terça-feira, agosto 15, 2017

NOSSA SENHORA DIANA E O SEU FESTIVAL DA NEMORÁLIA



Dia 13 de Agosto é marcado pela celebração da Nemorália (também conhecido como «Festival das Tochas»), mais tarde adoptado pelos católicos como Festa da Assunção.

Este festival é realizado ou no dia 13 ou no dia 15 de Agosto ou na Lua Cheia de Agosto, em honra de Diana.

Neste dia colocavam-se cornos de vaca - símbolo de Hércules - na parte da frente do templo da Deusa.

Ovídio (século I a.c. ou VI A.U.C.) descreve esta celebração do seguinte modo:

«No vale Ariciano,
Há um lago rodeado de florestas com sombra,
Consideradas sagradas por uma religião dos tempos antigos...
Numa longa cerca, pendem muitas peças de novelos feitos de fios de linho entrelaçados,
E muitas tábuas estão lá colocadas
Como ofertas de gratidão à Deusa.
Muitas vezes, uma mulher cujas preces foram por Diana respondidas,
Com uma grinalda de flores coroando-lhe a cabeça,
Vai a pé desde Roma carregando uma tocha ardente...
Lá, uma corrente flui, sussurando, do seu leito rochoso...
»


Durante a celebração, os adoradores formavam uma luminosa procissão de tochas e velas à volta das escuras águas do Lago Nemi, ao qual se chamava «Espelho de Diana». As luzes das suas velas juntavam-se às da Lua, dançando, reflectindo-se sobre a superfície da água.



O festival é levado a cabo à maneira grega, isto é, Grecu Ritu, de cabeça descoberta. Centenas de adoradores juntavam-se perto do lago, usando grinaldas de flores.
De acordo com Plutarco, parte do ritual (antes da procissão em torno do lago) consiste na lavagem do cabelo e na sua decoração com flores.
É um dia de descanso para mulheres e para escravos. Os cães também são honrados e adornados com flores. Os viajantes entre os bancos do norte e do sul do lago são transportados em pequenos barcos iluminados por lanternas. Candeias similares eram usadas pelas vestais e foram encontradas imagens da Deusa em Nemi, por isso Diana e Vesta são por isso, algumas vezes, consideradas como sendo a mesma Deusa.

Um poeta do primeiro século d.c. (oitavo século A.U.C.), Propertius, que não foi ao festival mas que o observou de fora, disse, a alguém que amava:

«Ah, se tu ao menos pudesses andar por lá nas tuas horas de ócio.
Mas não nos podemos encontrar hoje,
Pois que te vejo exaltada com uma tocha ardente
Em direcção ao bosque de Nemi foste tu
Levando uma luz em honra da Deusa Diana
»


Pedidos e ofertas a Diana podem incluir:

- pequenas mensagens escritas em laços atados ao altar ou a uma árvore;
- pequenas estatuetas feitas de barro cozido ou de pão, representando partes do corpo que precisem de cura; pequenas imagens de barro de mãe e filho;
- finas esculturas de veados; dança e canto;
- fruta, como, por exemplo, maçãs.

Faziam-se oferendas de alho à Deusa da Lua Negra, Hécate, durante o festival.





Era proibido matar ou caçar qualquer animal durante a Nemorália.

Diana é uma Deusa Itálica celestial e luminosa. O Seu nome parece provir da palavra «Dius», que expressa a ideia de brilho relacionado com o céu. Diana tem um carácter nocturno e lunar, não sendo no entanto o mesmo que a Lua, como mais tarde veio tantas vezes a ser identificada. Há também aqui uma relação etimológica com os teónimos Janus (Deus dos Inícios) e Anna Perena, outras Duas Deidades latinas. Esta última pode estar relacionada com um monte hindu de nome Anna Purna. «Anna Perena» significaria «Anna Que fornece».

É possível que Anna e Diana, sendo teónimos de certo modo «pan-indo-europeus», fossem originalmente genéricos entre os Ítalos e agrupassem Deidades de distintos santuários como se Estas fossem aspectos diferentes da mesma Divindade, havendo espaço para importações, sincretismos, etc..

É, desde cedo, uma Deidade protectora da virgindade e das meninas, embora também pudesse presidir aos partos, sob o nome de Diana Lucina, isto é, «Diana Que faz vir à luz», tendo este epíteto, Lucina, em comum com Juno.


Diana pode ter sido em tempos a parceira de Júpiter; todavia, na época histórica conhecida a esposa deste Deus é Juno.


Apesar de, por ter sido considerada equivalente à helénica Ártemis, ter adquirido, na mente dos adoradores, um aspecto florestal, de caçadora, nunca perdeu o Seu carácter propriamente lunar, o qual a própria Ártemis também possui. Tal como Ártemis, exibe uma faceta violenta e sanguinária, vingativa, embora Se notabilize pelo Seu lado mais pacífico e protector.

Os Seus santuários mais antigos ficavam em Cápua - onde é conhecida como Diana Tifatina, ou Diana de Tifata, montanha situada a norte de Cápua, e onde Lhe é consagrada uma corça, símbolo de longevidade, garante da existência da cidade, o que traz repentinamente à memória o facto de que o romano Sertório conseguiu a estima e a admiração dos Lusitanos ao afirmar que se comunicava com uma corça mágica, e é de notar que a Deusa Diana foi das Deidades mais adoradas na Lusitânia - e em Arícia, povoação vizinha de Roma. Nesta última localidade, o Seu templo estava situado mais precisamente no bosque de Nemus. O facto de este local de culto estar associado a escravos pode ter a ver com a total liberdade de que estes gozavam no dia 13 de Agosto.

Aqui, no bosque de Nemus, onde Lhe chamam Diana Nemorensis, a Sua dimensão florestal é talvez mais notoriamente marcada, pois que «Nemus» significa «bosque», com sentido sagrado, o que se torna particularmente interessante se se tiver em conta que «Nem», nas línguas célticas, significa ao mesmo tempo «Sagrado» e «Céu», estando na raiz da palavra «Nemeton», a qual por sua vez significa precisamente «Bosque Sagrado». Esta semelhança etimológica não surpreende quando se sabe que o Latim e o Celta são da mesma origem: partem do grande ramo Celto-Italiota da família Indo-Europeia ocidental. Em território hoje português, pouco a norte do Douro, viveram os Nemetati. Na Galiza registou-se a existência de «Nemetóbriga», já nos tempos da Romanização. Na Ásia Menor, actual Turquia, existiu uma povoação com o nome de Drunemeton.

O santuário de Nemi, de origem latina, perto de Roma, teria sido, de acordo com a tradição romana, fundado por Egerius Baebius ou Laevius, ditador latino que representava várias povoações, tais como Aricia, Tusculum, Tibur e Lanuvium, entre outras. Outro possível fundador poderá ter sido Manius Egerius. Entretanto, uma tradição estrangeira atribuía o surgimento do santuário ao herói helénico Orestes, o qual, depois de matar o rei Thoas do Queroneso Táurico (Crimeia), fugira com a sua irmã para Itália, trazendo consigo o culto de Diana Táurica. Em Nemi havia uma outra Deidade, associada a Diana, que era Vírbio – e Vírbio tinha com Diana uma relação similar à de Hipólito e Ártemis: um Deus jovem e moribundo e uma Deusa Mãe telúrica que O ressuscita, esquema assaz conhecido e divulgado no Mediterrâneo Oriental, classicamente representado pelo mito de Cíbele e Átis, Osíris e Ísis, Afrodite e Adónis… Aparentemente, os Romanos achavam que Vírbio era o mesmo que Hipólito.

Segundo Estrabão e Ovídio, vivia nos montes da floresta de Nemi um sacerdote-rei (Rex Nemorensis) que, em determinadas circunstâncias, tinha de lutar com quem o desafiasse, isto porque quem quisesse ocupar o lugar deste monarca tinha de o matar, golpeando-o com um ramo arrancado de certa árvore. Pode haver aqui uma semelhança com mitos célticos.

O templo de Diana mais importante foi o do monte Aventino, edificado antes de 509 a.c. ou 244 A.U.C. pelos Romanos com o intuito de colocar a confederação das cidades do Lácio sob a protecção da Deusa

A igreja tentou abafar o Seu culto com a instituição da Assunção de Maria, no dia 15 deste mês - mas Diana permaneceu viva nas tradições populares dos povos meridionais onde a Romanidade deixou vestígios.


Nas colónias ou províncias imperiais o culto de Diana assumiu diferentes formas.


Na obra «Guia Arqueológica de España», pode ler-se:

«Os Romanos conquistaram a povoação e chamaram-lhe Saltus Dianae, ou Santuário de Diana, mas na escavação arqueológica do local não se encontrou até ao momento nenhum templo, apenas inscrições e moedas romanas.»

É possível que o topónimo Font Janina (em Catalão) ou Ribagorza Fonchanina (em Castelhano), seja vestígio da Deusa, visto que se encontra nessa zona uma montanha com silhueta de mulher.


E que dizer do caso português?


A Crónica Geral de Espanha, texto medieval, dá a conhecer um mito segundo o qual o nome «Lusitânia» deriva do facto de Hércules ter por aqui passado e resolvido dedicar jogos à Deusa Diana (Ludi + Diana = Lusitânia).

Entretanto, o templo de Évora é popularmente conhecido como o «templo de Diana», apesar de provavelmente ter sido local de culto imperial. 

Voltando agora ao concreto e sabido, registam-se em várias da Europa Meridional algumas palavras que derivam de Diana, não apenas em etimologia, mas também, de certo modo, em significado:


Janas: espécie de espíritos femininos da Floresta, usualmente referidos no plural (diz-se «Jãs» no Algarve);

Ja: bruxa, em Português (cai o n entre as vogais, tal como sucede em manu>mão, característica tipicamente galaico-portuguesa);
Xanas: o mesmo que Janas, mas nas Astúrias e estando aí ligadas às fontes e nascentes, como as Camenas latinas, que eram também adoradas em Roma no dia XIII de Agosto;
Jana: pesadelo, em Occitano (língua do sul de França);
Yana: bruxa, en Sardo logudorês (língua da Sardenha);
Zâna: fada, em Romeno;
Zanë: fada, em Albanês; é também uma personagem mitológica albanesa que protege os heróis e, tal como Diana e Ártemis, tem um animal acompanhante, que, no caso, é uma javali ou uma cabra.

 Xana, Jana ou Jã


O folclore europeu situa as Janas em locais como este

É de lembrar que na Antiguidade tardia ou nos primórdios da Idade Média, um certo evangelizador, S. Martinho de Braga, denunciava o culto das Dianas...
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Parte deste artigo deriva de um texto apresentado no forum religioso da organização norte-americana Nova Roma, da autoria de Arnamentia Moravia Aurelia, Sacerdos Dianae (Sacerdotisa de Diana) e de Lucia Modia Lupa, Sacerdos Dianae, duas modernas sacerdotisas de Diana.