«JOHN CARTER»
Cedo abandonei o receio algo preconceituoso de que um filme com chancela Disney pudesse ser excessivamente infantilizado quando vi a apresentação das imagens do filme acima colocadas (o chamado «trailer»). Até porque uma saga da autoria de quem escreveu o clássico «Tarzan» não podia ser demasiadamente má. Não que a figura do «homem-macaco» me pareça particularmente fascinante, mas não achei verosímil que algo da autoria de tão famoso escritor, ainda para mais no campo da ficção científica, fosse totalmente desinteressante.
E, de facto, não me enganei. O enredo é de uma riqueza estupenda e aspecto visual da película reproduz com brilhantismo aquela mistura de futurismo luminoso com imaginação barroca que tanto caracteriza a ficção científica do final do século XIX e início do século XX, patente na obra de Júlio Verne e também em «Flash Gordon». Não se encontra tão delirante e vitalmente originalidade algo ingénua na ficção científica mais contemporânea. Para quem aprecia o género, no seu todo e nos detalhes mais pitorescos, o filme é pois a não perder. O original foi no filme adaptado de maneira a compatibilizar-se com um público infanto-juvenil, como se esperaria... a este respeito, alguma da banda desenhada já feita em torno da personagem fará talvez mais jus ao conteúdo original da obra, na qual a clássica figura da «namorada do herói» prescinde do uso de qualquer indumentária.
Tendo dito isto, é filme para ver cum granu salis do ponto de vista ideológico. Não ignorando a possível equivalência simbólica do que em Marte se passa com o cenário bélico-político dos EUA no século XIX - com os índios a serem representados nos homens verdes «bons selvagens» ulteriormente amigos do herói, John Carter, e os vencedores da guerra de secessão a serem figurados na cidade esmagadora que tudo devora e seca (a indústria do Norte?) - não pode esquecer-se que Carter é uma espécie de pária voluntário que não aceita cumprir o seu dever militar porque rejeita qualquer ligação a quaisquer causas para além dos seus propósitos individualistas e aventureiros. Nisto, representa demasiadamente bem um dos modelos enaltecidos pela cultura dominante no Ocidente actual. Na conclusão da história, Carter acabará por aderir à luta por uma causa justa - mas num outro mundo que não o seu, a tal ponto que se sentirá deslocado na sua própria terra de origem. Ouve-se aqui um eco do pensamento religioso gnóstico, a de que seríamos todos estranhos neste mundo «cá de baixo», mas também do pensamento apátrida de que «onde quer que estejamos bem, aí é a nossa terra». Tal desprendimento das suas próprias raízes não constitui raiz para nada de eticamente bom, muito menos servirá de útil exemplo a crianças brancas numa época em que estas perdem demograficamente terreno na sua própria terra...
1 Comments:
Este filme esta sendo considerado uns dos maiores fracassos de Hollywood.
lucassouza24
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