sexta-feira, janeiro 30, 2009

O REGRESSO DOS DEUSES


Procurei no livralhame que lá tenho por casa uma série de artigos de Fernando Pessoa e seus heterónimos a respeito do Paganismo. Até agora não os encontrei, mas de quando em vez abro uma porta na Internet que me conduz a pelo menos parte dos trabalhos que procuro - e o texto que o camarada Harms publicou recentemente no seu blogue deu-me material para pesquisar no oceano de informação virtual, até ao ponto em que encontrei esta página, da qual retiro dois excertos, de verdadeira antologia, aproveitem porque é seguramente das coisas melhores que tem aparecido neste blogue, ou em qualquer outro:


Os Deuses não morreram: o que morreu foi a nossa visão Deles. Não Se foram: deixámos de Os ver. Ou fechámos os olhos, ou entre Eles e nós uma névoa qualquer se entremeteu. Subsistem, vivem como viveram, com a mesma divindade e a mesma calma.
(...)
Creio nos Deuses como numa verdade e numa salvação. A Sua presença adoça e simplifica. Nada lógico me leva a preferir-Lhes qualquer outro Deus, mais antigo ou mais recente. Ver as fontes e os bosques habitados realmente por entes reais de outra espécie não me parece mais absurdo do que acreditar que tudo isto derivou do nada, que Deus é a essência disto tudo. E eu tive a felicidade de tal nascer que naturalmente sinto a presença de entes reais nos bosques e nas fontes, que, sem preconceitos clássicos, Neptuno é para mim uma personalidade real, Vénus um Ente verdadeiro e Júpiter o pai terrível e existente dos calmos Deuses todos.
Nada me interpreta a natureza melhor, nem me faz amá-la mais. A presença de uma nereida alegra-me quando me encontro ao lado de uma fonte. E é grata companhia a dos silêncios quando atravesso, humanamente sozinho, o sossego sóbrio dos bosques frescos.
Os amores dos Deuses, a Sua humanidade afastada não me dói nem me repugna. Repugna-me a morte de um Deus, Cristo na cruz, vítima de Seu próprio pai numa religião que pretende ser enternecida.

Ricardo Reis, heterónimo de Fernando Pessoa

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