CONFRONTO DE TITÃS (2010)

«Confronto de Titãs», que fui ver ontem à noite, é seguramente um deslumbramento para o olhar de bom gosto. E não apenas, de maneira nenhuma principalmente, pelo bombástico em si dos efeitos especiais, como seria de esperar numa produção deste nível, mas pela beleza que consegue deles extrair, que se prefigura como verdadeira homenagem, voluntária ou não, aos Deuses da Europa Clássica, verdadeiros Deuses do Ocidente. A cena do concílio das Divindades no Olimpo merece ficar na História do Cinema e de toda a Arte. O fulgor da armadura de Zeus não tem rival em dignidade e esplendor. E nem faltou o pormenor da Águia, símbolo do Senhor do Céu. A actuação e semblante de Liam Neeson no papel do referido Deus coaduna-se. Todas as outras Divindades representadas, Hades incluído, estão magnificamente bem compostas esteticamente falando, como nunca antes se viu no cinema (eu pelo menos não). A representação do mundo dos mortos merece também especial louvor.
A beleza das actrizes Alexa Davalos e Gemma Arterton justificaria só por si que se visse a película, se outros méritos esta não tivesse.

Trata-se de uma nova versão do filme de 1981 com o mesmo título («Clash of Titans», no original, em Inglês), e que actualmente é difícil de ver em Portugal, limitado que parece estar a uma aparição periódica no TCM, canal televisivo por cabo (sem legendas em Português, de resto). Há em dvd, ou, pelo menos, em blue-ray disc. Naturalmente que os efeitos especiais de um e de outro não são comparáveis, e o ritmo da narrativa é também assaz diferente, embora neste caso não se trate já de uma questão de qualidade mas de adaptação à época - e a de 2010 é marcada pelo imediatismo, pelo que na nova versão não há tempo para tempos mortos e sem vertigem (ou então já se sabe que o espectador médio/baixo adormeceria ou diria aos amigos que o filme «foi uma banhada», enfim).

Outro ponto que muito favorece o filme é a quase total ausência de rostos não caucasóides, o que, mais uma vez, se afigura algo milagroso, depois de se terem visto tantos negros no juvenil «Jack Percy e os Ladrões do Olimpo». Ainda outro ponto a favor do «Confronto de Titãs» de 2010 é o predomínio claro de actores e de pronúncia inglesa ao longo de toda a película. Melhor, só se fosse falada em Grego...

Negativo é, por outro lado, o tom fortemente ateu, ou mais concretamente iconoclasta e anti-religioso, que transparece grosseiramente ao longo de boa parte do filme. Todavia, pode dizer-se que, de um certo ponto de vista, a coisa compõe-se lá mais para o fim, até porque, para começar, os mais radicalmente ateus e iconoclastas eram na verdade gente arrogante e estupidamente vaidosa. Nesse aspecto, a versão original do filme, embora mais subtil, era todavia verdadeiramente ateia, pois que a resolução final de «Zeus» inclina precisamente ao repúdio dos Deuses, a fazer lembrar as palavras que Camões se viu forçado a colocar na boca do seu «Júpiter» dos Lusíadas qualquer coisa como «não existimos, servimos só para inspirar poemas», sabendo-se que o poeta chegou a ser interrogado pela Inquisição sob suspeita de incitar ao culto destes Deuses antigos...

Outra maleita do filme, mas que não conheceu correcção e sim agravamento, foi a representação moral de Hades. Na verdadeira tradição religiosa grega, não há Deuses malignos, apenas perigosos. E Hades, embora severo, não é mau, apenas justo. Enfim, para a massa popular ocidental, ainda influenciada pelo maniqueísmo cristão, talvez seja mais perceptível uma história em que há um mau e um bom, talvez tenha sido por isso que a personagem teve este desenvolvimento.
De reprovar também a «misturada» que é pôr-se em cena os «Djinn», que na verdade não são da mitologia grega e sim da tradição pagã árabe; e o Kraken, também uma figura estranha à Hélada, pertencendo exclusivamente ao folclore nórdico.

Ainda assim, este «Confronto de Titãs» supera a versão original e recomenda-se.