segunda-feira, março 05, 2018

URZE DE LUME, NOME EMINENTE DO NEO-FOLCLORE NACIONAL


https://www.youtube.com/watch?v=PKuZRRI-mgw


Outono. À medida que as cores mudam ao ritmo dos dias mais curtos e frios, a paisagem do Portugal profundo e rural vai também mudando. Mas esta não é a paisagem habitual de Outono. As árvores mortas – de pé – e as que vão lentamente dando sinais de uma nova vida marcam o horizonte e dão início a um novo ciclo, depois de um dos mais marcantes Verões de que há memória. «Vejo o resultado de uma mudança que ocorreu no nosso país e, claro, no mundo há umas quantas gerações.» A derivação da conversa com Ricardo Brito, fundador dos Urze de Lume, para a temática dos incêndios, das alterações climáticas e da política florestal no nosso país não acontece por acaso. É que, caso não saibam, o multi-instrumentista lidera uma das mais firmes promessas do neo-folk mundial, o mais sólido nome do estilo em Portugal e um grupo de quatro pessoas que olha em frente enquanto baixa a cabeça para se entregar de corpo e alma à música que pratica. Música tradicional, folclórica, vanguardista e, ao mesmo tempo, incrivelmente enraizada no tribalismo ibérico. Música que é mais que música – música que é um povo. Um povo que viu o coração e pulmão devastados de forma invulgarmente violenta. «Este ano foi para nós o mais negro devido a vários factores presentes, que de uma forma aleatória se uniram e potenciaram. A degradação já existe há muito tempo, simplesmente fez-se sentir de uma forma mais severa. Creio que agora estamos todos mais conscientes sobre o que não fazer. O melhor será aproveitar estes exemplos e começar quanto antes a educar as futuras gerações e reeducar as velhas. É um trabalho árduo, mas possível.»
Basta tirar algum tempo depois de um dos inúmeros concertos do projecto e conversar com o acessível Ricardo ou com um dos seus companheiros – Tiago Matos, Gonçalo do Carmo e Hugo Araújo – para perceber esta ligação da banda à terra. Mesmo com os seus elementos a viverem em ambientes urbanos. «Todos nós vimos de contextos rurais e mesmo vivendo em Lisboa a ligação às raízes nunca se perde. Pelo contrário, refinam com o tempo, e são ainda mais valorizadas», diz o músico. E se, por um lado, é relativamente normal ver os seus elementos a distribuírem bolotas de carvalho pelo público para ajudarem a replantar a floresta autóctone portuguesa, por outro lado os Urze de Lume assinalam a inevitável passagem de mais um ciclo de vida com o novo álbum “As Árvores Estão Secas e Não Têm Folhas”, o seu segundo trabalho dedicado ao Outono depois de “Vozes Na Neblina”. «O Outono é uma estação propícia à reflexão, à despedida e também à preparação para um terminus natural que impulsiona, ou não, mais um ciclo», explica Ricardo. «É aquela fase do ano em que nos apercebemos do abrandamento e do envelhecimento à nossa volta. Depois ou nos renovamos ou caímos como folhas levadas pelo vento.» E o quarteto faz questão de não esquecer – e homenagear – as vozes que foram levadas pelo vento. «Todas as perdas são sentidas, sejam elas humanas, naturais ou culturais. E com a passagem de cada um de nós por estes ciclos que vivemos, vamo-nos cada vez mais apercebendo disso e valorizando cada momento e cada réstia de oportunidade de vivê-los e experienciá-los. Quanto às folhas que já caíram e que nos deixaram a sabedoria e saudade, prestamos neste disco a nossa devida homenagem.»
Viola campaniça, gaita-de-foles, corno, caixa da beira, bombo minhoto, flauta, rabel, caixa minhota e alguns outros tipos de percussão são a alma da música dos Urze de Lume. Apesar da variedade, uma das características do projecto é uma sensibilidade invulgar para saberem quando devem usar o quê, de acordo com o conceito e as emoções que cada disco invoca. Ricardo Brito confirma este critério e explica a escolha de instrumentação mais delicada para o novo trabalho. «Desde o início que Urze de Lume dá prioridade aos instrumentos tradicionais portugueses», diz-nos. «No entanto, a cada novo disco temos feito uma abertura ligeira a alguns instrumentos de fora. Desde que sintamos que não adultera o nosso conceito, iremos introduzir esses elementos sempre que se justificar. Para este álbum, tal como para o anterior, dada esta temática, tivemos o cuidado de criar e manter uma certa introspecção e delicadeza melódica e harmónica. Foram dois trabalhos em que a força e a rudeza das percussões tradicionais e da gaita-de-foles não se justificavam. Desta forma, recorremos a timbres mais melancólicos e a tempos mais lentos para criar esse efeito. Foi uma procura consciente e educada nesse sentido.» E, numa abordagem musical puramente instrumental, a escrita das melodias “ouve” muito mais os instrumentos que lhe dão vida. «Há quem defenda que a voz é o veículo mais directo. Não discordo em nada com essa afirmação», começa. «Por outro lado, como sempre fizemos música totalmente instrumental, para nós isso é o normal. As melodias nascem de uma forma natural apenas influenciadas, por vezes, pelas próprias limitações dos instrumentos tradicionais e pelos seus timbres peculiares. O conceito e a mensagem que queremos transmitir também tem a sua quota-parte na composição. Um dos desafios, neste disco, foi mesmo introduzir voz em alguns dos temas.» Espera… Voz em alguns dos temas!? «Sim, este disco terá algumas faixas com voz. São essencialmente poemas escritos especificamente para essas músicas e que falam sobre toda a temática inerente ao álbum.»
Se levantarmos os olhos por um momento e observarmos o panorama folk/neo-folk nacional e internacional, é cada vez mais fácil e comum vermos os Urze de Lume mencionados, elogiados e até dados como exemplo de rigor de trabalho e perseverança. Ricardo tem a sua explicação sobre este incremento de visibilidade na ponta da língua: «Em Portugal, creio que possa ser o facto de nunca termos parado. Desde que o projecto começou, em finais de 2009, sempre compusemos muita música, gravámos discos, colaborámos com outros músicos e bandas», refere. «E apesar da dificuldade que uma banda “underground” tem em tocar em Portugal, nunca baixámos os braços, e sempre que foi necessário nós próprios fomos os produtores dos nossos discos e concertos. Quanto ao estrangeiro, creio que o que mais impulsionou esse acontecimento foi o facto de termos participado na colectânea “Raíz Ibérica” e as colaborações com os nossos camaradas Àrnica. A colaboração com a editora espanhola Soliferro foi também um marco importante, pois fez chegar os nossos discos a vários pontos na Europa. Actualmente, com a nossa editora Equilibrium Music, poderei dizer que numa escala “underground” Urze de Lume já começa a ser ouvido em várias partes do mundo.» E não considera que este aumento de popularidade venha a ser um problema no sentido em que possa exigir mais tempo e envolvimento a si e aos seus companheiros: «[O aumento de popularidade] não é um problema, nem creio que possa algum dia vir a ser. Urze de Lume tem o seu próprio ritmo e primeiro estão as vontades dos membros, pois são esses o coração de Urze de Lume.»
A conversa flui e deriva como um ribeiro no Outono, com poucas pausas. Não podemos, no entanto, dispensar Ricardo Brito sem lhe perguntar por outro dos seus projectos, que complementa a sua actividade de gerir e agenciar os Urze de Lume. Falamos do Oestrymnis Festival de Arte Folk que, com apenas duas edições realizadas até ao momento, já se estabeleceu como uma das principais mostras de folk e neo-folk do país. «É algo especial para mim e para o Frederico [Pinheiro], do Trobadores Bar, porque somos ambos amantes da cultura folk portuguesa», diz. «Como tal, este festival é algo que terá continuidade e se irá expandir. Queremos que a cada edição seja melhor e inesquecível. Procuramos a nossa realização e, claro, a do público e a dos nossos participantes. Tentaremos sempre manter o festival o mais fiel possível aos seus valores e promover cada vez mais o movimento neo/dark folk.» E termina com a garantia de que o evento tem nova edição marcada para este ano: «Estamos com vontade de continuar e de experimentar algo diferente. Já temos algumas ideias que ainda estão por desenvolver. No entanto, estamos a apontar a terceira edição para finais do próximo Verão e num local diferente.»
Os Urze de Lume apresentam o novo disco, “As Árvores Estão Secas E Não Têm Folhas”, no dia 10 de Março às 22h00 no Auditório Carlos Paredes, em Benfica. Os bilhetes estão disponíveis a 5,00 Euros no local ou na Bilheteira Online.
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Fonte: http://ultraje.pt/urze-lume-entrevista2018/

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Bom blog, continua, sobretudo na projecção da nossa identidade nacional portuguesa(europeia) e na defesa da mesma.

7 de março de 2018 às 00:21:00 WET  

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