre S. Brás e o “Homem da Maça”, está a crença nas virtudes mágicas e casamenteiras desta estátua em pedra. O que, aliás, não é nenhuma novidade. A veneração idolátrica de pedras –geralmente devida a características que lhes são atribuídas como propiciatórias de fecundidade e amor – é ainda muito comum no nosso país, embora geralmente ande associada a menires e outros monumentos pré-históricos. De resto, há autores que defendem a possibilidade da representação do musculoso e hercúleo “Homem da Maça” resultar de uma antropomorfização pétrea de um remoto e pagão culto litolátrico pré-existente no local. Mas, afinal, como funcionam as propriedades casamenteiras do nosso “Homem da Maça”?
Embora ao longo do ano se multipliquem as velas acesas junto às pernas do “santo”, é, segundo a tradição, no dia da Festa ao S. Brás, no início de Fevereiro, que o “casamenteiro” se encontra mais receptivo aos pedidos dos seus “devotos”. Para isso estes têm, contudo, que – num verdadeiro ritual pagão e panteísta – lhe deixar curiosas oferendas. As raparigas e mulheres desejosas de noivos devem abraçar a estátua e adorná-la com colares de flores (o que nem é difícil nas últimas décadas, uma vez que o monte foi invadido pelas mimosas que, exactamente nesta época do ano, o cobrem de flores amarelas). Quantos aos homens, o ritual exige que se despeje vinho (embora recentemente a cerveja se venha impondo) sobre a cabeça do “santo”. Depois... Bom, é esperar até à festa do ano seguinte. E, se nada acontecer, o “Homem da Maça” lá estará uma vez mais para atender o pedido ou – facto igualmente curioso deste “santo casamenteiro” – para sofrer as consequências de não ter respondido às solicitações. É que o “Homem da Maça” permite que, como represália, pelo não cumprimento da sua parte, o (ex) devoto lhe parta sobre a cabeça a malga que, um ano antes, lhe havia vertido o vinho.
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A estátua em granito está enterrada até aos joelhos, atinge a altura de uma pessoa, falta-lhe os dois antebraços, mostra mutilações nos olhos, nariz e boca, e ao lado, no seu sopé, encontra-se uma figura indefinida do mesmo granito, representando algum animal.
Para uns é a figura de um antigo guerreiro (lusitano?) a julgar pela vestidura, cinturão, joelheiras e presumível couraça. Junto teria a estátua de um leão ou qualquer outro animal feroz. Nesta hipótese teria a clava na mão, se não estivesse mutilado. Está também desprovido dos membros inferiores e encontra-se implantado até ao meio da coxa sobre uma pedra de superfície plana. Seria, pois, um antigo guerreiro de barba e cabelo engrenhados, isto é, uma estátua representando uma personagem bárbara e togada - arte principal do séc. I.
Para outros, a referida estátua é uma figura artesã e não mostra sinais de obra de arte culta. Seria trabalho que mãos habilidosas criaram, num misto de obra de arte culta. Seria trabalho que mãos habilidosas criaram, num misto de religião e paganismo. A opinião (do Dr. Bertino Daciano) faz deste achado um arranjo escultórico quinhentista que decoraria a Quinta do Bispo.
A hipótese que parece ser mais estruturada é a que situa a famosa estátua entre os vestígios arqueológicos romanos existentes, outrora, na zona. Será, com efeito, um exemplar da estátua de Hércules ou seu filho - Amato, divindade mitológica grega que os romanos propagam nas sua colonizações da Península.
Na mitologia e no mundo romano o culto de Hércules representava uma epopeia como evocação de um homem que ganhou o seu lugar no Olimpo, a premiar uma vida intensa de amores que terminou com uma morte trágica. Hércules, deus guerreiro, está associado ao culto de Vénus, expressão da força e do amor, com grande expansão no mundo ocidental. O relacionamento do "Homem da Maça", como estátua de culto mitológico nas povoações romanas não só é viável mas, inclusivamente, alumia de um modo científico a origem do próprio nome de Matosinhos.
O "HOMEM DA MAÇA" E A ORIGEM DO TOPÓNIMO MATOSINHOS
Na mitologia, com efeito, Hércules tinha o filho Amato, que prolongava, na colonização, a irradicação mitológica da divindade. Daí que seja viável que os romanos ou primeiros latinos que aqui chegaram tenham chamado ao porto de Leça, no sopé do Monte Castelo, o Porto de Amato, ou seja, no original latino, AMATUS SINUS, AMITI SINUS, AMATUSIAE ( sinus quer dizer porto), fórmulas que a semântica transformaria em MATOSINHOS.
Esta explicação para o topónimo Matosinhos é tão ingénua como a tradicional que fazia derivar o nome diminutivo de matos (Matos + inhos, vendo analogia entre Mato e Bouças), ou do "Matizadinhos" das conchas da praia, com que Caio Pallantia = Maia se cobriu nas festas do seu noivado, na ocasião em que ao largo ia passando um navio com os restos mortais de S. Tiago.
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De facto, os testemunhos, mesmo orais, mais antigos, convergem todos para a tipicidade da romaria de S. Brás não apenas no seu aspecto propriamente religioso, mas também pitoresco e folclórico. As tradicionais romarias de S. Brás, que se realizam em 2 e 3 de Fevereiro, eram e ainda continuam a ser muito concorridas. As pessoas num vai e vem ritual passeiam, pelo Monte de S. Brás. De manhã são as cerimónias religiosas, de tarde é o povo anónimo, que, desde Matosinhos e freguesias limítrofes, acorre ao arraial.(...)
Nas romarias, as raparigas abraçavam-se ao pescoço do "Homem da Maça", colocavam-lhe flores e muito em segredo pediam um rápido casamento. Homens e casais, em orgias de vinho e de risadas, tocavam o mesmo talismã, desejosos de possuírem filhos varões.(...)
Ora como foi dito no tópico anterior, a figura hercúlea de um guerreiro armado de maça (ou martelo, ou machado) constitui precisamente um dos principais arquétipos, ou protótipos, divinos indo-europeus, a que os especialistas em reconstrução linguística chamam *Perkwunos. O facto de o Seu eventual representante clássico, greco-romano, Hércules, ter sido figura religiosa de primeiro plano no Ocidente, havendo até quem diga que a figura física de Jesus foi dele decalcada, mostra a permanência, ou o retorno à superfície, desta antiga entidade indo-europeia, talvez nalguma espécie de inconsciente colectivo indo-europeu à maneira jungiana. A popularidade de Hércules poderá por outro lado, e sem contradição, ter a ver com um influxo germânico no Ocidente, aquando das invasões bárbaras, visto que um dos mais adorados, senão o mais adorado dos Deuses germânicos era precisamente um «Hércules setentrional», a saber, Thonar/Thor. É este ano uma feliz coincidência que o dia de «São» Brás calhe a uma quinta-feira, ou Joves em Português arcaico, dia da semana consagrado ao Tonante, Júpiter ou Thor. Coincidentemente ou não, observa-se que, nas principais tradições pagãs setentrionais da Europa - germânica, báltica e eslava - final de Janeiro ou início de Fevereiro tem num dos seus dias uma celebração ao Tonante, seja Ele conhecido como Thor ou como Perkunas. E, a propósito deste último, que por acaso um grupo pagão lituano estabelecido nos EUA irá amanhã homenagear, como aqui se lê, http://www.facebook.com/groups/193014617442989/#!/pages/Lietuvos-Romuva-North-America/199085783516771
We will be holding a Perkuno Diena apeiga in griffith park Los Angeles Febuary 2nd 2012.
Não deixa de ser interessante referir que há no mundo académico quem defenda a hipótese, ousada, quase improvável, de Perkunas ter sido remotamente adorado na Península Ibérica, mais concretamente entre os Celtiberos, uma vez que em Botorrita foi encontrada uma inscrição celtibérica na qual se pode ler distintamente a palavra Perkunetae, que a linguista Patrizia de Bernardo Stemper traduz como «santuário de Perkuno», Divindade eventualmente pré-céltica.
Isto fortalece a meu ver a ideia de uma arcaica migração indo-europeia para a Ibéria, que terá ocorrido ainda antes da céltica, e que poderá entretanto ter eco na semelhança dos teónimos hispânicos Endovélico e Vaelicus com o báltico Velinus e o eslavo Veles, todos eles Deuses das profundezas, da riqueza e da saúde.
Por outro lado, a figura do Homem da Maça não deixa de fazer lembrar o conceito associado a Sucellos, Deus gaulês Cujo nome significará «Bom batedor», isto é, «o que bate com eficiência», e que é acompanhado de uma clava, além de ser representado coberto com uma pele de lobo, tal como Hércules é frequentemente representado coberto com uma pele de leão. Lobos tem por Sua vez junto a si a figura masculina eventualmente divina do caldeirão de Gundestrup, que tem igualmente junto a si uma gigantesca roda, atributo do supracitado Deus do Raio, Taranis.
Representação galo-romana de Sucellos - atenção ao pormenor do canídeo |
Placa do caldeirão de Gundestrup, peça céltica do maior valor arqueológico encontrada na Dinamarca; a figura barbuda aí representada ao centro poderá ser Taranis |
Não pode deixar-se de considerar a hipótese de o «leão» junto à estátua do Homem da Maça ser na verdade um cão/lobo, como sugeriu talvez jocosamente o escritor José Saramago (ver primeiro link acima). De notar que se de um leão ou animal inimigo se tratasse, seria natural que aparecesse representado, não paralelamente ao Homem da Maça, mas diante dele.
A maça, clava, o martelo, parecem constituir variantes de um mesmo símbolo, a saber, o da arma curta e grossa com poder esmagador, mas também protector, de poder supremo, que é apanágio do supracitado Dagda e também, embora com notória diferença no funcionamento, do germânico Donar/Tor - e que poderá ter na Lusitânia e na Galécia um equivalente na imagem recentemente encontrada em Montalegre, já referida neste blogue, que eventualmente representa Reve, uma das maiores Divindades deste extremo ocidente europeu, como aqui se leu:
http://gladio.blogspot.pt/2013/01/mais-observacoes-respeito-da-provavel.html
http://gladio.blogspot.pt/2012/11/a-cara-do-deus-do-raio-deste-extremo.html
2 Comments:
O que dizes disto, Caturo?
https://i.postimg.cc/mR1kC57d/1.png
Se for verdade, e não acho impossível que seja, trata-se de mais uma das incontadas filhadaputices cometidas por alógenos contra europeus em solo europeu, mais um crime cuja responsabilidade moral é em parte dos que deixaram entrar magotes de gentalha do terceiro-mundo pela Europa adentro.
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