quarta-feira, março 20, 2013

«A EUFORIA PERPÉTUA - ENSAIO SOBRE A FELICIDADE»

Ando há meses para dizer qualquer coisita sobre este livro, e vários outros, que li aqui há tempos, e de hoje não passa, dada a actualidade do tema, uma vez que vinte de Março foi mundialmente consagrado como o Dia da Felicidade.
O autor da obra em epígrafe, Pascal Bruckner, observa com inesperada lucidez um dos mitos senão o maior mito dos tempos que correm, o da Felicidade. A procura da Felicidade como grande objectivo da vida, eis um resultado da laicização da mentalidade cristã - realizar na terra o paraíso que a doutrina cristã veio a prometer para a vida no além.
Ora a Felicidade em si é um êxtase, uma sensação de plenitude tendencialmente intemporal e supra-temporal, uma euforia - e tal estado mental não pode, dada a própria natureza humana e da própria existência material, durar mais que alguns momentos. O êxtase permanente só seria possível num mundo perfeito, portanto, numa vida para além da existência humana. Trata-se de um conceito só realizável no âmbito de alguma espécie de supra-vida, o que remete para a religião, a qual, em contrapartida, está em queda no mundo ocidental, enquanto, paradoxalmente, o que domina a actual sociedade ocidental é precisamente um ideal de origem religiosa. A Felicidade não se controla, não se planeia, acontece, e acontece o mais das vezes inesperadamente. Só uma mentalidade laicista e até materialista poderia criar o padsrão mental de busca planeada e racional da felicidade. Outro paradoxo do culto à Felicidade é este gerar a infelicidade precisamente pelo receio de não se conseguir ser feliz, ou de se suspeitar não estar a fazer todos os possíveis para o alcançar. A Felicidade chegou até a tornar-se num direito, como se algo - o governo, o Estado - a devesse garantir universal e igualitariamente. Numa sociedade assim, não admira que se tenha estabelecido o flagelo da droga - a Felicidade imediata por meio de um pozinho, um cigarro ou um «chuto» nas veias - e, a um nível incomparavelmente menos grave, mas ainda assim significativo, a generalização do uso dos prozacs e afins. 'Tá-se mal, toma-se um comprimido e fica-se bem, e já 'tá. Só não é feliz quem não quer, diz-se... Tal crença assume particular relevância no campo das relações humanas, tendo por consequência, digo eu, uma vaga de divórcios sem precedentes... precisamente porque as pessoas meteram na cabeça, tanto mais quanto mais se enquadram numa cultura contemporânea e urbana, a ideia de que por «terem o direito a serem felizes», podem e até devem romper prontamente qualquer relação, passageira ou até duradoura, se a coisa não estiver a correr bem, ou tão bem como esperavam. Generalizou-se, neste contexto, o lugar-comum de que «o que mata as relações é a rotina», quando a verdade é precisamente o oposto - é a não aceitação da inevitável rotina, é esta rejeição engendrada por mentes «mimadas» (que julgam terem «direito» à felicidade, agora mesmo, ou já a seguir), que destrói os casais. É o grau de exigência a que se chegou nos meandros das relações pessoais que faz com que as pessoas depressa se cansem umas das outras, precisamente porque não suportem o tédio de maneira nenhuma e acreditam que algures há alguém que possui ou é a chave que lhes permita terminar a sua «telenovela» com um «e foram felizes para sempre».
Para quem se interessa por política, reveste-se de particular interesse o olhar do autor sobre os totalitarismos - estes são a tentativa laica de concretizar na ordem política um ideal de perfeição absoluta, contemplando a eventualidade de tudo se fazer para tudo se vergar ao seu ideal, agindo como Procusta. E alguns ideólogos, insatisfeitos com o que lhes parece ser a mediocridade reinante - ou seja, a odiada rotina, que no fundo mais não é, em si, do que a concretização ao nível humano da ordem universal - não se coíbem de apelar ao rompimento com «isto tudo», como sói dizer-se, mergulhando num conflito monumental alegadamente necessário. «Desconfiai dos intelectuais que olham pelo canto do olho para o abismo», diz Bruckner, e com razão, ou se não é isto é qualquer coisa assim, cito de memória.
Dá pois que pensar, em quantidade e qualidade, digo eu...

10 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Sempre que podes mandas o tal bitaite pos totalitarismos, como se fossem todos mal.Ate diria mais, muitas vezes algums sao um mal necessario para por repor a naturalidade.

20 de março de 2013 às 21:44:00 WET  
Blogger Caturo said...

Não sei de nenhum totalitarismo necessário nem acredito que exista. O totalitarismo é, em si, opressão, e isso não pode fazer bem.

20 de março de 2013 às 21:57:00 WET  
Blogger Afonso de Portugal said...

Obviamente. Totalitarismo é, invariavelmente, atraso e estagnação.

Por exemplo, aqueles que no meio Nacionalista louvam frequentemente o Salazar pela redução da dívida pública e pela manutenção de níveis baixos de desemprego durante o Estado Novo esquecem-se que foram precisamente os abusos cometidos durante a sua governação que levaram ao 25 de Abril e o totalitarismo de Esquerda que ainda perdura nos nossos dias.

Quem precisa de amordaçar a oposição perde sempre a longo prazo. É tão certo como o Sol nascer amanhã. Um ditador pode governar por décadas a fio mas, no final, a revolta popular leva sempre a melhor sobre o totalitarismo.

Essa é uma inequívoca lição da história que os nacionalistas já deviam ter aprendido. Até porque tudo indica que a democracia, quando verdadeira, favorece o crescimento dos partidos nacionalistas.

20 de março de 2013 às 22:23:00 WET  
Blogger Afonso de Portugal said...

Quanto ao tema do tópico em si, Bruckner acerta mais uma vez na mouche. O que já é habitual, dado que ele é um dos pensadores mais sóbrios do conservadorismo europeu da actualidade.

20 de março de 2013 às 22:25:00 WET  
Anonymous Anónimo said...

A grande arma de destruição em massa de nosso tempo, a maior já descoberta é o hedonismo, a vida centrada no prazer. Em oposição a isto vigorava a noção de sacrifício.

Hoje em dia as pessoas tem poucos filhos pelo motivo de, em parte, não conceberem como racional a noção de sacrificarem-se por outra pessoa.

Ter filhos é sacrificar-se por um alguém que você nem mesmo sabe se de fato sairá como a pessoa que você pretendia que ele fosse.

Acho que felicidade é poder olhar para o passado e ver que se fez tudo que deveria ter feito, que o sangue a sabedoria acumulada em uma vida foi passada adiante. Se não é isto pelo menos é uma parte primordial, verdadeiramente essencial do ser feliz.

Mas acho que neste seu texto, embora a sua interpretação esteja basilar, você ou o autor do livro, por vezes confundem felicidade com euforia. Felicidade não é um estado de euforia constante, embora realmente seja esta a percepção da maioria das pessoas sobre o tema. De resto seu texto foi bastante feliz.

20 de março de 2013 às 23:31:00 WET  
Anonymous Anónimo said...

Então o Imperio Romano foi mal para o que viria a ser Portugal?A Alemanha de Hitler foi má para os nacionalistas europeus?

20 de março de 2013 às 23:59:00 WET  
Blogger Caturo said...

No que teve de totalitário não foi nada boa para os Nacionalismos europeus. Serve de pretexto para o bicho-papão que se criou a respeito da Extrema-Direita, não por causa da questão racista propriamente dita, mas pelo aspecto ditatorial, que assusta naturalmente a população. Esse é precisamente um dos maiores problemas do Nacionalismo na actualidade, esse precedente, essa «escola» anti-democrática, que faz o vulgo desconfiar das eventuais atitudes dos «racistas» assim que estes chegassem ao poder. O homem europeu não quer um líder que o mande calar a boca e abdicar do direito de escolher o que quer. Esse estilo de vida pode seduzir gentes submissas do terceiro mundo mas com europeus não pega.

Não significa isto que o regime NS fosse totalmente ditatorial - ao fim ao ao cabo até tinha referendos, aliás, os referendos nacionais ficaram proibidos na Alemanha do pós-guerra, até hoje, precisamente em reacção contra o anterior regime. Todavia, aboliu a democracia, o direito do povo a escolher os seus governantes, e isto não pode ser bom.

Quanto ao Império Romano, não era um totalitarismo, havia na sua vivência sobeja tolerância; no que toca ao seu aspecto imperial, contudo, bem melhor teria sido que nunca tivesse existido. E não é por sermos filhos de uma violação que vamos aprovar todas as violações que entretanto forem cometidas.

21 de março de 2013 às 03:53:00 WET  
Blogger Caturo said...

«Essa é uma inequívoca lição da história que os nacionalistas já deviam ter aprendido. Até porque tudo indica que a democracia, quando verdadeira, favorece o crescimento dos partidos nacionalistas.»

Ora nem mais. Habituar-se a desprezar a opinião popular é um tiro no pé de todo o tamanho para quem tem o seu eleitorado precisamente nas camadas educacionalmente mais baixas do povo.

Isto para além do facto de que quem mergulha no estudo dos totalitarismos e os aprecia, usualmente vê-se, ainda que inconscientemente, no lugar de quem manda. Um bom burguês que odeia a classe burguesa pega num livro sobre o Hitler ou o Mussolini e gosta daquilo, e até faz que sim com a cabeça quando está a ler, «sim senhor, grande homem, eu também fazia assim se pudesse» e tal, mas mal este burguês se junta com outros burgueses de igual jaez e com eles forma uma associação, começa a perceber que furher só há um, e pode não ser ele, pode acontecer que outro burguês igual a ele, que mora do outro lado da rua e leu os mesmos livros, seja mais hábil em assumir o poder no grupo, e depois é uma chatice, e vai daí esse burguês que não tem o poder que queria junta-se a outros burgueses do mesmo grupo que também queriam poder armar em mussolinis, e deitam abaixo o outro que manda, considerando-o como «um cancro no Movimento!», e daí uns anos «o cancro do Movimento!» é outro, e assim sucessivamente...

21 de março de 2013 às 04:07:00 WET  
Anonymous Anónimo said...

«Isto para além do facto de que quem mergulha no estudo dos totalitarismos e os aprecia, usualmente vê-se, ainda que inconscientemente, no lugar de quem manda.»

Lembrei-me logo dos filhos de famílias ricas que se tornam comunas. No PCP há disso, e no BE ainda deve haver mais.
E o caso das elites intelectuais dos países que viriam a ter regimes comunistas, talvez as maiores idiotas úteis do comunismo, que aderiam à ideologia e usavam a sua influência intelectual para fazer o jeito aos comunas, mas assim que um regime comunista se instalava, essas elites, que tanto tinham contribuído para esse triunfo, eram prontamente massacradas.

21 de março de 2013 às 21:38:00 WET  
Anonymous Anónimo said...

Que texto monumental...!
Parabéns

21 de março de 2013 às 23:12:00 WET  

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